Saturday, 18 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Ruim com ela, pior sem ela

As bombas do ex-ministro José Dirceu contra a mídia – antes e depois da cassação – não podem ser avaliadas sem uma comparação entre o que disse em seguida à vitória de Lula, no programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo, em 28/10/2002:




‘Todo o setor, inclusive a imprensa, também está vivendo graves dificuldades financeiras. Nós temos que tratar disso como um assunto de interesse nacional, temos que tratar disso como um assunto de Estado.


‘Evidentemente que o país tem recursos escassos, precisa ter prioridades e garantias de como e onde colocamos os recursos, seja do BNDES, seja [da] renúncia fiscal.


‘Há uma alternativa que é a associação do capital externo, que é preciso terminar a regulamentação da legislação. A outra que é a reestruturação acionária, fusões, associações. E uma terceira que é uma engenharia financeira [de] que possa participar não só a iniciativa privada mas [também] organismos como bancos públicos, para tentar recuperar essa ou aquela empresa.’


As empresas de mídia estavam com a língua de fora, algumas em processo falimentar. O governo recém-eleito, ainda sem uma base política no Congresso, precisava de apoios.


A idéia de um Proer para a mídia salvaria as empresas de comunicação de uma bancarrota e poderia oferecer ao governo a sustentação necessária para atrair apoios e aliados (àquela altura, ainda tímidos).


Recurso de rotina


O final da história é conhecido: o Pro-Mídia (ou Midíabras) nasceu morto em 2003. E foi enterrado em 2004. As corporações empresariais arrependeram-se do interesse por uma linha de crédito especial e o BNDES encontrou dificuldades para assumir-se como UTI de empresas encalacradas.


Em fevereiro de 2005, a mídia revelou o ‘Waldomirogate’ e em maio a propina nos Correios. Hoje, três anos depois daquela manifestação no Roda Viva e no meio de uma crise que já dura um semestre – e promete estender-se até as eleições do ano que vem –, não apenas o ex-chefe da Casa Civil mas o governo e o partido do governo não passam uma semana sem desancar a imprensa. Em matéria de furor, a coletânea destas diatribes não ficaria atrás do que dizia Goebbels antes de os nazistas calarem a poderosa imprensa alemã.


O que mudou e o por que mudou? José Dirceu talvez esclareça a metamorfose nesta terça-feira (6/12), quando será sabatinado no Observatório da Imprensa (às 22h30 na rede da TVE e às 23h na rede da TV Cultura).


Uma coisa, porém, não pode ser esquecida: a fúria do oficialismo acionou as fúrias de outras forças políticas contra a imprensa. Juntaram-se as alcatéias de lobos para devorar a rapariga sonsa e desastrada. Atacar a imprensa não apenas virou moda, mas transformou-se no recurso mais rotineiro para encobrir trapaças ou justificar atentados à democracia. Esquerda e direita afinal encontraram a vocação comum: desmoralizar a mídia para controlá-la.


Mais compostura


O artigo do jornalista Mauro Chaves condenando a complacência da imprensa ao aceitar uma pessoa despreparada para assumir a presidência da República (Estado de S.Paulo, 26/11, pág. 2) e a delação do parajornalista Diogo Mainardi sobre a infiltração lulista nas redações (Veja, 7/12, pág. 181), embora diametralmente opostos em matéria de quilate, mostram a dimensão deste frenesi antijornalístico no seio do jornalismo.


Aqui não se trata de autocrítica coletiva, mas de tentativas sistemáticas de certas facções em denunciar uma parte da imprensa para tomar conta do bolo inteiro. Neste confronto de interesses antijornalísticos quem perde é a instituição jornalística.


Numa sociedade como a americana, uma investida contra a grande imprensa liberal jamais afetaria o regime porque há instituições antigas e sólidas capazes de neutralizar eventuais surtos antidemocráticos e obscurantistas.


Mas numa sociedade como a brasileira, precariamente estabilizada, distante das realidades efetivas do Estado de Direito, os sucessivos e acumulados trancos contra a imprensa podem ser devastadores.


Isso não significa que a nossa imprensa tenha alcançado aquele mínimo de credibilidade e respeitabilidade capaz de transformá-la no fiel da balança política e institucional. Estamos longe disso. No entanto, num país onde a corte suprema está sendo questionada abertamente convém preservar o Quarto Poder. Apenas ele pode ajudar o Judiciário a comportar-se com um pouco mais de compostura.


A mídia precisa ser criticada, a mídia precisa ser acompanhada para evitar abusos. Mas ela não pode ser abusada como está acontecendo. Sem ela será muito pior.