Dia 1o de fevereiro de 1960, cidade de Greensboro, Estados Unidos. Na rede de varejo Woolworth, num balcão reservado por lei a clientes brancos, quatro estudantes negros pedem café. A garçonete se recusa a atendê-los e insiste para que saiam, mas eles se negam. Ficam ali durante uma hora aguardando atendimento, até que a loja é fechada. No dia seguinte, duas dúzias de estudantes repetem o ato, o que atrai a atenção e a simpatia públicas. No fim do mês, já tinham ocorrido protestos – denominados sit-ins – em mais de trinta locais de sete estados. Dois meses depois, 50 mil estudantes haviam participado dessas ocupações, que logo se estenderam a outros locais proibidos aos negros, como piscinas públicas e igrejas.
Precedidos por algumas manifestações nas décadas anteriores, os sit-ins eram uma forma de desobediência civil, inspirada na filosofia (satiagraha, ou “firmeza na verdade”) e nas ações do Mahatma Gandhi. Eles se alinharam à centenária luta pelos direitos dos negros e pela demolição das abomináveis leis “Jim Crow”, que institucionalizavam o racismo nos EUA.
Palco de frequentes provocações e agressões de gangues racistas, a que os manifestantes não revidavam, graças a severos treinamentos baseados em sócio-psicodramas, os sit-ins eram respaldados por associações de luta pelos direitos civis e por líderes políticos e religiosos, como o pastor batista Martin Luther King, que os considerava “eletrizantes”. Em outubro de 1960, o reverendo participou de um sit-in em Atlanta e foi preso juntamente com 300 estudantes, soltos no dia seguinte. King permaneceu detido, sendo libertado após uma semana graças à intervenção dos irmãos Kennedy, em plena campanha presidencial; em 8/11, John foi eleito por estreitíssima margem.
Discriminação é intolerável
O sucesso dos sit-ins motivou, em 1961, os freedom rides, tática em que cerca de 400 militantes negros e brancos se engajaram para “dessegregar” ônibus interestaduais e as instalações nas rodoviárias exclusivas dos brancos. Alvos de severas agressões de bandos racistas com a conivência das polícias locais, os freedom riders foram precedidos por Irene Morgan, em 1944, e por Rosa Parks, em 1955, que “invadiram” a ala dos brancos em ônibus urbanos. Todos esses protestos são identificados como uma espécie de proto-Teologia da Libertação, ao estilo estadunidense.
O movimento pelos direitos civis teve fatos culminantes, como a Marcha sobre Washington, em 28/8/1963, em que um King eletrizado proclamou seu sonho; a atribuição do Prêmio Nobel da Paz ao mesmo King, em 1964; nesse ano, foi promulgado o Civil Rights Act, que aboliu todas as leis de discriminação e, em 1965, o Voting Rights Act pôs fim às barreiras aos direitos eleitorais dos não brancos. Quarenta anos após o assassinato de King, em 2008 foi eleito Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos.
Os sit-ins estadunidenses e os rolezinhos brasileiros teriam algo em comum? Não e sim. Não, porque os parça e as mina que acorrem aos shoppings provavelmente nem conhecem aqueles eventos, de 54 anos atrás; para eles, zoar, beijar e cantar funk ostentação não tem significado político-cultural explícito, nem remete a um utópico Woodstock de periferia. Sim, porque de dentro da aparente singeleza de diferentes manifestações não violentas eclodiu e sempre estará prestes a eclodir a consciência de que toda discriminação é intolerável e de que temos o direito de participar dos espaços que a sociedade nos apresenta e tal como os percebemos.
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Jorge Claudio Ribeiro, 65, professor titular do Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo