Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Moreno é o poder

Nesses tempos em que zilhões de reais, dólares e euros passeiam pelo noticiário, turbinando bandalheiras capazes de sacudir a República, torna-se quase inacreditável lembrar de um presidente deposto por causa de um… Fiat Elba. O carro prosaico estacionou no centro do escândalo que levou ao impeachment de Fernando Collor, na história de um cheque-fantasma revelada por Jorge Bastos Moreno. Um dos principais repórteres de política do país, ele ostenta vigorosa coleção de furos de reportagem, em quatro décadas de jornalismo na veia.

Nem precisava, mas o homem ainda é um exímio contador de histórias, desfiadas em jantares incríveis, temperados pela comida de Carlúcia, a cozinheira-parceira dele, que ganha fãs em progressão geométrica. Os eventos não reúnem políticos, mas amigos e as “musas do Moreno”, uma seleção que inclui Mariana Ximenes, Maria Ribeiro e Camila Morgado, entre outras. Um espetáculo promovido pelo jornalista, um feliz neocarioca – nascido em Mato Grosso e celebridade em Brasília, ele passa longas temporadas no Rio. Ainda bem.

Quem conhece o despojamento charmoso, cheio de bom humor, do anfitrião impecável pode não imaginar seu poder como jornalista. Como naquele entardecer de julho de 1992, em meio a uma inesperada aridez das informações na CPI do PC, que investigava PC Farias, o caixa de Collor. Cansado de varar dias, noites e madrugadas em coberturas extenuantes, Moreno parou na tabacaria da barbearia do Senado e, no balcão, encontrou uma fonte. A CPI era o assunto de todos os viventes na capital, mas o repórter não tinha muito a contar.

– Acho que desse mato não sai mais coelho – resignou-se.

– Como assim? Agora que todos sabem que o Fiat Elba do Collor (na verdade, usado pela primeira-dama, Rosane) foi pago com o cheque do fantasma José Carlos Bonfim, não há como mais negar que o presidente estava no esquema do PC.

Era a informação que Moreno e o país inteiro queriam. Deu no GLOBO do dia seguinte, início de um terremoto que só parou com Collor apeado do cargo.

– Àquela altura, havia uma preocupação intensa na CPI para que as informações não vazassem. Foi uma virada importante – relembra ele.

Cativar fonte, chave do furo no caso Collor e ciência suprema dos jornalistas, transformou-se numa especialidade de Moreno graças às lições de política e de vida recebida de duas lendas da história do poder no Brasil: Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Durante vários anos, o repórter foi interlocutor frequente dos dois, a quem tem na conta de professores.

– Convivia com eles em jantares longos. Eram pessoas solitárias, que aceitaram minha amizade – conta o jornalista. – O Tancredo me ensinava história, com passagens incríveis, especialmente do período Vargas. Ulysses me dava lições de vida, muito valiosas – relata ele, que foi assessor do Senhor Diretas por um breve período.

O saber jornalístico materializou outro superfuro anos depois do Fiat Elba. Em 13 de janeiro de 1999, a edição do GLOBO estava fechada, quando ele ligou com a informação de que o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, fora demitido e seria substituído por Francisco Lopes, o diretor de política monetária da instituição. Virou a manchete do jornal e rendeu ao repórter o Prêmio Esso de Informação Econômica daquele ano.

Quer mais Jorge Bastos Moreno? Na página 3 do jornal de hoje, tem a coluna dele, que conjuga informação e diversão em doses perfeitas. Não perca, você aí!

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Aydano André Motta, do Globo