Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Folha de S. Paulo

GLOBO SOB SUSPEITA
Elvira Lobato

Sorteio da Globo na Copa é investigado

‘Os sorteios de prêmios feitos pela Rede Globo desde o início da Copa do Mundo estão sob investigação do Ministério Público Federal de São Paulo. Autorizada pela Caixa Econômica Federal a fazer distribuição gratuita de prêmios, a emissora reiniciou a jogatina na TV, que tinha sido proibida pela Justiça no final dos anos 90.

A rede já faturou R$ 60 milhões com a promoção ‘Seleção do Faustão’ e espera chegar a R$ 100 milhões, até o final da Copa. A participação nos sorteios é feita com o envio de torpedo do telefone celular para um número indicado pela emissora, ao custo de R$ 4, mais impostos, que variam de um Estado para outro. No Rio, o custo final é de R$ 5,35.

A legislação não permite a venda de bilhetes para sorteios privados. Pela Constituição, só a União pode explorar jogos. O regulamento da promoção, disponível no site da Globo, diz que ela é permitida pelo decreto 70.951/72, que regula as premiações gratuitas, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a título de propaganda.

A Globo diz que a promoção visa explorar a convergência de mídias (leia à pág. B3).

Em 2003, a Globo fez promoção parecida, a ‘Jogada da Sorte’, aproveitando a mesma brecha legal. O advogado Luiz Nogueira entrou com reclamação no Ministério Público Federal, sob o argumento de que os sorteios não eram gratuitos e se enquadravam na definição de loterias da lei das contravenções penais. Ele representou novamente contra a Globo.

A 3ª Câmara de Coordenação e Revisão (Consumidor, Ordem Econômica e Economia Popular) da Procuradoria Geral da República, em maio de 2004, concluiu que a ‘Jogada da Sorte’ não era premiação gratuita, pois dependia da compra de calendário de futebol, e que a Caixa Econômica Federal não poderia ter autorizado os sorteios.

Segundo Nogueira, o MPF deveria ter entrado com uma ação na Justiça, mas não o fez.

A premiação que está em curso é uma repetição da anterior, do ponto de vista legal, mas com possibilidade de captação de recursos muito maior. Enquanto a primeira dependia da venda dos calendários em bancas de jornais e casas lotéricas, os torpedos podem ser enviados a qualquer hora, de qualquer ponto do território, bastando usar o celular. Há, no Brasil, 92 milhões de celulares.

Oficialmente, os prêmios são brindes para promover a venda de boletins informativos sobre a Copa do Mundo. A cada torpedo enviado, o participante recebe dez mensagens curtas, em seu celular, e passa a concorrer aos sorteios. O conteúdo banal das mensagens reforça a idéia de que os boletins são apenas ingresso para o jogo.

A reportagem enviou um torpedo na quinta. O primeiro boletim informava que o número de gols em Copas somava 1.977 e que o gol 2.000 seria atingido ainda na primeira fase do campeonato. A marca já tinha sido registrada havia dois dias pelo atacante sueco Allback.

A CEF chegou a reclamar com a Globo de que os anúncios de divulgação da promoção não destacavam os boletins, mas apenas os sorteios.

Só pelos prêmios

Premiados confirmam que enviaram os torpedos em razão dos sorteios. ‘Paguei uma taxa para concorrer a um prêmio, como se tivesse comprado um bilhete’, diz Kátia de Oliveira Gurgel, 33, de Itabirito (MG), que ganhou um computador.

O artigo 11 do decreto que autoriza sorteios gratuitos diz que não serão aprovados planos que permitam ao interessado ‘transformar a autorização em processo de exploração de sorteios, concursos ou vale-brindes, como fonte de receita’.

A própria Globo, em coluna publicada em maio por Daniel Castro, na Folha, informou que esperava receber 40 milhões de ligações, o que lhe daria uma receita bruta de R$ 160 milhões. A meta foi revista para baixo, segundo os números fornecidos ontem pela Globosat.

Segundo o presidente do Sindicato das Casas Lotéricas de São Paulo, Luiz Carlos Peralta, o faturamento mensal com a venda dos jogos federais no Estado é de R$ 150 milhões. No regulamento da promoção, consta que serão distribuídos R$ 12 milhões em prêmios.

Reincidência

Há dez anos, as redes tentam elevar as receitas com sorteios. A primeira investida começou no final de 1996, quando o Ministério da Justiça autorizou a realização de sorteios por entidades filantrópicas, com divulgação pela TV e captação de apostas por telefonemas.

As grandes redes de TV aderiram aos sorteios, na ocasião, utilizando o prefixo 0900.

Em 98, a Justiça Federal de São Paulo proibiu os telessorteios associados a ligações telefônicas e bloqueou a receita que as emissoras de TV tinham auferido com os jogos.

Além da brecha legal dos sorteios promocionais, há os lastreados em títulos de capitalização, autorizados pela Susep (Superintendência de Seguros Privados). A Tele-Sena, do grupo Silvio Santos, é um exemplo.’



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Globo diz que visa explorar novo mercado para celular

‘A Globosat, empresa das Organizações Globo responsável pela ‘Seleção do Faustão’, declarou em nota que sua intenção ao lançar a série de prêmios é criar um mercado para a difusão de conteúdos informativos pela telefonia celular.

Segundo a nota, a Globosat e a Editora Globo desenvolveram um ‘produto jornalístico’ para utilização em telefonia móvel: o boletim de notícias, produzido pelo SporTV, a respeito de fatos e curiosidades relativos às Copas do Mundo.

Para comercializar o produto, diz que foram contratadas empresas de telefonia celular em todo o território nacional.

‘O que o usuário paga com os R$ 4,00 é apenas o recebimento do boletim semanal, não a ligação telefônica’, afirmou a empresa.

Uma ligação por semana

Afirmou que, por iniciativa dos organizadores, os usuários só podem fazer uma ligação por semana.

A empresa afirma que os sorteios de prêmios (no total de R$ 12 milhões) são uma forma de promover a venda dos boletins e que são auditados pela Mattar & Associados e pela Caixa Econômica Federal.

A Globosat diz que seu objetivo foi também experimentar a convergência com as novas mídias e, por meio da interatividade, ‘criar um envolvimento maior com o tema Copa do Mundo’.

Ela informou que, até sexta-feira, havia recebido 15 milhões de ligações e que prevê atingir entre 20 milhões e 25 milhões de ligações até o final da Copa. ‘Não há meta definida, pois é a primeira vez que realizamos uma promoção nesse formato’, disse a empresa.

Sem lucro

A Globosat disse que contratou a TV Globo para produzir os vídeos e veicular as propagandas. Afirmou que a receita apurada com a venda dos boletins é gasta com a produção de filmes, compra de prêmios e de mídia (no caso, a própria TV Globo). ‘Provavelmente, não haverá lucro’, afirmou a companhia.

Segundo a Globosat, como os boletins chegam aos usuários pelo telefone celular, um dos objetivos da promoção é criar um mercado para esse tipo de produto.

A empresa argumenta que está ‘ensinando e difundindo o uso da mensagem de texto como forma de aquisição de produtos através de aparelhos celulares’.

Por fim, diz que a decisão de compra é do consumidor.’



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Caixa afirma que rede utiliza brecha legal

‘O superintendente Nacional de Loterias e Jogos da Caixa Econômica Federal, Paulo Campos, disse à Folha que a Rede Globo usa uma brecha legal para fazer os sorteios de prêmios, mas deixou claro seu desagrado pessoal com a existência dessa brecha.

‘A Caixa autorizou porque há respaldo legal, e não adianta eu discordar. Tem muita coisa que eu acho absurdo, mas que está dentro da legalidade’, afirmou o executivo, ao ser questionado pela reportagem sobre as evidências de que a venda de boletins seria apenas fachada para a venda de sorteios.

Segundo o superintendente, a Globo pediu à CEF autorização para fazer concurso promocional de boletim informativo sobre a Copa do Mundo e o pedido se enquadra na lei 5.768/71, que autoriza a distribuição gratuita de prêmios, a título de propaganda. Ele disse que, se outras redes apresentarem pedidos semelhantes, também será dada autorização.

Afirmou que a Caixa não entra no mérito se os boletins informativos trazem informações relevantes ou não ou se o conteúdo do produto justifica o preço, mas afirmou que a CEF exigiu que a Globo deixasse claro para o público que o que está sendo vendido é o boletim.

O superintendente disse que continua lutando contra a realização de jogos por outra entidade que não seja a própria Caixa. Diz que há 17 ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra as loterias estaduais.

Campos disse que a Caixa é contra os sorteios de prêmios lastreados em títulos de capitalização, porque considera que são um artifício para a comercialização de jogo. No entanto, disse, essa tem sido uma brecha legal aproveitada por emissoras. Citou como exemplo a Tele-Sena, do grupo Silvio Santos, e a promoção ‘Ligue Gol’, que envolverá a Record e a seguradora Sul América.

‘Eu não concordo com nada disso, mas entre eu discordar e poder reprovar há uma grande distância. Se a sociedade discorda, precisa mudar a legislação.’ Indagado se os sorteios da Globo não estariam ferindo o artigo que proíbe que as premiações sejam usadas como fonte de receita pelos organizadores, na medida em que a emissora divulgou previsão de receita de R$ 160 milhões, Campos disse que, oficialmente, a receita virá da venda.

‘Não vi os números, mas vamos admitir que sejam verdadeiros. A receita se refere à venda dos boletins. Não há proibição nem limitação para a venda dos boletins.’’



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Para lotéricas, sorteio é jogo camuflado

‘O presidente do Sindicato das Casas Lotéricas do Estado de São Paulo, Luiz Carlos Peralta, criticou a direção da Caixa Econômica Federal por ter autorizado a série de premiações da Globo. Para ele, os prêmios são uma loteria disfarçada, que concorre com os jogos federais administrados pela própria Caixa.

‘A autorização parte do pressuposto absurdo de que se trata de um concurso para testar o nível de conhecimento das pessoas, com uma pergunta só, em que o próprio apresentador indica a resposta. Como todos acertam, logicamente tem que fazer um sorteio para desempatar. É uma forma de camuflar o jogo’, diz Peralta.

As casas lotéricas temem que a iniciativa da Globo seja acompanhada pelas demais emissoras e que se repita a febre dos telessorteios havida entre 1996 e 1998.

O receio tem fundamento. Executivos de outras redes ouvidos pela reportagem disseram que a Globo homologou a volta dos sorteios pelo telefone e que o governo federal não poderá vetar pedidos que vierem a ser feitos por concorrentes.’



CASO VARIG
Luís Nassif

A Varig e a herança brasiliana

‘CERTA VEZ , em um debate, um notável palestrante criticava nossas raízes lusitanas, quando um dos membros da platéia, executivo português, pediu a palavra: ‘Gostaria de informar o ilustre palestrante que vós conquistastes a Independência em 1822. De lá para cá, a responsabilidade é toda vossa’.

Pois, pois, não há nada de mais anacrônico do que a herança burocrática brasiliana, muitas vezes travestida de falsa modernidade. Um dos clichês mais usados, nessa agonia da Varig, é que o governo não deve colocar dinheiro em empresa privada quebrada. Não se pensa na lógica econômica da operação, apenas no clichê, na visão católica do devedor, de que empresas em dificuldades são como pecadores impenitentes, que não merecem ser salvos.

Após o 11 de Setembro, as quatro maiores empresas aéreas americanas estiveram a pique de quebrar. A decisão foi rápida e cirúrgica. O Tesouro deu avais de US$ 2 bilhões, rapidamente aprovados pelo Congresso. Executivo e Legislativo correram o risco, porque estava em jogo o interesse nacional.

Na década de 80, impediu-se a quebra da Chrysler, terceira fabricante de veículos dos EUA. O Tesouro aprovou aval de US$ 7 bilhões, sem nenhuma contra-garantia. A Chrysler foi salva e dois anos e meio depois o aval ficou desnecessário.

Criar uma nova empresa área de grande porte leva tempo e investimento. Se tiver linhas internacionais, haverá necessidade de acordos com outros países, a montagem de uma infra-estrutura cara e complexa -que a Varig já tem e que virará fumaça com seu desaparecimento.

Além disso, vai se reduzir o mercado brasileiro a duas grandes companhias, com todos os malefícios advindos de uma estrutura oligopolizada. Há pouco tempo, em nome da competição, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) atropelou a lógica econômica, impedindo TAM e Varig de operarem no sistema de ‘code-sharing’, um compartilhamento de custos com lógica econômica. Agora, vão permitir duas empresas controlando efetivamente o mercado.

Nos últimos anos, desde que teve início a desregulamentação do mercado aéreo brasileiro, o país não dispôs de uma política para o setor. O governo deveria estatizar temporariamente a Varig, com data para reestruturar e vender. Nenhum governo americano ou europeu deixou que fechasse sua principal companhia aérea. A Air France, a Alitalia, todas estiveram à beira da falência e foram recuperadas, porque sua recuperação estava dentro da lógica do interesse nacional.

Por aqui, a solução do caso Varig foi uma imensa perda de tempo, que começou no governo FHC e terminou no governo Lula. Ninguém quer colocar o guizo no pescoço do gato, com medo de alguma autuação do Tribunal de Contas, alguma ação do Ministério Público.

Em vez de discutir a lógica econômica do não-fechamento, ficou-se no clichê, nessa bobagem de que o governo não pode injetar dinheiro em uma empresa privada, como se fosse atitude de país moderno queimar ativos valiosos, unicamente em nome de uma posição ideológica pretensamente moderna -mas tão atrasada quanto a Inquisição. Blog: www.luisnassif.com.br’



COPA 2006

Daniel Castro, Ivan Finotti, Marcos Augusto Gonçalves, Sylvia Colombo e Thiago Ney

Piores momentos da Copa na TV

‘Há duas semanas o Brasil vibra, diverte-se e irrita-se com a Copa do Mundo por meio do veículo mais popular entre nós, a televisão. Com a responsabilidade de comandar a pulsação dos brasileiros-torcedores, a Globo, única emissora aberta a exibir o torneio, não consegue evitar a pieguice desenfreada e, muitas vezes, o humor involuntário, em suas reportagens e transmissões da Alemanha. Na tentativa de sair do convencional, vale desde inventar pautas ‘engraçadinhas’, piadas e trocadilhos infames a ensaiar passos na literatura.

Enquanto isso, as emissoras sem-Copa se dividem entre as que fingem que a festa não existe e as que tentam parecer ‘íntimas’ do evento, mesmo sem imagem exclusiva para mostrar.

Encerrada a primeira fase, escolhemos alguns dos piores momentos da Copa na TV.

1 NASCE UM POETA

Talvez cansado do show de realidade que comanda na Globo, Pedro Bial preferiu nesta Copa subir aos céus do lirismo. Suas crônicas estilosas, que mimetizam a ‘poética’ do veterano Armando Nogueira, enchem de imagens constrangedoras os lares brasileiros. E vão influenciando seus colegas de cobertura -Cesar Tralli já desponta como promissor discípulo.

Após a vitória do Brasil sobre a Croácia, o bardo global assim cantou o gol de Kaká (para melhor apreciar, leia pausadamente, no ritmo da Globo): ‘Kaká parte para o chute e espia. O olhar do craque dura dois décimos de segundo e enxerga o que a gente não vê. Depois é só colocar, esperar o goleiro se esticar todinho, apreciar a rede estufar, gritar, abraçar. Kaká, o cara’.

A estréia brasileira, segundo Bial, anuncia ‘uma Copa sofrida’. ‘Aliás, não seria Copa sofrida uma redundância?’, pergunta, num lampejo metalinguístico. Ao cantar o primeiro gol contra a Austrália, diz que Ronaldo, ‘sem olhar enxerga Adriano’. E conclui: ‘Hora da Austrália conhecer a perna esquerda do imperador’.

Inspirado pela reação dos reservas contra o Japão, Bial soltou a bomba: ‘Juninho rangia os dentes. Bola rolando, o time mordia, transpirava atitude, vontade tamanho GG’.

Mas nada ainda superou a citação shakespeariana para lançar indagações sobre os problemas da seleção: ‘Qual é o algo de pobre no reino do Brasil?’.

2 O ADVOGADO DE RONALDO

Galvão Bueno é um clássico. Copa do Mundo sem ele não é Copa do Mundo. É verdade que comentar suas presepadas verbais já se tornou lugar-comum. Mas chamou a atenção o esforço do narrador da Globo para ‘salvar’ Ronaldo na partida contra a Austrália. Ronaldo não precisa de advogados. A qualidade de seu currículo salta aos olhos -da mesma forma que saltou aos olhos de todos sua péssima forma física e técnica nos dois primeiros jogos da seleção. Mas Galvão fez de tudo para vender a idéia de que o rechonchudo atacante se reconciliara com o bom futebol na partida contra a Austrália. Na realidade, Ronaldo teve um desempenho pífio. Nesse esforço, Galvão preferiu não comentar uma ridícula furada do Fenômeno num lance que poderia ter terminado em gol.

Mas eis que chega o jogo da redenção de Ronaldo, na última quinta, contra o Japão. E Galvão não se contém, após os dois gols do jogador: ‘RRRRRRRRonaldo! Não tem mais ninguém na frente dele’, menção ao fato de o atacante ter se tornado artilheiro em Copas.

3 A BARRIGA DA GLOBO

A Globo enviou 160 profissionais para Alemanha e tem na seleção brasileira quase uma extensão de seu elenco, mas isso não impediu que ela divulgasse, na quinta, uma informação errada. Horas antes de Brasil x Japão, a emissora revelou que Ronaldo ficaria no banco.

Ronaldo não só jogou como fez dois gols no Japão. Não foi a única ‘barriga’ (jargão de jornalistas para informação errada) da Globo. Os telespectadores do ‘Jornal da Globo’ de quarta-feira dormiram sabendo que Juninho Pernambucano não tinha qualquer chance de jogar contra o Japão. Jogou. E marcou um golaço.

4 MACUMBA PRA TURISTA

O Oludum é legal. Mais legal do que o Paul Simon, com quem o grupo baiano gravou um sucesso. Mas a transformação do bloco em mascote sonoro das vitórias brasileiras… vixe Maria! ‘Vamos lá no pelourinho ver o Olodum!’, convoca Galvão Bueno. A câmera é ligada e lá vem aquela carnavalesca macumba para turista (paulista) ver. É o cantinho artificial da alegria ‘autêntica’, o Brasil exótico, o índio de lata de biscoito, o clichê do clichê.

5 AS BOLAS DE NOGUEIRA

Barrado por Pedro Bial na vaga de ‘poeta’, a língua portuguesa não é mais o brinquedo predileto de Armando Nogueira nesta Copa. Em seu ‘Papo na Copa’, no SporTV, o respeitável comentarista usa e abusa de meia-dúzia de pelotas para avaliar jogadores e seleções. Para os melhores, as redondas maiores; para os piores, as menores. E, no final, Nogueira e os dois colegas de programa dão a ‘mensagem final’ -todos segurando a bola maior. Genial.

6 NAMORO NA TV

O casal de apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes -ele no Brasil, ela na Alemanha na cobertura da Copa- aproveita o tempo de noticiário do ‘Jornal Nacional’ para matar as saudades e dar uma namoradinha.

Ao vivo, Bonner recomendou à esposa que usasse casaco e perguntou se ela tinha alguma coisa para dizer ‘às crianças’. A gracinha serviu de ‘gancho’ para falar de vacinação infantil.

7 OS SEM COPA

A TV na Copa sem a Copa, ou seja, a programação dos canais abertos que não se chamam Globo, é triste, tristíssima. Durante a partida entre Brasil e Japão, o que se viu foram duas atitudes diferentes. Cultura, Record e Rede TV! fingem que a Copa não existe. SBT, Gazeta e Bandeirantes tentam parecer envolvidas no evento.

Adriane Galisteu, por exemplo, entrou em campo aos 15 minutos do segundo tempo do jogo com seu programa ‘Charme’. Chegou falando do frio na barriga por causa do gol japonês, anunciando a reprise de uma entrevista com Parreira e turbinando sua atração: ‘O Brasil pára pra assistir esse programa! Sucesso absoluto aqui no SBT’.

Nos intervalos da Galisteu, Ana Paula Padrão anunciava o resultado do jogo. ‘Veja daqui a pouco: Brasil sai do sufoco por um triz.’ E a propaganda da rede: ‘Copa 2006. O SBT mostra tudo o que acontece na Alemanha. As torcidas, as análises, os bastidores’. É, porque jogo mesmo, só na Globo.

8 RECEITA DE PEIXE

As TVs Gazeta e Bandeirantes também se esforçam para parecerem íntimas da Copa na Alemanha. A Gazeta, apesar de ter passado todo o primeiro tempo do jogo Brasil x Japão exibindo um especial da dupla sertaneja Rio Negro e Solimões, colocou um repórter no Anhangabaú para acompanhar o sofrimento dos torcedores.

Já a Bandeirantes correu para entrevistar famosos nos bares. Antes, porém, exibiu receitas de dourado e 45 minutos de conversa com a banda Calypso.

9 PÔNEIS E RELIGIÃO

Cultura, Record e Rede TV!, ao contrário, jogaram a toalha. A primeira exibiu desenhos com camundongos durante o jogo. A segunda colocou no ar o filme ‘Os Amigos de Tyler’, sendo Tyler um pônei falante.

Já a Rede TV!, em seu programa ‘A Tarde É Sua’, revelou os bastidores das festas de aniversários de pimpolhos vips. Depois, chamou o pastor RR Soares e seus ensinamentos religiosos. Um cardápio variado.’



HQ EM DESTAQUE
Lydia Adetunji

Os gibis cult

‘Faz bem mais de uma década que Art Spiegelman ganhou um Prêmio Pulitzer por ‘Maus’ [Companhia das Letras], seu trabalho sobre o Holocausto -o primeiro artista de quadrinhos a ser reconhecido pelo prêmio. O evento marcou a chegada da ‘novela gráfica’ como forma literária reconhecida. Os quadrinhos não precisariam mais lutar para serem levados a sério -pelo menos era o que parecia.

‘Maus’ não foi a primeira novela gráfica, e os quadrinhos adultos, inteligentes e subversivos, têm uma longa história. Mas o Pulitzer inspirou outros e provou que os quadrinhos que atraíam um amplo público leitor não precisavam ser só sobre super-heróis com malhas colantes que livravam o planeta de gênios sinistros. Podiam ser mais ambiciosos e adultos, dignos da atenção da crítica.

As editoras literárias de peso agora estão dando atenção às novelas gráficas, e impressões de especialistas surgem ao lado de grupos independentes influentes, como Fantagraphics e Drawn and Quarterly.

Ainda há muita bobagem por aí -como em qualquer meio-, mas a narrativa gráfica séria atingiu um ponto decisivo. Pela primeira vez, começa a cumprir sua antiga promessa. Essa forma vívida está ampliando seus limites; é tão vigorosa, experimental e arriscada quanto qualquer tipo de literatura.

Hoje, publicam-se quadrinhos em ‘Granta’ e ‘The Guardian’, e augustas publicações americanas como ‘The New York Review of Books’ e ‘The New York Times’ deram sua atenção crítica à forma. ‘The London Review of Books’ foi uma das primeiras publicações a trazer tiras de ‘À Sombra das Torres Ausentes’ [Cia. das Letras], a reação de Spiegelman aos eventos de 11 de setembro de 2001 e sua visão da ‘guerra ao terrorismo’.

Foi um assunto corajoso para Spiegelman, um nativo de Manhattan, abordar numa época em que muitos autores convencionais pareciam paralisados. A obra foi suficientemente provocativa para não conseguir encontrar, de início, um canal de distribuição nos Estados Unidos.

Contra a banalização

A disposição de abordar questões importantes pode ser um dos motivos pelos quais a hostilidade da crítica aos quadrinhos diminuiu. Spiegelman e outros mostraram que um meio popular pode examinar assuntos sérios e fatos reais sem banalizá-los.

‘Novela gráfica’ é uma maneira canhestra e imprecisa de descrever algo que vai das memórias de não-ficção, da biografia (‘Maus’, por exemplo, conta a vida do pai de Spiegelman) e da reportagem visual até extensas narrativas ficcionais. Na década de 1980, as editoras adotaram ‘novela gráfica’ como um termo de marketing adequado, enquanto o foco da indústria de quadrinhos norte-americana, estagnada, voltava-se para o lucrativo mercado adulto.

Assim como a estréia de ‘Maus’ -de menor interesse no campo dos quadrinhos-, a era viu novas abordagens mais obscuras de mitos clássicos de super-heróis destinados a adultos, notadamente o perturbador ‘Batman – O Cavaleiro das Trevas’, de Frank Miller, e ‘Watchmen’ [Via Lettera], do autor britânico Alan Moore.

Parte da nova onda de material voltado para adultos era original e boa, mas grande parte não era. Diversos quadrinhos antes publicados em edições mensais foram reunidos em pacotes e vendidos como novela gráfica, mesmo que formassem um todo incoerente.

Mas, sejam quais forem os méritos do termo -e muitos autores ainda preferem ‘comics’ [quadrinhos]-, as mudanças dos anos 80 permitiram o surgimento de um novo tipo de quadrinhos: mais longos, mais ambiciosos e criados por escritores e artistas que eram tratados como autores.

‘Jimmy Corrigan – The Smartest Kid on Earth’ [Jimmy Corrigan – O Menino Mais Inteligente na Terra], de Chris Ware, ganhou o prêmio Primeiro Livro do jornal britânico ‘The Guardian’ em 2001. No mesmo ano, ‘Ghost World’ [Mundo Fantasma], de Daniel Clowes, foi transformado em filme (‘Mundo Cão’). Todos usam técnicas narrativas e visuais inteligentes para explorar temas antes restritos à novela literária tradicional.

Já Joe Sacco é um jornalista que ganhou aplausos por sua dura reportagem gráfica sobre a Guerra da Bósnia (1992-95) e o conflito palestino. Ele tem um olhar afiado para o tipo de personagem que converge nas zonas de guerra -incluindo ele próprio. Sacco se desenha como uma presença questionadora em seu trabalho, sendo honesto sobre alguns compromissos que os repórteres fazem.

Tradução visual

Levou tempo para que se acumulasse uma massa crítica desses trabalhos. Em uma tentativa de acelerar o processo, Art Spiegelman iniciou o projeto em que o romance curto ‘Cidade de Vidro’ [Via Lettera], de Paul Auster, ganhou uma forma gráfica. Em sua introdução a ‘Cidade de Vidro’, Spiegelman diz que o objetivo não foi criar uma versão ‘clássico ilustrado’ emburrecida, mas uma ‘tradução’ visual digna da atenção de adultos.

O romance de Auster, parte da ‘Trilogia de Nova York’, é uma obra capciosa. Ela conta a história de Daniel Quinn, um escritor cuja rotina é interrompida certa noite por um telefonema de um homem nervoso, perguntando por um detetive particular chamado Paul Auster. O que se segue é em parte uma trama detetivesca à Raymond Chandler [1888-1959], em parte uma reflexão sobre a identidade e a linguagem.

Fingindo ser Auster, Quinn encontra seu interlocutor, Peter Stillman. Esse homem perturbado passou a infância trancado em isolamento por seu pai, um acadêmico desequilibrado, como parte de um experimento para redescobrir a linguagem original da inocência, falada antes da expulsão do homem do Éden, quando ‘uma coisa e seu nome eram intercambiáveis’. Depois de vários anos em uma instituição, o pai teria alta e Quinn concorda em segui-lo por Nova York para proteger o filho.

Os artistas Paul Karasik e David Mazzucchelli traduzem lindamente a imagem ‘noir’ do livro original mas também brincam inventivamente com o meio quadrinhos. O resultado vai além da ilustração literal do texto original de Auster.

Arte seqüencial

Os quadrinhos têm diversas maneiras de mostrar a passagem do tempo. Os painéis regulares e rígidos de ‘Cidade de Vidro’ dão um ritmo constante à história, rompendo-se perto do fim, quando Quinn começa a mergulhar na loucura e perde o rastro dos dias e meses.

É uma experiência muito diferente da leitura do romance e, de certa maneira, mais emocionante; os desenhos ousados em preto-e-branco esclarecem, assim como ilustram, o texto.

A narrativa gráfica é usada de maneira diferente e didática em ‘The Plot – The Secret History of the Protocols of the Elders of Zion’ (A Trama – A História Secreta dos Protocolos dos Sábios de Sião), o último livro escrito por Will Eisner, uma das lendas dos quadrinhos americanos, antes de sua morte, em janeiro de 2005.

Em 1978, Eisner produziu a que é freqüentemente considerada a primeira novela gráfica, ‘Contrato com Deus’ (ed. Brasiliense), mas se tornou famoso por sua tira ‘The Spirit’, na década de 1930.

Eisner foi quem popularizou o termo ‘arte seqüencial’, buscando reconhecimento para a forma em que trabalhava. Em seus livros influentes sobre essa arte, ele salientou o surgimento de narrativas mais longas e complexas e de temas mais sofisticados.

‘A Trama’, concluído pouco antes de sua morte, desvenda as origens duvidosas dos ‘Protocolos dos Sábios de Sião’, uma fraude que ainda circula amplamente e que pretende ser um plano judeu para dominar o mundo. Os ‘Protocolos’ foram plagiados no final do século 19 do ‘Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu’, um panfleto político mais antigo escrito pelo satirista francês Maurice Joly, que não se refere aos judeus.

Eisner traça a história dos ‘Protocolos’ da Rússia sob o reinado de Nicolau 2º, o último czar, até a atualidade. Para Eisner, filho de imigrantes judeus nos EUA, foi uma obra muito pessoal. Enquanto muitos acadêmicos denunciaram a falsidade dos ‘Protocolos’, Eisner escreveu que a aceitação da narrativa gráfica como veículo de literatura popular era uma oportunidade para tratar do tema em linguagem acessível.

Enquanto o gênio de Eisner está na interação entre suas palavras e seu trabalho artístico, existe uma tensão, em ‘A Trama’, entre as exigências factuais do jornalismo investigativo -nomes, datas, lugares, fontes- e contar uma história que mantenha o público preso. Ele teve de deixar de fora parte do contexto histórico e se concentrar no grande elenco de indivíduos envolvidos, mas o volume de informação ainda torna o livro uma leitura exigente.

Infância no Irã

Marjane Satrapi, uma iraniana que vive na França, é uma das poucas mulheres que são conhecidas por trabalhar no meio de quadrinhos e apresentar um modo diferente de jornalismo visual.

‘Embroideries’ (Bordados) é sua seqüência de ‘Persépolis’ (Companhia das Letras), a surpreendente e original memória em dois volumes que contou sua infância no Irã e a experiência da revolução islâmica de 1979 (‘Persépolis’ já vendeu quase meio milhão de exemplares em todo o mundo, uma conquista notável para uma novela gráfica).

Os desenhos de Satrapi são contidos e altamente estilizados; ela consegue nuanças de expressão com traços simples e rápidos. Em ‘Bordados’, abandona os painéis convencionais de um livro de quadrinhos por uma disposição mais livre das ilustrações nas páginas. As histórias são contadas com humor e mostram um lado da vida no Irã praticamente desconhecido pelos estrangeiros.

Talvez hoje artistas de quadrinhos inteligentes estejam a caminho de uma aclamação maior em outros lugares. Com um pouco de sorte, a melhor safra de novelas gráficas finalmente passará das prateleiras mal-iluminadas entre ficção científica e terror para as prateleiras da frente das livrarias.

Este texto saiu no ‘Financial Times’.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

ONDE ENCOMENDAR – Livros em inglês podem ser encomendados, em SP, na livraria Cultura (tel. 0/ xx/11/ 3170-4033) ou no site www.amazon.com’

Daniel Buarque

Mulheres são metade do público leitor no Brasil

‘A mudança no perfil das HQs segue no Brasil a mesma tendência dos EUA, o que modifica não só a idade mas o gênero do público leitor, do qual metade são mulheres, explica, em entrevista à Folha, Rogério de Campos, 44, sócio da editora Conrad. Para ele, a massa crítica para a produção de qualidade foi interrompida pela censura dos EUA nos anos 50, sendo retomada a partir de ‘Maus’ e da influência dos mangás japoneses.

FOLHA – As HQs se tornaram um assunto sério?

ROGÉRIO DE CAMPOS – Os quadrinhos adultos estão alcançando a maturidade. Mas essa descoberta das possibilidades dos quadrinhos como uma narrativa adulta é uma retomada de um processo que foi rompido nos anos 50, quando surgiu o ‘Comics Code Authority’ [1954], que censurava a publicação de HQs. Na época, os quadrinhos de super-heróis estavam em crise e o CCA dizia que os quadrinhos tinham que ser mais ingênuos que a programação de TV. Paralelamente ao crescimento, o quadrinho ‘mainstream’, de super-herói, vem hoje em queda permanente. A narrativa passou a ter uma importância maior que a própria imagem, e isso mudou o mercado.

FOLHA – As HQs têm hoje prestígio de literatura?

CAMPOS – Sem dúvida. Pensa-se que quem gosta do Homem-Aranha é o mesmo que gosta de Spiegelman, o que não é necessariamente verdade. São coisas distintas.

FOLHA – Como se comporta o mercado no Brasil hoje?

CAMPOS – Mudou até o espaço de venda. Há pouco mais de cinco anos, os quadrinhos eram postos com os livros infantis; hoje, há um espaço para HQs nas principais livrarias.

FOLHA – E quem é o leitor de quadrinhos no Brasil?

CAMPOS – Há muito mais mulheres lendo quadrinhos no país, cerca de metade do público, o que não era comum.’



TELEVISÃO
Daniel Castro

Folha de árvore dança balé em ‘Páginas’

‘Uma folha de árvore cuja forma lembra um coração vai aparecer dançando balé no horário nobre da Globo nos próximos nove meses. Sim, a ‘estrela’ da vinheta de abertura de ‘Páginas da Vida’, substituta de ‘Belíssima’, será uma folha.

Para conseguir dar o efeito de balé aos movimentos da folha, que representarão ‘páginas da vida’, a Globo alugou uma câmera com altíssima velocidade de captação, de até 2.000 frames (quadros) por segundo.

Como a imagem transmitida pela televisão é de 30 frames por segundo, o resultado será o efeito ‘super slow-motion’. Aos olhos do telespectador, a folha aparecerá numa inédita (no Brasil) ‘câmera lenta’, como se estivesse dançando balé ao vento, com ‘Wave’, de Tom Jobim, de trilha sonora.

Graças à nova câmera, o telespectador verá também detalhes imperceptíveis a olho nu.

A folha bailarina da Globo aparecerá voando entre cenas do cotidiano, como uma família passeando no calçadão da praia, uma criança soltando pipa e uma mulher empurrando um carrinho de bebê.

As imagens do cotidiano também serão captadas pela câmera ‘high speed’, mas numa velocidade menor, de 300 frames por segundo.

Grosso modo, a vinheta de ‘Páginas da Vida’ será oposta à de ‘Belíssima’, que tem imagens em alta velocidade ao fundo da vitrine de loja em que uma modelo se contorce.

RECORD CONGELA 1 A Record está imitando a Globo até no que ela tem de pior: a prática de manter na geladeira profissionais que quebram regras. Foi o que aconteceu com o diretor ‘difícil de lidar’ Flavio Colatrello.

RECORD CONGELA 2 Recentemente, Colatrello foi afastado da direção de ‘Cidadão Brasileiro’. Mas, mesmo tendo um time enxuto de diretores, a Record ainda não prevê nenhum novo trabalho para Colatrello _que aproveita o tempo vago dando cursos.

MULHERES BOLEIRAS Os funcionários da Globo em Nova York fizeram um bolão da Copa. Para desespero dos homens, que dizem que mulher não entende de futebol, a repórter Heloísa Villela é a que mais acertou palpites até agora.

FALA, BABÁ 1 Por causa das dicas de como educar crianças rebeldes que ela dá no programa ‘Supernanny’, do SBT, a pedagoga Cris Poli, 60, tem recebido muitos pedidos para fazer palestras. Mesmo gravando e trabalhando numa escola, ela arrumou tempo em sua agenda para uma série de conferências no segundo semestre. Cris só não revela de quanto será o cachê.

FALA, BABÁ 2 ‘Não tenho tido muito tempo’, reclama a ‘supernanny’, que tem sido reconhecida nas ruas. ‘O programa deu uma virada na minha vida. Os adultos pedem conselhos. As crianças me dão beijos e abraços, pedem autógrafos’, festeja. O que os três netinhos (de 8, 5 e 1 ano) acham disso? ‘Eles estão adorando ter uma avó celebridade’, conta, toda orgulhosa.’

Daniel Castro e Silvana Arantes

O homem que sabia demais

‘Que a novela ‘Belíssima’ (Globo) é um fenômeno de audiência todo mundo sabe. Mas Silvio de Abreu, autor da trama policial que intriga milhões de telespectadores todas as noites, gosta de exibir provas.

‘Nos intervalos, a audiência não cai. Ou seja, as pessoas estão ligadas na coisa’, afirma.

Para vidrar o público, o ex-cineasta Abreu buscou inspiração em um de seus ídolos no cinema, o mestre do suspense Alfred Hitchcock (1899-1980).

‘Adoro Hitchcock. Ele falava muito em McGuffin. Esta novela tem um McGuffin. E está todo mundo interessado em saber o que é!’, revela o autor.

McGuffin é um truque que Hitchcock usava para desconcertar o espectador. Consiste em flagrar um personagem em atitude suspeita. Só que o segredo desse ‘suspeito’ não tem relação com a trama principal.

Por exemplo, pode ser que a secretária Yvete (Angelita Feijó) queira apenas conferir a marca do batom de Júlia (Glória Pires) ao remexer sua bolsa.

Mas o espectador da novela logo associa essa cena aos dois grandes mistérios da trama -pela ordem: Quem é o mandante dos golpes contra Júlia? E quem é o filho de Bia Falcão (Fernanda Montenegro) com Murat (Lima Duarte)?

Ou seja, o McGuffin, que é um mistério secundário, acaba funcionando como pista falsa. Em ‘Belíssima’, o truque deu certo. ‘Todo mundo pegou a pista errada’, diz Abreu.

Principal suspeito

Na entrevista que deu à Folha, em seu apartamento, em São Paulo, o novelista indicou que a estrada principal conduz as suspeitas de vilania diretamente a Alberto Sabatini, personagem de Alexandre Borges.

Mas pode ser (em novela tudo é possível!) que Abreu estivesse lançando um McGuffin à reportagem. A solução definitiva do mistério só será conhecida nos três últimos capítulos da novela, que termina dia 7, antevéspera da final da Copa.

Até lá, Abreu curte a sensação de vitória antecipada. ‘O jogo está ganho’, vibra. De fato: ‘Belíssima’ já é a segunda novela mais vista da história, com pelo menos 60 milhões de telespectadores. Só fica atrás de ‘Senhora do Destino’ (2004).

Não é pouca coisa para quem ‘vinha de duas experiências difíceis, que foram ‘Torre de Babel’ e ‘Filhas da Mãe’, novelas que se converteram em pivô de uma queda-de-braço na cúpula da Globo e de uma crise de audiência, respectivamente.

Em ‘Belíssima’, a 13ª novela escrita por Abreu, 63, nada saiu do eixo. Ou melhor, saiu sim. A diferença é que, desta vez, o autor conseguiu segurar as pontas e manter a audiência, mesmo no pior momento, quando Glória Pires, doente, ficou um mês afastada das gravações.

Abreu viu-se sem a mocinha Júlia Assumpção, sem a vilã Bia Falcão (a hepatite de Pires coincidiu com o momento da ‘morte’ de Bia na novela) e sem a chance de aumentar a participação de Cláudia Abreu, porque sua personagem, Vitória, estava trancafiada na cadeia.

A conseqüência do percalço foi que o autor perdeu a dianteira em relação à gravação dos capítulos e teve de reduzir o volume de cenas feitas em São Paulo, já que não era possível planejar com antecedência o deslocamento das equipes.

Mesmo assim, Abreu, que sempre localizou suas tramas em São Paulo, acha que a cidade ‘nunca esteve tão bonita na tela’. Deve estar se referindo às vezes em que a São Paulo de ‘Belíssima’ é realmente São Paulo, e não o Projac…

Outra coisa que Abreu teve de reduzir foi a participação dos atores japoneses na trama, por receio de que eles se tornassem ‘o núcleo insuportável da novela’, dadas as suas deficiências de interpretação.

‘Não digo tanto o Carlos Takeshi [Takae], porque ele é um ator experiente. Mas eu queria ter conseguido atores melhores. Acho que a menina [Juliana Kametani, intérprete de Suzi] é bonitinha, mas é muito verde. Era uma modelo, nunca tinha feito nada. O garoto também [Eduardo Hashimoto/Ernesto] não correspondeu, tanto que o personagem, que era um dos que eu mais gostava, murchou’, afirma Abreu.

Próximos capítulos

Para manter os segredos de ‘Belíssima’ na ordem do dia até as últimas cenas, Abreu escreveu vários finais para as principais tramas, a fim de confundir até mesmo o elenco.

Terão mais de uma versão gravada as cenas que revelarão as identidades do misterioso vilão que dá ordens a André (Marcello Antony) e do filho(a) de Bia e Murat. Júlia gravará um final em que fica com André e outro, com o grego Nikos (Tony Ramos). O desfecho, provavelmente trágico, de Bia também será preservado.

Antes disso, o telespectador de ‘Belíssima’ se surpreenderá com a revelação de que o ‘perigosão’ Aquilino Santana, o Seu Quiqui (Serafim Gonzalez), pai de André, salvou a vida de Júlia, ao socorrer a então menina no acidente de avião exibido logo no primeiro capítulo.’



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‘A TV é mais importante do que o cinema’, diz novelista

‘Quando um novelista sustenta que, no Brasil, ‘a televisão é mais importante do que o cinema’, é fácil descartar sua afirmação, como sendo a expressão de um recalque.

Mas isso não vale para Silvio de Abreu, que trocou a carreira de cineasta pelo primeiro time de autores de novela da Globo.

Nos anos 70, em que a pornochanchada dominava a produção nacional, ele dirigiu ‘Gente que Transa’, ‘Elas São do Baralho’, ‘A Árvore dos Sexos’ e co-dirigiu ‘Cada um Dá o que Tem’. Em 1980, pôs um ponto final (ao menos até aqui) na trajetória de cineasta, com o longa ‘Mulher Objeto’.

Com a autoridade de quem conhece os dois lados da moeda, Abreu provoca: ‘Já disse e reitero, no Brasil, a TV é mais importante do que o cinema’.

Comparando a audiência média de sua novela (60 milhões de espectadores), com os resultados dos filmes brasileiros na bilheteria, Abreu conclui que ‘o cinema hoje no Brasil vive de prestígio, não de público’. O filme nacional mais visto neste ano é ‘Se Eu Fosse Você’, do também diretor global Daniel Filho (3,6 milhões de espectadores), estrelado precisamente pelo par romântico de ‘Belíssima’, Glória Pires e Tony Ramos.

Mas Abreu não poupa o colega de suas avaliações desafiadoras. Afirma que, até hoje, nada que Daniel Filho fez no cinema é melhor do que seu trabalho em televisão.

A seguir, Abreu compara cinema e TV. Sem cortes:

‘Das pessoas que saem da TV para fazer cinema não vi ainda ninguém ter feito um filme melhor do que o trabalho que fazia na televisão.

‘A Vida como Ela É’, que Daniel Filho fazia no ‘Fantástico’, é muito melhor do que todos os filmes que ele fez. É um primor de direção. Nelson Rodrigues feito na melhor categoria.

Se você pegar ‘Engraçadinha’, que o [Carlos] Manga e a Denise [Saraceni] fizeram, é melhor do que qualquer versão de Nelson Rodrigues feita para cinema. É melhor do que a do Braz Chediak [‘Bonitinha, Mas Ordinária’, ‘Álbum de Família’ (1980)], melhor do que o ‘Boca de Ouro’, do Nelson Pereira dos Santos [1963].

O cinema brasileiro atualmente faz sucesso de público quando chega muito perto da TV, como ‘Se Eu Fosse Você’.

Ele está vivendo de prestígio, não de público. Tem festival em Tupaciguara [MG], festival em não sei onde. No final, o cara diz: ‘Ganhei um monte de prêmio’. Isso não quer dizer nada. É bom para botar na estante. Eu também tenho um monte de prêmio. É ótimo. Obrigado. Taí. Mas eu estou fazendo um trabalho que atinge 60 milhões de pessoas por dia.

Na TV, tenho uma excelente produção e o melhor elenco do país, porque, vai me desculpar, mas não existe elenco melhor do que o que tenho em ‘Belíssima’. Trabalho com os melhores atores do país. As minhas idéias estão lá. Atinjo 60 milhões de telespectadores por dia. Por que cinema é mais importante? Não entendo’.’



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Para Alexandre Borges, Alberto é vilão ‘coerente’

‘Para o ator Alexandre Borges, é ‘coerente’ seu personagem Alberto Sabatini ser o grande vilão de ‘Belíssima’, caso isso se confirme no último capítulo da novela das oito.

O objetivo do misterioso personagem (ou personagens) que dá ordens ao ‘laranja’ André (Marcello Antony) é conquistar a fábrica de lingerie Belíssima.

No passado, o pai de Alberto e Ornela (Vera Holtz) foi sócio da empresa. Pode ser que os pais de Júlia (Glória Pires) o tenham lesado. Alberto e Ornela estariam agora se vingando.

‘Ser um dos suspeitos já me deixa supercontente. Se o Alberto realmente for o vilão, será um presente pra mim. Ficarei lisonjeado’, diz Borges.

Esta é a terceira novela de Silvio de Abreu em que ele trabalha. O ator já interpretou canalhas como Alberto, mas nunca um vilão clássico.

Abreu é só elogios para Borges. ‘Ele é maravilhoso. Numa cena é engraçado, noutra é triste. Uma hora você acredita, na outra fica com raiva’, avalia.

Borges defende Alberto, que não poupou esforços para tomar a namorada de um subalterno. ‘O Alberto tem um lado passional, busca o que realmente quer, envolve-se, não é apenas por puro prazer’, diz.

O ator acha que Alberto é suspeito também por ser extremamente competitivo. Nos próximos capítulos, ele perderá o cargo de diretor em Belíssima para Cemil (Leopoldo Pacheco), seu rival no amor, e isso o deixará deprimido.

‘A fábrica é o grande xodó do Alberto. Ele está lá desde quando o pai trabalhava na Belíssima’, afirma Borges. ‘Se o vilão for o Alberto ou a Ornela, será um final surpreendente e coerente’, opina o ator.

Boa parte do elenco de ‘Belíssima’ aposta em Ornela. Só Glória Pires palpita por Alberto.’

Bia Abramo

Humor de ‘Belíssim a’ supera veia crítica

‘‘BELÍSSIMA’ ESTÁ chegando ao fim com uma nota de exaustão. Não em relação a essa novela em si, mas da importância do formato para o imaginário brasileiro. Se a novela, nos anos 70, teve a possibilidade de fazer as vezes de espaço para elaboração de uma certa narrativa mais ou menos coletiva da sociedade brasileira, hoje essa possibilidade é bem menor, bem menos significativa.

Vez por outra, de forma muito parcial e precária, algumas conseguem dar voz a uma ou outra inquietação. ‘Belíssima’ até que tentou enveredar pela discussão da ética, numa espécie de retomada desencantada de ‘Vale Tudo’, situada em um Brasil bem mais caótico do que aquele capturado por Gilberto Braga quase 20 anos atrás. Mas o fez sem muito fôlego (não é exatamente a praia de Silvio de Abreu) e de forma um tanto desorientada (digamos que o panorama, nesse terreno, se tornou muito mais complexo).

No final, além de mais uma vilã marcante em Bia Falcão e um sedutor vil em André Santana, o interesse gerado por essa prospecção no terreno moral não foi lá muito grande.

Por outro lado, a trama policialesca perdeu bastante força com a volta de Bia. A aposta do autor foi alta e, pelo andar da carruagem, provavelmente não terá valido a pena. Renunciando ao ‘quem matou’, já que a morta, um dia, entrou por aquela porta, o grande mistério se dissolveu de forma quase irrecuperável.

Apesar disso, resta uma série de pequenos enigmas -André é do bem ou do mal? Quem matou Valdete? E seu Quiqui, que papel tinha de fato na trama?-, dando sustentação para o enredo, e a habilidade de Silvio de Abreu em manipulá-los é mais ou menos notável. Ou, pelo menos, acima da média.

Agora, o que de fato aconteceu na novela foi a caricatura bem-feita, essa sim a especialidade de Silvio de Abreu. À diferença de outros tempos, entretanto, o lastro com algum solo sociológico quase que desapareceu. De novo, parte disso por sinal dos tempos: os espelhos se multiplicaram de tal forma que não se sabe mais de onde partiu ou para onde foi a imagem.

Mas Silvio de Abreu tem humor e isso, se não resolve exatamente, salva bastante coisa. Bom para o casal extra-erótico e meio palhaço Safira e Pascoal, bom para a veia cômica de Irene Ravache como a grega Katina, mais a de uns outros tantos coadjuvantes. À falta de uma grande (ou média, vá lá) narrativa, a ironia vai quebrando um galho. No mínimo, é melhor do que se levar muito a sério.’

Lucas Neves

TV a cabo oferece ‘self-service’ da orientação sexual

‘Celebrado na próxima quarta-feira, 28, o Dia do Orgulho Gay pauta, a partir de hoje, uma programação extensa na TV a cabo. No GNT, a maratona temática recebeu o nome de Semana da Diversidade Sexual. O Canal Brasil vai de Mostra Arco-Íris. E o Sony reserva para a véspera dos festejos a exibição do derradeiro ‘Will & Grace’.

Os trabalhos começam nesta noite, às 22h, na bancada do ‘Marília Gabriela Entrevista’, do GNT. A jornalista recebe o diretor do Mix Brasil (festival que volta as lentes para a diversidade sexual), André Fischer. É ele que escolhe o destaque da grade. ‘A minissérie ‘Amor na Ponta da Língua’ faz a linha ‘lesbian chic’, é bem sexy.’

Baseada no romance de Sarah Water, a produção acompanha a transformação de uma garçonete natural de uma pacata cidade litorânea do sul inglês em dublê de atriz performática, prostituta e subjugada sadomasô. O pano de fundo é a Londres vitoriana do fim do século 19.

Da seleção preparada pelo Canal Brasil, Fischer sublinha os curtas-metragens ‘Vox Populi’ (‘tem uma pegadinha para o público hetero no final’), ‘Alumbramentos’ (‘mostra a descoberta da sexualidade de forma sensível’) e ‘A Dama da Noite’ (‘básico para entender a produção gay brasileira’).

O diretor do Mix Brasil aproveita a data para avaliar o espaço dedicado à diversidade sexual na TV. ‘Há um descompasso. No cabo, estamos bem representados. A falha é a TV aberta, que ainda não pode mostrar nem um beijo [entre pessoas do mesmo sexo]. A TV paga está em San Francisco e a aberta, no Irã.’

Outro programa elogiado por Fischer, a sitcom americana ‘Will and Grace’ se despede nesta terça. Em oito temporadas, o seriado extraiu risadas das idiossincrasias da amizade entre um advogado gay e sua melhor amiga, uma decoradora neurótica.

‘Foi um marco na história das comédias. Com linguajar e temas da comunidade homossexual, trouxe para o horário nobre o humor gay, e não sobre gays’, observa Fischer.’

Vange Leonel

Série picante vê iniciação de lésbica

‘A minissérie ‘Amor na Ponta da Língua’ foi baseada no romance homônimo de Sarah Waters e conta o amadurecimento sexual de uma jovem lésbica no final do século 19. Mais que assunto incidental, o amor lésbico é realmente o foco da narrativa.

A protagonista Nancy Astley não faz idéia de suas inclinações até que uma companhia de teatro aporta na cidade, e ela se apaixona pela cantora Kitty Butler. Obviamente, uma iniciação lésbica tinha que passar por uma cantora. Puro fetiche, Kitty se apresenta vestida de fraque e cartola num show de transformismo que arranca suspiros de Nancy.

A inocente Nancy inicia sua educação sexual quase à la Marques de Sade numa trajetória à caça da própria identidade. Tudo ambientado numa Inglaterra vitoriana onde os amores proibidos eram fadados ao submundo e aos salões decadentes.

O telespectador que se frustrou com selinhos de lésbicas de telenovelas verá beijos verossímeis, cenas de sexo com dildos de couro e mais. O título original, ‘Tipping the Velvet’ (gíria para ‘cunilíngua’), foi traduzido para uma expressão mais suave, mas as meninas do século 19 já eram bem safadinhas.

VANGE LEONEL escreve na seção GLS da Revista da Folha’

Duilio Ferronato

Documentário aborda mundo das drags

‘Depois do filme ‘Priscilla, a Rainha do Deserto’ (1994), o mundo nunca mais foi o mesmo. Houve uma invasão de drags pelo mundo todo. Roupas, maquiagem, perucas, música e performance fazem do mundo das drags um lugar divertido e fabuloso.

Estrelas da noite de SP brilham pelo Brasil afora. Léo Áquila e Salete Campari, drags da noite paulistana, são pré-candidatas a deputadas estaduais.

As drags australianas Lady Bump, Cindy Pastel e Strykermeyer, do documentário ‘Ladies Please’, que inspiraram o filme ‘Priscilla’, adoram exageros e andam pelas ruas de Sydney com roupas glamourosas. Strykermeyer, quando vai visitar seus pais, aparece com um minissaia agarrada e uma toquinha na cabeça que fazem ela parecer uma personagem dos anos 60. Ela é a referência do ator Guy Pierce em ‘Priscilla’.

Lady Bump diz que em Sydney as pessoas estão acostumadas a ver drags nas ruas e nem reparam quando elas passam, mas é claro que isso é provocação porque é impossível não notar uma drag.

DUILIO FERRONATO escreve na seção GLS da Revista da Folha’



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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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