Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Quase nenhuma notícia sobre o decreto das cavernas

Se depender de quase toda a imprensa brasileira, a mudança da legislação sobre as cavernas brasileiras só será conhecida pela sociedade como fato consumado. Já existem 31 entidades que apóiam o manifesto da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), contrário à intenção governamental de alterar o Decreto 99.556, de 01/10/1990, que ‘dispõe sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas existentes no território nacional, e dá outras providências’.


Entre as exceções a essa omissão midiática, destacam-se as reportagens ‘Projeto ameaça 70% das grutas do país’, da Folha de S. Paulo, reproduzida na Folha Online (25/10/2008), e ‘De volta ao tempo das cavernas’, do portal O Eco (17/10/2008), que retomou o assunto uma semana depois com a nota ‘Contra o decreto cavernoso’ (24/10/2008).


De acordo com a primeira reportagem de O Eco, há dois anos o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) vinham negociando a alteração do decreto ainda vigente, que ‘tem sido uma pedra no sapato de empreendimentos como a usina hidrelétrica de Tijuco Alto, no sul de São Paulo, e à exploração de minério de ferro em Carajás, no Pará’. Na semana retrasada, segundo a matéria, ‘tudo desandou’:


‘A negociação foi interrompida pela Casa Civil, que jogou a área ambiental para escanteio e, basicamente, só quer considerar as cavernas intocáveis se elas forem monumentais, isto é, se tiverem características excepcionais, como a maior do país, ou características biológicas únicas, por exemplo. As outras passam a ser vistas como passíveis de sofrerem impactos, claro, devidamente compensados com dinheiro dos empreendimentos como reza a cartilha do licenciamento. Avaliações iniciais indicam que esse `resto´ equivale a nada menos que 80% das cavernas brasileiras, estimadas em cem mil pelo governo. Apenas sete mil estão relativamente mapeadas.’


Grutas ‘inúteis’


Paulo Camillo, presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade que representa empresas que atuam no setor, declarou à Folha que o novo decreto trará avanços: ‘Essa indefinição, que dura anos, afastou investimentos estrangeiros do país’, afirma o presidente do instituto’. O jornal destaca declaração de Rinaldo Mancin, diretor de assuntos ambientais do órgão, de que…




‘Há cavernas belíssimas que, claro, precisam ser preservadas. Mas é preciso criar um sistema para valorar o grau de importância dessas cavernas, porque muitas são inúteis’.


De acordo com a Folha, há restrições à iniciativa governamental dentro do próprio governo. O jornal afirma que o Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (Cecav), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, vinculado ao MMA, ‘participou dos estudos com os ministérios do Meio Ambiente e Minas e Energia nos últimos dois anos, mas suas sugestões foram ignoradas no projeto final’. Segundo declaração de Rita de Cássia Surrage, do Cecav, …




‘Eles querem algo fácil de fazer. Dizem que nossas sugestões eram complexas. Mas não dá para entrar em uma caverna, sair e avaliar na hora. Estudos são necessários. Vai acabar na mão dos Estados a decisão de definir quais vão poder ser impactadas, sem critério algum.’


Uma proposta de alteração do decreto de 1990 já havia sido apresentada em 13/02/2007 pelo grupo de trabalho constituído pelo Ibama em 18/04/2006 (Portaria Ibama nº 34). No site do Cecav consta o registro, provavelmente desatualizado, de que:




‘Na reunião realizada na Casa Civil, em 06 março de 2007, foram apresentadas a proposta do MMA/IBAMA e uma contra proposta do MME, opinando sobre todos os assuntos, incluindo os não afetos a esse Ministério. Vale lembrar, que apesar de não estarem presentes, esse assunto engloba ações dos ministérios da Cultura, da Agricultura, dos Transportes e do Turismo, entre outros. No momento, aguardamos uma nova reunião com a Casa Civil que nos dará um posicionamento sobre o assunto.’


No entendimento da cúpula ambiental do governo, no entanto, o assunto parece estar resolvido, segundo a Folha, que atribui a Maria Cecília Wey de Brito, titular da Secretaria Nacional de Biodiversidades e Florestas, do MMA, a declaração de que ‘tudo está sendo discutido. Essa nova norma não significa que tudo será destruído’. Com seu largo conhecimento e experiência na área ambiental, a secretária certamente deve ter muito mais a dizer acerca da questão. Inclusive porque do modo que consta essa declaração, permanece a dúvida sobre o que será destruído.


Enquanto quase toda a imprensa deixa de informar sobre esse assunto e ninguém busca explicações de outos órgãos do governo, circula na internet um abaixo-assinado contra a mudança do decreto.

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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente, editor do blog Laudas Críticas