Sunday, 19 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

michael_jackson_is_dead.com

Não sentiremos saudades do king of pop. Na era informacional, a perda material de um ídolo é acompanhada pelo excesso de sua presença imaterial. Nos últimos dias, vimos e ouvimos mais sobre Michael Jackson do que em qualquer outro momento de nossas vidas. Não houve espaço nem tempo para sentir sua falta.

Uma simples busca na internet por ‘Michael Jackson’ nos apresenta mais de 95.000.000 de resultados. O mesmo critério de busca nos retorna mais de 17.000.000 de menções ao rei do rock Elvis Presley e a convergência entre os dois reinados está presente em mais de 5.000.000 de referências. No mundo digital, rei morto não é rei posto.

Paradoxalmente, a sociedade pós-moderna lança mão do excesso para anunciar as suas perdas. Ausência e presença tornam-se sinônimos no luto coletivo global. Elvis Presley, John Lennon e Michael Jackson estão imortalizados no memorial do ciberespaço. A inteligência coletiva não permite o esquecimento.

Na sociedade da informação é impossível sentir saudade de um ícone, muito menos daqueles que foram criados por ela. A presença desmaterializada de um ídolo torna difícil a assimilação de sua perda. Neste exato momento, um link qualquer na www pode nos levar às mais distantes imagens dos Jackson Five, para, em seguida, navegarmos por centenas de milhares de fragmentos de uma vida virtualizada.

Mais do que um ícone, um mártir

O próprio Michael Jackson foi uma criação dos avanços científicos e tecnológicos da era informacional, capazes de reinventar a aparência física do fenômeno ‘pop’, mas incapazes de oferecer um significado para uma vida marcada pela excessiva presença do passado e pela desestabilizadora ausência do presente.

Em mais uma ‘crônica de uma morte anunciada’, a própria notícia em primeira mão da internação e posterior falecimento de Michael Jackson foi atribuída a um site especializado em cobrir a chamada thirty-mile zone (TMZ) – uma espécie de Neverland hollywoodiana estrategicamente conectada aos espaços de fluxos da aldeia global.

Os media já haviam retirado de Michael quase tudo o que era possível retirar de um astro em declínio. Escândalos ocasionais já não eram suficientes para satisfazer a ânsia informativa. Há muitas celebridades correntes nesta área, sempre dispostas a protagonizar situações bizarras em troca de segundos de exposição midiática.

O que se esperava, agora, era o grande final, o infinito de the end a ser exibido exaustivamente nas telas dos computadores e televisores. A hermenêutica digitalização das últimas imagens de um ídolo popular.

Mais do que um ícone ‘pop’, Michael Jackson é o mártir de uma sociedade avançada demais para se dar ao luxo de esquecer o que não quer lembrar; e de sentir saudades do que não quer esquecer.

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Cientista político, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC); autor, entre outros, de Reforma da Previdência em Perspectiva Comparada: Executivo, Legislativo e Sindicatos na Argentina e no Brasil (Humanitas/Fapesp, 2007)