Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

A doença infantil do esquerdismo antimídia

Li Eugênio Bucci no Estadão de hoje [quinta-feira, 26/12] e Gabriel Priolli em seu blog. Considero-me amigo de ambos e não tenho por que fazer nenhum ataque pessoal – como é regra geral deste Facebook. Confesso-lhes que me irrita profundamente os ataques sistemáticos que a esquerda brasileira – em especial o PT e seus aliados – faz à chamada “grande mídia”, acusada de ser um partido de oposição ou, pior, de um partido “golpista”. 

Bucci diz com grande dose de acerto que, no Brasil, nossa imprensa, “é preponderantemente de direita e, muitas vezes, apresenta falhas de caráter, algumas inomináveis, mas nunca se perfilou com a organicidade de um partido político”. Eu acrescentaria: “como em qualquer outro país do mundo”. E perguntaria: “Que esperar da maioria da mídia de um país de economia capitalista? Que fosse de esquerda?”

A rigor, a grande mídia não é “de direita”, do ponto de vista ideológico, mas, sim, “conservadora” – como nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra, no Japão e na maioria esmagadora dos países. Nos Estados Unidos, a mídia mais conservadora se alinha aos governos republicanos. A menos conservadora, lá chamada de “liberal” (designação que, nos Estados Unidos, define as posições reformistas e mais à esquerda) apoia majoritariamente os governos democratas, ou seja, do Partido Democrático.

E vale notar que, historicamente, aqueles que sempre se opuseram aos conservadores são chamados de liberais – exatamente no sentido que esses partidos e seus seguidores têm nos EUA ou na Inglaterra. Outra coisa completamente diferente é o liberalismo econômico.

Doença infantil

Há no Brasil uma esquerda hidrófoba que realmente destila ódio contra a mídia brasileira e ameaça com frequência submetê-la ao “controle social”. Não considera ainda que as redes sociais da internet – num país com mais de 100 milhões de internautas – começam a ter um peso significativo, embora ainda aos trancos e barrancos, grupos de esquerda e tropas de choque sabidamente pagas para difamar, caluniar e demonizar todos os que denunciam a corrupção nos governos petistas. É claro que há honrosas exceções, entre portais e blogs de qualidade. 

Um argumento de Gabriel Priolli é significativo ao dizer que “somente o caso do Cartel do Metrô, falcatrua que envolve valores dez vezes maiores que o Mensalão, (…) está longe de ser tratada como “o maior escândalo de corrupção do pais” – assim como “está longe de ser minimamente noticiada”. Uma coisa não justifica a outra, Gabriel. E um escândalo não se mede pelo valor do dinheiro público desviado. Seja de R$ 150 milhões como o mensalão ou de supostos R$ 900 milhões como o da Siemens-Alstom-PSDB. 

O ex-secretário nacional de Justiça do governo Lula, Romeu Tuma Júnior, tem posição mais equilibrada do que a maioria dos petistas e tucanos que eu conheço. Leiam seu livro – Assassinato de Reputações – e reflitam nas acusações que ele faz à politização da Polícia Federal e ao próprio Ministério Público. Essas duas entidades – diz Tuma Jr. – têm alas petistas e tucanas que acabam engavetando denúncias contra medalhões seus líderes, como exatamente, ocorreu no caso do escândalo dos trens paulistas.

Estou terminando de ler o livro de Tuma Jr. Assim que finalizar a leitura, prometo fazer uma resenha sobre seu conteúdo. Antecipo apenas uma opinião de caráter geral a todos aqui: acho que petistas e tucanos devem lê-lo e levar em conta as denúncias, os fatos e as situações vividas pelo policial.

E não estou discutindo as mais desmoralizantes referências que ele faz contra o Barba – apelido de Lula nos tempos do Dops, em que, segundo Tuma, o líder sindical de São Bernardo foi o grande informante da polícia política, nos tempos da ditadura. Acho que a palavra está agora com Lula para defender-se. Não estou discutindo a execução do prefeito Celso Daniel, de Santo André, em 2002 – que Tuminha atribui como estudioso do processo policial ao PT. Aliás é estranho que os petistas honestos – que os há, creio – não busquem a verdade a fundo nesses crimes políticos, da eliminação de Celso Daniel e de Toninho de PT, prefeito de Campinas.

Como se compõe a mídia?

A esquerda não percebe a diversidade da mídia brasileira – que não se compõe apenas de jornais, revistas, rádios e TVs – aí incluídos os maiores veículos, como Folha de S. Paulo, Estadão, O Globo, Veja e Época, redes de TV, como Globo, Band, Record, SBT, RBS e outras – mas também revistas como posições muito diferentes, como Carta Capital, e revistas mais governistas como Carta Capital, ou independentes IstoÉ, como Piauí, Brasileiros, e veículos nanicos chapas-brancas, sustentados por partidos de esquerda ou publicidade estatal, como Vermelho, dois blogs famosos de coleguinhas nossos 22 emissoras públicas de TV, estatais, educativas e mais de 3.000 emissoras de rádio com as opiniões mais diversificadas, controladas majoritariamente, por políticos governistas, espalhadas pelo País. Que “pensamento único” poderá unir essa fauna tão diversa?

E notem que as 3.000 emissoras de rádio brasileiro (AM e FM) entram em rede nacional obrigatória toda noite, de segunda a sexta-feira, das 19 às 20 horas (horário de Brasília), no melhor estilo fascista do do Estado Novo, com um programa obrigatório de noticiário puramente chapa branca, governamental, criado em 1935.

Discordo de forma total mas com o maior respeito dos dois últimos parágrafos do artigo de Gabriel Priolli (ver aqui). Ele diz que “são reais, completamente reais, as bases da cobrança ao “partidarismo” da imprensa.” E nega que se trate “da doença infantil do esquerdismo manifestando-se contra uma valorosa ferramenta da democracia, senão da ressurgência e agravamento da doença crônica do sectarismo na mídia, comprometendo a própria saúde da democracia”. 

Quem tem sido mais sectário do que os críticos da mídia, inconformados com a denúncia de corrupção dominante nos governos petistas? Isso é, sim, a doença infantil do esquerdismo, que fecha os olhos a tudo que a mídia diz contra o governo. Prefiro dar mais crédito ao que dizem a ex-petistas, como Hélio Bicudo – o advogado que enfrentou o Esquadrão da Morte. Ou o próprio Eugênio Bucci, que conheceu por dentro os critérios políticos e éticos do governo Lula, na área da comunicação. 

Eterna desculpa

Priolli diz que “o Brasil não vai às mil maravilhas, certamente, embora haja muito do que ufanar-se, nas conquistas de anos recentes”. Essa é toda a avaliação do Brasil depois de 12 anos de governos petistas?

Eu gostaria que meu colega e jornalista dissesse que temos os muita corrupção, uma política tributária escorchante que nos leva quase 40% do PIB (equivalente às da Escandinávia) e nos devolve serviços públicos de padrão africano. Uma educação das piores do mundo. Saúde pública que desespera milhões. Transportes públicos que degradam e rebaixam o ser humano ao nível de animais. Segurança pública que apavora o cidadão honesto e trabalhador. Uma burocracia que destrói a competitividade nacional. Precisa mais?

Por que não estudar, não ler, não analisar os dois lados da história, não dizer toda a verdade? Dessa forma, não ficaremos nas mãos da imprensa que “relativiza ou esconde os malfeitos dos opositores dos petistas” – como diz Priolli.

Um de meus desafios a petistas e tucanos é simplesmente este: Vamos apurar a fortuna pessoal de todos os ex-presidentes e ex-governadores? A começar de Collor, Sarney, FHC e Lula. Mas é preciso ir a fundo nessa apuração, inclusive em parentes até terceiro grau e “laranjas” conhecidos? 

Vamos exigir a apuração rigorosa de todos os escândalos dos trens paulistas, da fortuna do Lulinha, dos donos do Friboi, do mensalão tucano. Tudo isso para que ninguém contraponha sentenças do STF decididas por maioria, numa corte com 9 ministros escolhidos por governos petistas.

Que tal, amigos. Vamos acabar com essa eterna desculpa de dizer que a culpa é da imprensa, aliás, como todos os governos corruptos fazem? Ou que “eles também fazem o mesmo”. Ou “não roubamos para nosso bolso, mas fizemos apenas caixa-2 para nosso partido, nosso projeto de poder”.

Leia também

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A imprensa de lado – Gabriel Priolli

 

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Ethevaldo Siqueira é jornalista