Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1280

A irresponsável cobertura do caso Pizzolato

Da mídia alternativa, ou progressista, ou independente, ou não alinhada, ou seja lá o que for, esperamos algo diferente da mídia tradicional. Que seja mais crítica, inteligente, independente, ousada. Mas na recente cobertura de um fato central do escândalo batizado pela grande mídia como “mensalão” – a participação do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, no desvio de verbas do Fundo Visanet – o que observamos foi o mais do mesmo. Em matéria de 18 de novembro de 2013 (“Pizzolato revela na Itália dossiê que embaraça julgamento de Barbosa“) publicada pelo Correio do Brasil e reproduzida no Viomundo (ver aqui), o que vemos são os velhos instrumentos da grande mídia em toda a sua plenitude: sensacionalismo, tendenciosidade, desleixo na apuração de fatos, entre outros pecados mortais.

A matéria do Correio do Brasil, assinada pelo famoso “Da Redação”, manda uma bomba logo no seu início: “O pior pesadelo do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa (…) começa a se transformar em realidade”. O tal pesadelo seria um relatório de aproximadamente mil páginas que apresentaria provas de que o dinheiro que deu origem à Ação Penal 470 no STF era de uma empresa privada, e não de um ente público, como supostamente afirmaria o voto de Joaquim Barbosa. Logo de cara, um desleixo inacreditável: o ex-diretor do Banco do Brasil é apresentado na matéria como “Francisco Pizzolato”.

Seriam, portanto, mil páginas para tentar colocar de pé novamente um argumento que já havia sido derrubado ao longo da tramitação da Ação Penal 470. A defesa de Henrique Pizzolato alegou exatamente que os R$ 73,8 milhões retirados do fundo Visanet e transferidos para a DNA Propaganda de Marcos Valério teriam natureza privada. Foi por mero dever de ofício. Um simples telefonema para um estudante de Direito minimamente informado e os jornalistas responsáveis pela matéria descobririam que o tipo penal “peculato” – pelo qual, entre outros, Pizzolato foi condenado – incide quando verbas públicas ou privadas de que tem posse o autor são desviadas ou apropriadas. O que define o crime é se essa transferência indevida ocorreu “em razão do cargo”. O mesmo estudante de Direito iria enfatizar que o artigo 312 do Código Penal define como crime de peculato “apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”.

Sem compromisso

Depois de errar o nome do principal personagem da história e de se esquecer de consultar a lei, o Correio do Brasil sapeca outra impropriedade: para enfatizar o caráter privado do fundo Visanet, afirma que o seu maior acionista é o Bradesco, sem apresentar qualquer dado concreto que comprove tal afirmação. O mais importante para o leitor seria receber informações sobre como era constituído exatamente este fundo e qual era participação do Banco do Brasil no seu capital. Como não o fizeram os atores da matéria, faço eu.

O Fundo de Incentivo Visanet foi constituído por três grupos distintos no Brasil: o Banco do Brasil, o Bradesco e um conglomerado de diversos outros titulares minoritários que, juntos, detêm a maior fatia do bolo. Os recursos desse fundo deveriam ser utilizados nas atividades de seus acionistas na promoção de cartões de crédito da bandeira Visa. No período em que houve as retiradas de recursos pelas quais Henrique Pizzolato foi condenado, o Banco do Brasil detinha 32,03% de participação sobre o capital do Fundo Visanet. Individualmente, portanto, era o BB, e não o Bradesco, seu maior acionista.

A matéria também ressalta a existência de uma carta, que teria sido escrita pelo supostamente “tucano” Antonio Luiz Rios, ex-presidente da Visanet, dirigida aos peritos da Polícia Federal e que haveria, teoricamente, influenciado as perícias, a denúncia da Procuradoria Geral de República (PGR) e até mesmo a opinião dos ministros do STF. Aí, bastaria ao jornalista apelar para o bom senso. Uma carta? Como assim? Escrita espontaneamente, e com poder tal de persuasão que influenciaria perícia, PGR e a maioria dos ministros do STF?

Mais uma vez, não foi exatamente o que aconteceu. Na verdade, o Instituto de Criminalística solicitou à Visanet informações sobre a natureza de suas operações e sobre seu relacionamento com a DNA Propaganda. Em resposta, a entidade enviou um ofício ao Instituto de Criminalística no qual detalhava os seus mecanismos de atuação nas ações de marketing dos cartões da bandeira Visa. Foi esta informação prestada em caráter oficial, na qual se explicitava que cabia a cada banco acionista planejar e executar suas próprias ações de propaganda de seus cartões Visa, que guiou os trabalhos da perícia e que ajudou a embasar a opinião dos ministros do STF.

Matérias desse tipo, com tamanha desonestidade intelectual, atrapalham enormemente a atividade da mídia independente. Contribuem para ferir de morte a credibilidade da mídia não tradicional. Vestem-se de um chapa-branquismo caricato e de uma ingenuidade que beira o conspiracionismo. Esse sim é o pior pesadelo, não do presidente do STF, mas de todos os que defendem a pluralidade de informação: que mídia tradicional e mídia independente terminem por se igualar na falta de compromisso com a verdade.

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Cristiano Aguiar Lopes é jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados.