Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

SEXO + POLÍTICA = FOLHETIM PICANTE

“Perguntar não ofende” saiu na Carta Capital (24/02), coluna Andante Mosso. “Por que Miriam Dutra falou após 30 anos de silêncio?” Boa pergunta a procura de uma boa resposta que Ruth de Aquino tentou buscar na Época (22/02). Concluiu que os políticos fiéis seriam uma exceção se alguém escrevesse o livro “Todas as Mulheres do Presidente” – incluindo as oficiais e as extraconjugais. Monogamia não combina com poder. E para tornar ainda mais picante esse folhetim, acrescenta-se o ingrediente vingança , imaginado por Lupicínio Rodrigues e vocalizado por Ângela Maria. “Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada/ sem ter nunca um cantinho de seu prá poder descansar”

Ruth de Aquino lembrou os detalhes vexaminosos de alcova que vêm à tona , com feição de baixaria quando servem a adversários em época de eleição. Foi assim quando a outra Miriam, a Cordeiro, ex-namorada de Lula e aliada à Collor, “apresentou” em 1989 a filha Lurian à imprensa. Alguém lembra de como Nicéia, a ex-mulher de Celso Pitta, o acusou em 2000 de corromper vereadores e desviar dinheiro público? Isso, depois de descobrir que o prefeito de São Paulo tinha “outra”. Também, quando Monica Veloso, jornalista e ex-namorada de Renan Calheiros, expôs a forma como o senador pagava suas despesas e aluguel através de lobistas de 2004 a 2006 – sem se esquecer, é claro, de posar nua na Playboy?

Dá pena o nível da humilhação das mulheres depois de conquistarmos, mais ou menos, o lugar de igual para igual . Mas não adianta. Lupicínio acertou quando detectou “só vingança, vingança, vingança…” no triste papel da mulher desprezada– ou da que se coloca ali. Woody Allen em Blue Jasmine repetiu a trama há dois anos quando Jasmine ( Cate Blanchet), entrega o marido Hal ( Alec Baldwin) à Receita Federal ao descobrir que vai ser abandonada por outra mulher. Hal se enforca na prisão.

O folhetim fica suculento e não há ficção que derrube audiência quando os personagens são nossos, conhecidos políticos, e figuram nas páginas todos os dias. Para melhor responder à pergunta de Andante Mosso: por que Miriam Dutra esperou 30 anos, um apartamento de 200 mil euros, o pagamento de toda a faculdade e o mestrado no exterior de seu filho Tomás, hoje com 24 anos, uma pensão polpuda em troca de um trabalho invisível? Foi porque o exame de DNA deu negativo duas vezes e Tomás não é filho biológico do pai que o adotou como tal?

Resposta: porque Miriam foi desprezada.

A vingança

Aos 55 anos Miriam vive com o cachorro Chico em Madri e declarou tanto à revista Brazil com Z como à jornalista Monica Bergamo da Folha (19/02) que se sente sozinha e alega perseguição após 35 anos de trabalho remunerado na TV Globo em Lisboa, Londres, Madri. Resolveu descontar tudo em cima do namoro que teve com o então senador Fernando Henrique Cardoso, casado com dona Ruth, de 1985 a 1991. Um ano antes de terminar o namoro ela teve o filho Tomás, hoje com 24 anos, porque quis. Mesmo o exame de DNA tendo dado negativo duas vezes, Fernando Henrique declarou não mudar sua relação de pai com Tomás. Dizia “ele não tem culpa de nada”.

Trinta anos depois Miriam joga a suspeita de que, para mantê-la, além do salário da TV Globo, FHC teria usado a empresa Brasif para enviar 3000 dólares mensais para ela. Um contrato fictício do qual ela nunca reclamou em três décadas, mas FHC nega. Ainda respinga para José Serra uma estranha consultoria da irmã de Miriam, Margrit, suposta consultora do senador.

Miriam Dutra reportagem

Matéria publicada pela revista “Brazil com Z”

As acusações de Miriam ferem mais seu filho Tomás e à irmã Margrit que ela acusa, junto com o marido e lobista Fernando Lemos, de ter ficado com parte do dinheiro arrecadado pela Brasif. Atinge mais as profissionais do jornalismo político do que propriamente o ex-namorado que nesse meio tempo ficou viúvo, casou-se outra vez e só fez o exame de DNA a pedido de seus três filhos com dona Ruth. Mas que triste inserção na história do feminismo pátrio.

A história principalmente atinge a própria Miriam que hoje ( 22/02) já declarou a coluna de Ricardo Noblat no Globo, “não quero que meu nome fique numa rede social como rameira”. Noblat escreve, “compreensível, as redes sociais que afagam são as mesmas que apedrejam”. Um dia depois da matéria da Folha( 20/02), Noblat já tinha escrito “O Que Sei ( Ou Acho Que Sei) Sobre o caso FHC- Miriam Dutra”. Disse que qualquer jornalista político já ouviu mil histórias sobre o suposto filho do ex- presidente, que a própria Miriam segredava que o filho era de um biólogo, que a imprensa sempre evitou falar mal da vida privada de homens políticos – exatamente como fez a França sobre a filha de François Mitterand durante os 14 anos em que ele presidiu a França. Disse que Miriam foi para Lisboa porque quis e não falava inglês para ficar em Londres, escolheu se exilar, e não voltou porque não quis. E quanto ao dinheiro que FHC remetia para a namorada entre 2002 e 2006, agora virão as explicações. Mas Noblat já declarou que não interessa ao PT acalentar a história para não respingar no PT as transações da Brasif com o grupo suíço, para quem foi vendida.

Poder e sexo se amalgamam em políticos e jornalistas, seja em Washington, Londres, Brasília, Pequim, Moscou… . E quando a profissão se confunde com sedução os dois vão pro brejo. Ou vira folhetim. A TV Globo gastou preciosos minutos explicando o caso Miriam Dutra, as rádios relataram a história em vários boletins, a revista Brazil com Z não se conteve e perguntou logo no início da entrevista com Miriam “por que você decidiu falar só agora?”. O programa Manhattan Conexion (Globo News) questionou a importância que as acusações teriam no quadro político atual, E as explicações se embolam. Mas Miriam, tal qual Medéia, se expõe e sacrifica o filho, como a outra Miriam fez com Lurian. Só vingança. Ou teria algo mais?

Em 1958 Juscelino Kubitschek comemorava o aniversário de 56 anos em um jantar em Copacabana quando viu Maria Lucia, de 23 anos. Mulher do deputado José Pedroso do PSD, líder partido do governo, JK dançou com ela a noite toda e passou os próximos 18 anos discretamente com ela, até morrer num acidente de carro em 1976 – só não se casaram porque Maria Lucia não quis. Super discreto foi o ex- presidente Getúlio Vargas (1930-1945) ao manter por dez anos um romance com a dançarina de Teatro de Revista, Virgínia Lane. A ela Getúlio deu o título Vedete do Brasil, Virgínia, numa entrevista, o chamou de “barriguinho, baixinho, mas isso não tinha problema…. Gostei dele desinteressadamente”. Como se fosse possível.

O poder como afrodisíaco

Doutor Ulysses Guimarães (1916-92) costumava dizer que o poder é afrodisíaco e os nossos políticos abusavam do machismo sempre que galgavam o alto da fama. Coronel Heráclito, líder político de Limoeiro em Pernambuco, morto em 1974 aos 54 anos, já propagava que “mulher é feito espingarda, só presta se for guardada”.

João Baptista Figueiredo (1978) preferia o cheiro de cavalos ao cheiro do povo. O deputado federal e ex- governador de São Paulo, Paulo Maluf, achava natural, “um camarada que estuprou uma moça e matou, fazer o quê? Tá bom, tá com vontade estupra, mas não mata”. O senador e ex-presidente Fernando Collor se gabava em 1991, “meu pai já me dizia, desde quando eu era pequeno, que eu havia nascido com aquilo roxo”.

É preciso reconhecer, nada disso tem a ver com o perfil público, pessoal, profissional do sociólogo Fernando Henrique Cardoso.

Madame Pompadour

Madame Pompadour

Claude Lévy-Strauss apelidou o nosso lado do planeta de Tristes Trópicos. Afinal não somos tão tristes assim. Nem somos os únicos. De qualquer forma era mais fácil aceitar a vingança feminina quando a única forma de ascensão social da mulher era seduzir um político, um homem destacado na sociedade pelo poder do dinheiro, da cultura.

Os historiadores remontam a Agar, escrava egípcia que se tornou mãe de Ismael, primogênito do patriarca Abrãao, como conta o Velho Testamento. Chegam a Aspásia , citada por Platão e Sócrates, envolvida amorosamente com Péricles, o grande estadista ateniense do século V AC. Passam pela amante do rei Carlos II na Inglaterra do XVII, a primeira atriz do teatro inglês Nell Gwynne cujos descendentes hoje somam 26 duques ingleses. Citam Madame Pompadour (Jeanne-Antoinette Poisson) a linda, rica e poderosa concubina de Luis XV, que até morrer em 1764 manteve para ela um apartamento no Palácio de Versailles. Vêm bater em Camilla Parker–Bowles, mais velha e infinitamente mais feia do que Lady Di, de quem tomou o marido ,Lady Dy Príncipe Charles, Diana declarou numa entrevista “ nosso casamento é pequeno demais para três”. E acabam no famoso maio de 1962 em Nova York quando a rainha da sensualidade, Marilyn Monre, num justíssimo vestido, cantou Happy Birthday to You para o aniversariante que namorava há um ano, o charmoso presidente John Fitzgerald Kennedy, casado com Jackie.

Mia Farrow

Miaq Farrow, Woody Allen e Soon-Yi

Nenhuma dessas mulheres usou a receita de vingança de Lupicínio, a não ser Mia Farrow que acusou Woody Allen em 1989 de molestar o próprio filho quando descobriu que o marido tinha um caso com filha adotiva Soon-Yi, com quem o cineasta vive até hoje. Ou Zélia Cardoso de Melo que viveu um romance escandaloso com Bernardo Cabral em Brasília em 1990, tornado público depois de dançar agarradinho com ele o bolero Besame Mucho …mas, ao ser abandonada pelo ministro em um hotel em Paris, ditou para Fernando Sabino o livro “Zélia”, soltando sapos e lagartos no amante, que era casado. Pior foi Monica Lewinsky, que guardou o vestido, prova do sexo oral praticado com o então presidente Bill Clinton na Casa Branca em 1998. Monica não ganhou nada além da fama, se é que era isso o que ela buscava. Ou Maria Christina Mendes Caldeira que exigiu R$ 900 mil do ex-namorado e líder do Partido Liberal, Valdemar da Costa Neto, acusando-o indiretamente de ter um caso com o assessor quando ele a deixou e decretou seu despejo da casa onde moravam em Brasilia em 2004. A jornalista Nora Ephron, então casada com o também jornalista Carl Bernstein (Caso Watergate) vingou-se das traições do marido publicando “O Amor é Fogo” que saíu no Brasil (Rocco, 2009) e virou filme “A Difícil Arte de Amar”, com Merryl Streep e Jack Nicholson.

O que isso tudo tem a ver com as Mirians Dutra ou Cordeiro, ou com Mme. Pompadour, Camilla Parker-Bowles, Virgina Lane? Nada. Só a constatação de que, seja lá qual for o desfecho, são mais perdas para a condição feminina e sobretudo para as jornalistas da área política. E muitos, muitos pontos ganhos para a pobre literatura de folhetim.