Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

Como forjar comportamentos

Desde a mais remota divulgação de notícias impressas, seu conteúdo sempre teve o propósito de vinculá-las aos interesses daqueles que detêm o poder. Desta forma, quanto mais foram evoluindo as diversas formas de apresentar idéias, ideologias e trejeitos, mais se intensificou a possibilidade de manipulação do comportamento das pessoas de maneira geral, principalmente para a faixa etária em que a personalidade dos indivíduos está em pleno processo de formação.

Platão, filósofo grego do século 4 a C., já apresentava a idéia de uma classe dominante, representada por um pequeno número de indivíduos; uma outra composta pela representação de seu exército que garantisse o domínio da primeira; e uma terceira parte composta pela população restante. À população na base da pirâmide social bastava garantir suas necessidades básicas para ser dominada. O exército seria uma garantia, principalmente, externa.

Com o passar do tempo até os dias de hoje, a satisfação e garantia daquelas necessidades básicas, que continuam sendo as mesmas, deixaram de existir. Assim, necessariamente dever-se-ia criar algum mecanismo no qual poder-se-ia colaborar para a manutenção daquele domínio.

Com as mudanças globais, desde as grandes navegações e a consolidação do sistema capitalista, tem-se cada vez mais intensificado o domínio dos meios de comunicação pela classe dominante, que percebeu seu potencial como ferramenta de manipulação de comportamentos. Pero Vaz de Caminha não foi enviado com a frota de Cabral à toa quando da invasão de terras a oeste além-mar. Os jogos, desde a Antiguidade, incluindo o período imperial de Roma, foram usados para atrair e distrair a população de possíveis rebeliões. Assim, mitos, contos, estórias, jornais, revistas, jogos, cinema, televisão e, mais recentemente, a internet, não têm apenas o viés de entretenimento e informação, mas de mensagens e ideologias que passam despercebidas aos mais desatentos.

Interesses da elite

É evidente que desde o surgimento do cinema e da televisão em especial, veículos de comunicação mais acessíveis, já induziam e modelavam determinados comportamentos da massa. Como exemplo, mocinhos e mocinhas do cinema tinham o hábito do tabagismo, e a grande maioria de jovens e adolescentes, mais influenciada, adquiriu tal hábito na tentativa de assemelhar-se a tais indivíduos, que eram e sempre são colocados como modelos de comportamento.

As ideologias são expostas de maneira sutil, da necessidade de mais dinheiro para consumo à aceitação de comportamentos-tabu, em filmes e programas cujo conteúdo expressa os interesses de grupos. Os Estados Unidos utilizam muito bem esses recursos, influenciando as vidas de pessoas de todo o mundo. A maneira como é usada a mídia, em geral, deve ser olhada e analisada com muito cuidado. Cuidado de perigo. Pois com ela pode-se derrubar governos, trocá-los, destruir famílias, causar rupturas institucionais e promover, o que é pior, a impressão de que é totalmente verdadeira.

Um exemplo de duas palavras: ocupação e invasão. Para os interesses da elite ruralista do Brasil a palavra ideal para tratar os sem-terra seria ‘invasão’, como a mídia divulga. Por que não ocupação? No caso do Afeganistão e do Iraque, os EUA ‘ocupam’, segundo a mídia brasileira. Qual a ideologia predominante? Aqui se trata apenas do uso de duas palavras semelhantes para duas situações distintas, mas com o mesmo cunho sociopolítico relevante.

Professor substituído

Diante disso, se o jovem em especial não for esclarecido, não tiver uma boa formação na família ou na instituição escolar, da maneira mais passiva possível passa a colaborar para o status quo, ou seja, do jeito que está fica.

Mas a família como um todo também sofre suas influências, atingindo principalmente os mais expostos. Nas revistas em quadrinhos observam-se personagens que incentivam no nível consciente e inconsciente da criança e do adolescente a assimilação do sistema capitalista, como a da turma do Tio Patinhas. Nessa suposta família não há a figura dos pais, ou seja, uma família cujos referenciais são o materialismo, a exploração de outros povos sempre considerados inferiores e o estímulo à competição individual.

Como a família brasileira está hoje? Parecida com a tal família do Tio Patinhas. A mídia mostra e incentiva que a separação é a melhor solução num casamento. O casamento é comparável a qualquer mercadoria do sistema: se não gostou, troca-se e tudo bem. Isto já está incutido na maioria dos jovens, seus pais não são mais seus referenciais. Agora são artistas, modelos, jogadores e os próprios amigos, pois passaram a conviver mais com eles do que com seus próprios parentes.

Na segunda instituição mais importante para a formação da criança, do adolescente e do jovem, a escola, a própria figura do professor vem sendo substituída pela mídia, nas chamadas tele-salas e nos cursos a distância. Cursos e aulas pré-estabelecidas segundo o modelo da classe de interesse. A intenção parece ser como de indústrias montadoras: o aluno sendo formado sem a possibilidade de alternativa, discussão.

Proibição recente

Claro que deve haver algo de positivo, mas com certeza o que prevalece é o fator econômico, não há sombra de dúvida. Prega-se que o melhor é fazer nossa própria vontade. Mas até onde a fazemos?

Vejamos outro exemplo: cervejas. Há embutida na cabeça de jovens e, agora, em adolescentes que quanto mais se bebe mais vantagens têm em relação ao outro. Para eles é até motivo de orgulho dizer o porre que tomou e suas conseqüências. Com certeza a ideologia aqui está associada à relação sexual e falta de iniciativa. A mídia procura oferecer as duas coisas. Resultado: maior lucro para seus mercadores.

A mídia tenta se justificar de maneira mais vil possível, pela inversão dos fatos. Ela diz apenas retratar a realidade como é. Não é verdade, pois por natureza ela é hipócrita. Ela se utiliza até de subterfugidos, como a linguagem subliminar, para atingir seus objetivos. Essa linguagem procura atingir principalmente crianças, adolescentes e jovens. Pode ser encontrada em quase todas as formas de comunicação. Às vezes deixam de ser implícitas e passam a ser diretas, explicitas, sem redundâncias.

São mensagens que no seu nível consciente não são percebidas, mas são registradas no inconsciente. Recentemente foram proibidas, pela agência brasileira reguladora de publicidade, propaganda que vinculava personagens de animação e animais a cervejas. Tais anúncios incentivavam as crianças ao gosto, à simpatia pelo hábito da bebida de maneira aparentemente inocente.

Tendências de comportamento

Filmes, desenhos animados, novelas, programas de auditórios, e principalmente os noticiários, são extremamente parciais. Há sempre uma idéia a ser jogada no ar. E entre tais idéias há os produtos a serem colocados nas prateleiras internas de cada lar, todos embelezados e apropriados para as suas maiores necessidades. Gerando um comportamento consumista naqueles que nem mesmo suas necessidades básicas são saciadas.

São inúmeros os exemplos que se poderiam citar para evidenciar as influências de interesses, teoricamente, de classe utilizando-se dessa ferramenta, a mídia, sobre parte da sociedade. Interesses de curto, médio e longo prazo, sobre as quais estão inseridas gerações de cidadãos brasileiros e do mundo.

O fato é que a mídia está sob o domínio de grupos de pessoas que detêm o poder e como tal a utiliza para a sua manutenção. Essa manutenção está associada à programação dirigida a crianças, adolescentes e jovens, pois a eles pertence o futuro. Sobre eles serão injetadas novas tendências de comportamento, quebras de paradigmas e inversões de valores. Quem viver verá.

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Físico, mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), especialista em Física Médica na área de Radiodiagnóstico pelo
Instituto Nacional de Câncer