Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Encontro acaba sem consenso sobre neutralidade

Depois de um dia intenso de discussões, que envolveu representantes de mais de 90 países presentes no evento, e a participação de pessoas de todas as partes do mundo conectados online, o NetMundial (Encontro Multissetorial sobre o Futuro da Governança da Internet), terminou ontem com a divulgação de um conjunto de princípios que pretende-se, deverão nortear as discussões sobre o futuro da rede. Princípios que visam a uma maior inclusão e maior participação de diferentes áreas da sociedade na definição de uma estrutura de governança para a internet. Entretanto, pontos importantes acabaram ficando de fora do texto, como a questão da neutralidade da rede e de uma regra de transição clara da atual governança, exercida por um órgão ligado ao governo dos EUA, para a comunidade web internacional.

Representantes da sociedade civil que participaram dos debates criticaram a ausência da neutralidade de rede no texto e também consideraram muito branda a abordagem do documento quanto à espionagem em massa, como a praticada pela NSA. Em vez de condenar a espionagem, o texto recomenda cautela. “Vigilância em massa e arbitrária compromete a confiança na rede e na governança do sistema (…) Mais diálogo é necessário sobre esse tópico em nível internacional”, diz o texto.

A divulgação do documento resultante do encontro atrasou quase três horas, por divergências entre os integrantes da do comitê executivo, especialmente no que se refere à neutralidade de rede (que proíbe a discriminação de pacotes de dados por conteúdo). Assim, a neutralidade que figurava entre os princípios no documento que serviu de base para os debates, acabou ficando fora da versão final, e foi colocada no capítulo de “pontos a serem discutidos além do NetMundial”.

– Temos de reconhecer o fato de que essa é a primeira reunião com participação de governos, do setor privado, da academia e da sociedade civil, e como novidade pode causar apreensões num primeiro momento – disse Virgílio Almeida, coordenador da NetMundial e secretário de Políticas de Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia. – Talvez esse não seja um documento perfeito, mas é o resultado de um processo “de baixo para cima”, de diferentes setores, uma mudança de paradigma.

No capítulo dos princípios, o documento da NetMundial reforça que os direitos humanos são “valores centrais” e devem orientar a governança da internet. Nesse sentido, a rede deve respeitar direitos políticos, econômico, sociais e culturais, a liberdade de expressão, a privacidade e a liberdade de associação – definida como “reunião pacífica online, seja por redes sociais e outras plataformas”.

A acessibilidade, a liberdade de informação e o acesso à informação na internet são também defendidos no documento: “Todos devem ter o direito de acessar, compartilhar, criar e distribuir informação na internet”, reforça o texto.

Outra questão considerada crucial pelos representantes do governo brasileiro e de outros países, que é a transição do controle da internet pela Icann (Internet Corporation for Assigned, Names and Numbers, uma empresa privada que cuida de toda estrutura de registro de nomes e domínios na rede e é vinculada ao Departamento de Comércio americano) para uma organização global de interesse público, também ficou de fora do texto, e terá de ser detalhada em discussões futuras.

“Espera-se que o processo de globalização da Icann se acelere, conduzindo-a para uma organização a serviço do interesse público com a implementação de mecanismos de prestação de contas e transparência, mecanismos que satisfazem os requisitos de diferentes países e setores da comunidade global”, diz o documento, que conclui: “A participação de todas as partes interessadas de todas as regiões na estrutura da Icann é uma questão chave num processo bem sucedido de globalização (da internet)”.

Rússia critica texto final

Pouco depois da leitura do documento final do encontro, um representante do governo da Rússia pediu a palavra e, da tribuna, criticou duramente a organização do encontro e a forma como o documento final foi elaborado.

– As decisões foram tomadas por um comitê já formado e não conseguimos entender os critérios que foram usados para a composição desse comitê. Também estamos no escuro com relação ao que norteou a definição dos termos do documento final. Nossas contribuições foram ignoradas. Esse documento irá promover a desigualdade na internet entre os países – disparou ele.

A ausência da neutralidade de rede no documento ocorre no momento em que a Federal Communations Commission, a Anatel dos EUA, anuncia mudanças na política de internet americana. A ideia é proibir que os provedores de acesso à rede bloqueiem ou discriminem o tráfego a sites específicos, mas ao mesmo tempo lhes garantir o direito de cobrança para dar tratamento especial a determinados serviços, o que fere o princípio da neutralidade.

>> Veja a íntegra do texto final da NETMundial.

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Ronaldo D’Ercole, do Globo