Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

O show da esperança

A cerimônia de posse do presidente eleito dos Estados Unidos Barack Obama foi planejada como um dos grandes espetáculos do nosso tempo. Como uma abertura de Copa do Mundo de futebol ou de Olimpíada, a sucessão de solenidades que marcam o ritual de passagem do maior poder do mundo movimenta praticamente toda a mídia internacional.


O grande espetáculo da esperança mobiliza também, pela primeira vez de forma organizada, os novos meios de comunicação, que cresceram e se impuseram à mídia tradicional como uma avalanche caótica e incontrolável.


Além das cadeias internacionais de televisão de todo o mundo, estarão a postos milhares de observadores com suas câmeras portáteis, enchendo o incalculável espaço da internet com suas visões particulares do momento histórico.


As redes sociais auto-organizadas compõem um universo paralelo ao das grandes estruturas, sem os mesmos recursos de tecnologia, mas seu alcance se equipara ao das redes tradicionais, pela capilaridade de seus integrantes e pela mobilidade. E agora eles contam, pela primeira vez, com o recurso da integração, através do Google, que desviou para Washington as lentes de seu satélite que produz os serviços de mapeamento e vigilância do planeta.


Guinada política


Quando Barack Hussein Obama estiver prestando seu juramento sobre a bíblia, o mundo não estará apenas assistindo ao grande espetáculo da esperança, a posse do primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Estará testemunhando o triunfo das novas mídias sobre a imprensa tradicional e a imposição das redes chamadas caórdicas – aquelas que compõem estruturas efetivas a partir da convergência natural não planejada – como alternativa para os sistemas centralizados.


Afinal, foi com base na arregimentação de milhões de cidadãos através da internet que Obama chegou à presidência. A mesma rede está sendo convocada para lhe dar apoio nas primeiras medidas que deverá anunciar como presidente.


A transferência do poder de George W. Bush para Barack Obama não representa apenas uma guinada na política americana. Bush deixa a Casa Branca melancolicamente, tendo como símbolo os sapatos atirados na calçada por cidadãos indignados e como único sinal de simpatia o convite do presidente do Brasil para uma pescaria.


Obama entra em cena como o portador das expectativas de praticamente toda a humanidade. A pergunta que está hoje em toda a imprensa é: ele estará preparado?


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O legado de George Bush


Os detalhes da cerimônia de posse do presidente dos Estados Unidos ocupam as páginas dos jornais, com infográficos e roteiros minuciosos. Da mesma forma, é possível ler nas edições de terça-feira (20/1) relatos sobre o mundo de desafios que o aguardam a partir de amanhã.


Não há na história moderna exemplo paralelo de mudança. Sai um presidente ultraconservador e belicoso, que produziu inimigos onde os Estados Unidos tinham apenas comércio. George W. Bush deixa uma economia em frangalhos, mergulhada em recessão, como uma dívida pública de mais de 1 trilhão de dólares e um sistema financeiro completamente desordenado.


As instituições públicas estão desorganizadas, as Forças Armadas desmoralizadas por um bando de pastores do deserto e atoladas em duas guerras no outro lado do mundo.


O sistema produtivo, protegido por anos de subsídios, tem dificuldades para manter-se competitivo; a imprensa mais conservadora, que o apoiou até o início do seu segundo mandato, perdeu credibilidade e poder de influência à medida em que se revelavam suas limitações.


Bush deixa o poder após haver promovido uma crise estrutural no poder legislativo, criando um muro de desconfianças entre os dois principais partidos políticos, considerados a base da maior democracia do mundo. Sai do cargo de maior poder do planeta para as coletâneas de anedotas, como um bufão. Um triste bufão que deixa em seu rastro as vítimas das guerras que promoveu.


Oito anos depois, ele deixa sua página na história com um único mérito: a demonstração de que a democracia é capaz de resistir até mesmo a George W. Bush.


Miopia geral


Mas no apagar das luzes do triste espetáculo que foi seu governo, convém lembrar: a imprensa tradicional foi seu suporte, agasalhou e deu credibilidade às mentiras que usou para invadir o Iraque.


E, principalmente, é preciso observar que a imprensa demorou demais a perceber os males que sua ideologia ultraconservadora andou semeando.


O alinhamento automático a tudo que ele representava produziu a miopia geral que permitiu a eclosão da maior crise financeira de todos os tempos.


Na festa da posse de Barack Obama, a imprensa não pode fingir que não teve nada a ver com isso.