Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os inimigos da mídia hegemônica

Na seção Internacional de O Globo de domingo (15/03), a manchete da página 39 assinala que ‘Casal K faz nova investida contra a imprensa’. Muito nervosa, a editoria Internacional do maior jornal do Rio voltou as baterias contra a presidenta Cristina Kirchner e o marido Néstor porque o governo enviará nesta semana um projeto de lei ao Congresso limitando as propriedades de meios de comunicação. O ‘K’ representa na verdade o preconceito, para reafirmar que Cristina não tem vôo próprio e quem manda é ainda o ex-presidente Néstor, que vai ser candidato, no segundo semestre deste ano, a deputado, e possivelmente será o mais votado do país.

A ONG Radiodifusão Democrática sugere, e o governo estaria disposto a aceitar, ‘políticas efetivas para evitar a concentração da propriedade dos meios de comunicação’. O Globo, por intermédio da correspondente Janaína Figueiredo, concedeu o maior espaço para os oposicionistas de direita criticarem Cristina e, de quebra, Néstor.

Em suma: para a família Marinho e outros clãs midiáticos latino-americanos, evitar que algum grupo privado tenha o controle total dos meios de comunicação, inclusive em termos de propriedade cruzada (propriedade de jornal, rádio e televisão numa mesma área) é ‘investida contra a imprensa’. Ou seja, mais uma vez estes senhores que controlam a informação misturam liberdade de imprensa com liberdade de empresa.

Ampliação de espaços midiáticos

Não é à toa que daqui para frente o conservadorismo midiático vai intensificar a campanha contra Cristina Kirchner.

Completando a página 39, O Globo mais uma vez não poupou o presidente da República Bolivariana da Venezuela, ao produzir o título segundo o qual a ‘Mídia privada sob a mira de Chávez’. Virou rotina…

É importante estar atento ao comportamento da mídia hegemônica nesta questão, sobretudo agora depois que o presidente Lula anunciou a realização, em dezembro, de uma Conferência Nacional de Comunicação. Não é preciso nenhuma bola de cristal para prever que o patronato da área fará o possível e o impossível para evitar que a sociedade civil amplie o espaço no setor midiático. Para os big shots, que contam com o apoio do ministro Hélio Costa, das Comunicações, regular alguma coisa no setor é ‘investir contra a imprensa’. Não é de se estranhar que neste caso a Sociedade Interamericana de Imprensa, a SIP, seja convocada para criticar a ‘investida’.

Na verdade, estão em jogo no continente latino-americano duas posições: a dos proprietários dos grandes veículos de comunicação, impressos e eletrônicos, que não aceitam qualquer tipo de mudança que eventualmente questione o super-poder do setor, bem como a de representantes dos movimentos sociais que há anos se mobilizam em favor da democratização dos meios de comunicação.

Muitos analistas consideram que mudar a legislação na área midiática é ainda mais difícil do que realizar uma reforma agrária para valer. Os big shots do setor se mobilizam toda vez que se vislumbra qualquer possibilidade de ampliação dos espaços midiáticos. Agora mesmo, com a instalação no Brasil do sistema digital, as seis ou sete famílias que controlam as redes de televisão estão conseguindo tudo o que exigem. Hélio Costa, como sempre, vai dourando a pílula.

Argumentos inconsistentes

O sistema digital poderia contemplar os mais amplos setores da sociedade civil, mas os canais que se abrem com a revolução tecnológica estão sendo ocupados pelos de sempre, os grupos que há muitos e muitos anos controlam o espaço midiático eletrônico. Qualquer questionamento é respondido com protestos e mobilizações dos proprietários, algo que não pode ser considerado democrático.

No Congresso, um bom número de parlamentares e seus familiares são também proprietários de veículos de comunicação. Não aceitam qualquer tipo de modificação e consideram autoritários todos os que eventualmente venham a questionar, por exemplo, a renovação automática da concessão dos canais de televisão. Os senadores José Sarney, Fernando Collor de Mello e Jader Barbalho, entre outros tantos, que o digam.

Na Argentina, a discussão está pegando fogo. Os grandes proprietários dos veículos de comunicação reagem e utilizam argumentos que não resistem à menor análise. No Brasil, como aconteceu no noticiário em questão editado por O Globo, todo o espaço é garantido aos proprietários, da mesma forma que aos correligionários midiáticos brasileiros.

Não é à toa que Cristina Kirchner e o ex-presidente Néstor foram eleitos inimigos da mídia, fazendo companhia ao ‘caudilho’ Chávez, entre outros.

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ