Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A glamurização do alcoolismo

O suplemento Equilíbrio, publicado às terças-feiras pela Folha de S. Paulo, divulga nesta semana um estudo inédito sobre alcoolismo no Brasil.

Há quinze anos, a mesma Folha publicava uma reportagem sobre a tolerância com drogas e álcool em algumas das principais universidades do pais.

Na ocasião, o repórter encontrou dezenas de seringas ao redor da sede da Universidade Metodista de Piracicaba, por exemplo, e constatou que havia um traficante instalado no campus da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Nos anos 1980, ainda traumatizado com o recém encerrado período ditatorial, o ambiente acadêmico brasileiro tinha ojeriza a qualquer idéia de ação colaborativa entre a Universidade e as autoridades policiais.

Na Universidade de São Paulo, um vice-reitor afirmou que usar ou não drogas era uma questão de livre arbítrio dos estudantes e que a instituição não iria intervir no seu direito de escolha enquanto isso não afetasse seu desempenho escolar.

Na época, o Crusp, Centro Residencial da USP, estava abandonado e havia se transformado em abrigo de traficantes – pelo menos um deles estava matriculado na universidade.

A tolerância com as drogas, em nome da autonomia universitária, se estendeu ao alcoolismo. Hoje, faz parte de certo ritual de passagem embebedarem-se os adolescentes que ingressam no curso superior. Muitos centros acadêmicos contam com patrocínio de distribuidoras de bebidas para as festas de recepção de calouros.

Tais celebrações muitas vezes resultaram em trotes violentos, que só foram colocados sob algum controle depois de alguns casos de morte com grande repercussão na imprensa.

As fabricantes de bebidas já perceberam essa oportunidade de negócio e há alguns anos vêm lançando bebidas alcoólicas disfarçadas de refrigerantes para induzir ao consumo fequente. Há bebidas para todos os figados, e uma das mais populares é conhecida como “vinho químico”, que pode ser visto nas mãos de jovens e adolescentes pelas ruas das cidades brasileiras quase sempre dentro de garrafas de refrigerantes.

Mídia e alcoolismo: tudo a ver

A reportagem do caderno Equilíbrio da Folha se refere a um estudo realizado na região metropolitana de São Paulo pela psiquiatra Camila Magalhães Silveira, do Instituto de Psiquiatria da USP.

Suas conclusões mostram o alto risco de uma pessoa que abusa do álcool desenvolver a dependência. A taxa é muito elevada: de cada três bebedores abusivos, um vai passar para o nível de doença crônica.

A melhor prevenção, segundo a psiquiatra, é fazer o diagnóstico na fase de abuso, quando é muito mais fácil conter o problema do que no estágio da dependência.

O estudo observa que há um padrão de consumo conhecido internacionalmente como “fiesta drinking”, que é o hábito de beber em quantidade excessiva nos finais de semana.

A cultura de “encher a cara” regularmente pode começar na recepção dos calouros na universidade ou até mesmo antes, nas baladinhas do colégio.

Para os jovens, o hábito representa grande risco de evoluir para o nível da dependência, que vai levar à queda no desempenho acadêmico e ao menor preparo para a vida profisisonal.

Para a sociedade, é o caminho que tem conduzido aos acidentes de trânsito que ultimamente ocupam as páginas dos jornais.

E o que a imprensa tem a ver com isso?

Mídia e alcoolismo: tudo a ver.

A hipocrisia é o comportamento dominante na imprensa.

As indústrias de bebidas são grandes anunciantes. Costumam patrocinar os programas de televisão mais populares entre jovens e adolescentes, como os humorísticos e as transmissões de eventos esportivos.

Embora o Conar – Conselho de Autorregulamentação Publicitária – seja relativamente atuante em casos de abusos, não se observa nenhuma ação sistêmica do órgão ou da própria imprensa no sentido de controlar ou regular o incentivo ao consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes e jovens.

Um jovem adulto é considerado, pela lei brasileira, como um cidadão na plenitude de seus direitos e deveres.

No entanto, a sucessão de eventos envolvendo álcool e direção perigosa está a aconselhar um movimento efetivo no sentido de reverter o crescimento do consumo de bebidas.

A imprensa tem um papel decisivo a cumprir nesse desafio.

A começar por questionar seu relacionamento com empresas que, de maneira explícita ou dissimulada, usam a publicidade para glamurizar o alcoolismo.