Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Para chefe da AP, jornalismo está sob ‘ataque’

A imprensa e suas fontes de informação devem adotar medidas para se proteger da crescente vigilância de governos, que dispõem de tecnologia cada vez mais avançada de monitoramento das comunicações de seus cidadãos, afirmou ontem o presidente da Associated Press, Gary Pruitt, em discurso na 69.ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), em Denver, nos Estados Unidos.

Pruitt não revelou as ações que sua própria organização está implementando, mas mencionou o uso de criptografia e a retomada da velha prática de repórteres e fontes se encontrarem pessoalmente, evitando telefonemas e e-mails, que deixam registros eletrônicos. “Nós estamos olhando para isso seriamente”, observou.

Além de tentar se proteger contra a intromissão oficial, os meios de comunicação devem manter a vigilância contra excessos governamentais, muitos dos quais cometidos sob o pretexto de proteção da segurança nacional. “Nós não podemos baixar a guarda”, declarou Pruitt aos membros da entidade.

Em sua opinião, o “ataque ao jornalismo” não terminará tão cedo. “Na verdade, torna-se ainda mais difícil combatê-lo quando a tecnologia dá aos governos ferramentas cada vez mais poderosas para acompanhar as ações e as comunicações de seus cidadãos”, ponderou, em discurso que tratou de liberdade de imprensa e segurança nacional.

Monitorada

A Associated Press (AP) se viu neste ano no centro de um caso explosivo, no qual os dois princípios se chocaram. Em maio, a agência foi comunicada pelo Departamento de Justiça americano de que 21 de suas linhas telefônicas haviam sido monitoradas durante 40 dias do ano anterior.

A ofensiva fazia parte de uma investigação cujo objetivo era identificar a fonte de reportagem da AP de maio de 2012 sobre um plano terrorista fracassado da Al-Qaeda no Iêmen, que tinha por objetivo explodir um avião com destino aos EUA.

“Essa intromissão sem precedentes nos registros de coleta de informações jornalísticas da AP por funcionários do governo era tão amplo, tinha um alcance tão grande e foi tão secreta que violou a zona de proteção da nossa Primeira Emenda”, lembrou Pruit, em referência ao princípio constitucional que garante a liberdade de imprensa.

A reação às ações do Departamento de Justiça forçou o governo a atualizar as regras que dão garantias à imprensa em investigações oficiais, reafirmando a exigência de notificação prévia sobre requisição de registros de comunicação, que passaram a incluir e-mails e mensagens de texto.

A repercussão, segundo ele, também foi além das fronteiras americanas. “As ações do Departamento de Justiça não poderiam ter sido mais apropriadas para confortar os regimes autoritários que desejam suprimir seus próprios meios de comunicação”, avaliou Pruitt, lembrando que a liberdade de imprensa nos Estados Unidos é um modelo e uma aspiração de muitos países ao redor do mundo.

Para Pruitt, o próprio tema de seu discurso reflete um falso dilema. “Os governos que tentam criar uma situação em que os cidadãos pensam que devem escolher entre uma imprensa livre e a segurança estão cometendo um erro que acabará por enfraquecê-los, e não fortalecê-los.”

NSA

A Assembleia Geral da SIP prossegue hoje com destaque para o painel da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação. A entidade debaterá técnicas de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês), e o caso do ex-agente Edward Snowden, exilado na Rússia após denunciar esquemas de controle de mensagens eletrônicas e contatos telefônicos de cidadãos, empresas e autoridades em diversos países, inclusive no Brasil – o que levou a presidente Dilma Rousseff a cancelar uma visita de Estado aos EUA.

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SIP destaca violência contra jornalistas

Cláudia Trevisan # reproduzido do Estado de S.Paulo, 21/10/2013

O continente americano encerrou o semestre de maior violência contra jornalistas em dez anos e viu as ameaças à liberdade de imprensa atingirem um novo patamar, com a intimidação de fontes e repórteres nos Estados Unidos e o uso de mecanismos de coerção econômica contra meios de comunicação em países como Argentina e a Venezuela.

Entre março e setembro, 14 jornalistas foram assassinados na América Latina, um recorde para a última década, segundo dados divulgados ontem pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que realiza sua 69.ª Assembleia Geral em Denver, nos Estados Unidos. Dois deles foram mortos no Brasil.

“Todos os casos permanecem impunes”, disse ao Estado o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da entidade, Claudio Paolillo. Segundo ele, o assassinato de jornalistas tem impacto intimidador sobre a imprensa e aumenta a possibilidade de que repórteres passem a praticar a autocensura para se preservar.

Ao lado da violência, aprofundou-se o ataque à imprensa em outros países da região. Inúmeros jornais da Venezuela deixaram de circular pela impossibilidade de importar papel jornal – insumo que não é negado às publicações controladas pelo governo. Na Argentina, os meios de comunicação independentes estão sendo estrangulados economicamente pela decisão do governo de proibir anúncios de redes de supermercados e de eletrodomésticos.

Imposto há oito meses, o “boicote publicitário” levou a uma queda de receita de 20% dos veículos independentes, o que pode representar US$ 60 milhões anuais, de acordo com relatório sobre a Argentina apresentado ontem.

A restrição da publicidade privada foi acompanhada da expansão dos anúncios oficiais, canalizados para os veículos alinhados com o governo. “Além dos meios diretos de cerceamento, alguns governos estão usando meios econômicos que secam fontes de receita dos meios de comunicação, observou Alexandre Jobim, presidente da Associação Interamericana de Radiodifusão.

Ofensivas para suprimir a imprensa independente também estão sendo promovidas na Bolívia, na Nicarágua e no Panamá. No Equador, entrou em vigor há quatro meses a Lei Orgânica de Comunicação, que estabelece amplo controle estatal sobre a atuação da imprensa e permite a interferência governamental no conteúdo jornalístico.

“Nenhum país da região está vacinado contra a essa doença”, ressaltou Paolillo, em referência às tentativas de cercear a atuação da imprensa sob o slogan da “democratização”.

Em sua opinião, a situação ficou mais sombria depois da revelação de que os Estados Unidos mantêm um extenso sistema de monitoramento das comunicações de seus cidadãos, o que compromete o sigilo da relação dos jornalistas com suas fontes.

Além de ameaçar a liberdade de imprensa no país, a prática de espionagem debilita a imagem internacional dos Estados Unidos como uma referência nessa área. “Governos na Argentina, no Equador, na Venezuela vão poder dizer: ‘se o governo americano está espionando seus jornalistas, por que nós não podemos fazer o mesmo?’”, lamentou Paolillo.

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Cláudia Trevisan, enviada especial do Estado de S.Paulo a Denver