Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Ontem, hoje e amanhã

Comecei a trabalhar na Folha de S.Paulo no início de 1985, primórdios do Projeto Folha. Entre outras coisas, a direção do jornal promovia uma renovação da Redação, trocando os “velhos lobos da imprensa” pelos “menudos”. Eu, claro, integrava a leva dos alegres meninos que dividia mesas, cadeiras e computadores com jornalistas que estavam perto de se aposentar. Era uma convivência difícil para ambas as partes – de um lado, a experiência desprezada; de outro, a inexperiência amedrontada. Não era raro sermos chamados de imbecis (eu fui) e de ignorantes. Talvez fôssemos mesmo, mas era duro ser tratado assim.

Hoje, jornalistas da minha geração e até de gerações mais jovens se queixam de não terem mais lugar nas redações. As empresas jornalísticas demitem as chefias, editores e repórteres experientes, de salários maiores, para contratar jovens jornalistas, mais baratos e com muita lenha para queimar. Mas esse é ou não é o mesmo filme de 1985? Somente os papéis é que se inverteram. E para nós, “os experientes” da hora, restou migrar para outras áreas da comunicação, como as assessorias de imprensa.

A inexperiência afeta a qualidade do jornalismo, certamente, mas não diminui o seu vigor. Hoje, a produção de notícias massificada, globalizada e em tempo real precisa de mais energia do que cérebro, de mais agilidade do que reflexão. Por isso, às vezes é tão difícil para o experiente-assessor-ex-jornalista lidar com jovens-repórteres-da-era-da- internet tão rasos, tão superficiais e tão desatentos.

Isso é uma generalização, é claro. Mas não foi apenas um dirigente de redações online que me disse que a geração de jornalistas formada exclusivamente na internet – ou seja, sem passagem pelas redações tradicionais – é assim: com pouco estofo cultural, com poucos interesses em temas de base, praticamente focados num modo de produção digital e o que consomem de informação (não somente notícias) vem da internet.

Sem lugar

Ao ver a agenda de atividades que a OrbitaLab, empresa formada por jornalistas, está promovendo na Campus Party, quase tive um troço. Os temas das palestras e os currículos dos palestrantes mostram que o jornalismo está mudando (ou tomando um rumo diferente) muito mais do que supõe a nossa ridícula filosofia. São coisas como Data Mining, Dataviz, Jornoempreendedores, e currículos de jornalistas que reúnem competências e atribuições como Ciberjornalismo, Product Owner (P.O.), UX (User Experience) e Design Thinking.

Caro colega meu contemporâneo: você entende alguma coisa desses termos, o que são, de onde vêm e para onde vão? Eu, mais ou menos, muito mais ou menos, e por isso nem me arrisco a traduzir. Só imagino que sejam abordagens necessárias nesses novos tempos do jornalismo, em que os veículos de imprensa já não servem mais para embrulhar peixe na feira, entre outras utilidades.

E, assim, talvez aquelas qualidades que tanto valorizávamos e valorizamos (nós, os “experientes”) num jornalista já não sejam tão importantes no fazer jornalístico de hoje. Talvez o “nosso” jornalismo fosse mais diletante e a apuração e o rigor jornalístico eram premissas irrevogáveis. O de hoje, contudo, se não valoriza tanto o conteúdo, tenta chegar ao leitor/usuário mais rápido, mais fácil – tanto na entrega quanto no entendimento.

Dizem que o jornalismo piorou, mas dizer isso não é nenhuma novidade. Penso que ainda não dá para julgar o resultado de um processo em pleno curso – uma incursão que talvez nunca termine. Pode não ser melhor nem pior. Pode ser apenas diferente, feito por jornalistas diferentes para leitores diferentes.

Então, realmente, não deve haver mais lugar para “os experientes” nas atuais redações. E não somente porque a experiência se paga com salários mais altos, mas talvez porque aquilo que entendemos que é importante NO jornalismo não seja mais tão importante PARA O jornalismo de hoje e do futuro.

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Sandra Muraki é jornalista