Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A discussão que faltou

O programa Entre Aspas, conduzido pela jornalista Mônica Waldvogel e apresentado pela Globonews, discutiu na edição de terça-feira (21/9) a liberdade de imprensa e a exacerbação dos conflitos entre o governo e a mídia. Para debater o assunto, foram convidados os jornalistas Eugênio Bucci, professor da ECA-USP e colunista deste Observatório e Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da Transparência Brasil.


Os diagnósticos apresentados pelos dois coincidiram na constatação de que é precário o fluxo da informação no Brasil; que a imprensa regional está sob controle das oligarquias e os veículos de comunicação fora dos grandes centros são perigosamente dependentes de verbas públicas; e que a radicalização do confronto mídia versus governo, afora não contribuir para o aperfeiçoamento da democracia, acaba servindo para plantar sementes de intolerância cujos frutos podem ser demasiado amargos.


Falou-se muito da imprensa, mas nem de leve se tocou nos mecanismos que permitem a propriedade cruzada dos meios de comunicação e, nesse contexto, no papel desempenhado pela mídia hegemônica, a televisão. Talvez pelo fato de o debate ter-se dado numa emissora de TV… que, lembre-se, opera sob concessão pública e, por isso, deve estar sujeita a algum tipo de regulação – democrática, de preferência. De todo modo, mesmo na curta duração (meia hora) do Entre Aspas foi possível assistir a uma conversa muito proveitosa, como se poderá ver a seguir. (Depois da janela do vídeo, um comentário do jornalista Luis Nassif sobre o programa, reproduzido do seu blog.) 


 






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As discussões sobre a mídia


Luis Nassif # reproduzido do blog do autor, 22/9/2010


Dois especialistas respeitados, Cláudio Weber Abramo e Eugênio Bucci, discorrendo sobre os conflitos Lula x mídia; e Mônica Waldvogel tentando arrancar ameaças à liberdade de imprensa.


Em nenhum momento abordam a essência da velha mídia, a falta de um ambiente competitivo, as distorções na Justiça impedindo o direito de resposta.


Abramo insiste na tese de que parte relevante das denúncias contra a Casa Civil foi confirmada.


As denúncias comprovadas: jogo de lobby do filhos de Erenice Guerra e de seus companheiros prometendo facilidades.


As denúncias não comprovadas. Só essas:


1. O lobista que disse que entrou no apartamento de Erenice sem caneta, ou qualquer objeto que pudesse ter gravador, e negociou pagamento de R$ 4,5 milhões.


2. A informação de que Erenice teria dito que o dinheiro ia para ‘a chefe’.


3. A informação de que o BNDES vetou um financiamento de R$ 9,2 bilhões a um escroque (que sequer tinha um contrato assinado com a empresa fabricante) por não ter pago uma propina à Casa Civil.


4. O besteirol sobre a propina do Tamiflu.


5. A não comprovação de que tenha ocorrido qualquer uma das facilidades oferecidas.


Bucci tem visão mais sistêmica. Entende a imprensa como algo que vai além dos veículos. Seu problema é analisar um modelo ideal que não existe na prática. Dizer que o Judiciário é ameaça à imprensa é ignorar que não existe defesa hoje em dia para vítimas da imprensa, especialmente contra os grandes grupos, que não existe o direito de resposta. Ao afirmar que há diversidade nos veículos simplesmente passa por cima da estrutura de formação da opinião midiática: o sistema dos grandes jornalões de São Paulo e Rio, mais Abril e principalmente a Globo.


Os dois entrevistados dividem a mídia em dois grupos: o jornalismo empresarial, livre, não partidário; e a imprensa do interior, manipulada. Bucci é mais ponderado, inclusive reconhecendo abusos da mídia e admitindo que nunca o país atravessou uma fase de liberdade de imprensa como a atual.


Mônica Wandovgel insiste em teorias conspiratórias, diz que paira a ameaça sobre a ‘lei dos meios’. Prova disso: emails que recebe de leitores irados. Ponderado, Bucci considera que Brasil não é Venezuela. Mas Abramo diz que tudo se pode esperar já que ele próprio divide o mundo entre a virtude (a imprensa empresarial) e o banditismo (o sistema político).


Abramo considera que a única forma válida de jornalismo é o da redação convencional. E a imprensa só melhorará se houver desenvolvimento econômico porque com mais desenvolvimento haverá mais demanda por informação. Ou seja, os defeitos da imprensa – se existirem – se devem à falta de desenvolvimento. O pai Cláudio Abramo certamente seria um pouco mais sofisticado em suas análises.


Bucci entende que a maneira de melhorar a imprensa é aumentar a liberdade de imprensa: uma maneira sutil de dizer que é necessário mais competição na mídia. Dentro das limitações de, hoje em dia, fazer a crítica à mídia respeitando limites estreitos – para não ser banido do espaço conquistado – Bucci se comporta com isenção.