Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Carta aberta de um policial federal

A imprensa tem abordado o tema do aumento dos servidores da Polícia Federal. Recentemente, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em entrevista coletiva após participar de evento sobre segurança pública para a Copa e a Olimpíada, em São Paulo, disse que o governo federal não tem condições de reajustar os salários dos policiais federais devido ao agravamento da crise econômica mundial.

Acontece que a Polícia Federal vem sendo esquecida pelas autoridades federais há muito tempo. Embora suas operações de combate à corrupção, ao crime organizado, aos grandes sonegadores e aos traficantes internacionais de drogas e armas sejam louvadas e usadas como bandeira, para falar de um Brasil melhor e mais justo, quando o assunto é a remuneração da categoria o que se verifica é outra coisa. Por parte das autoridades, o que se tem é muita retórica, além de promessas que não se concretizam nunca.

Fazendo um levantamento estatístico dos últimos 10 anos, de 2001 a 2010, são encontrados números muito positivos sobre o desempenho da economia do país: o PIB cresceu 212,32% e a receita tributária, 264,49%, no período. Já a inflação na década alcançou índices de 89,84% (IPCA) e de 129,93% (IGP-M).

Analisando-se somente exemplos de carreiras do Executivo, o que se verifica é uma grande diferença entre as correções proporcionadas às remunerações dos servidores. Vejamos alguns números, começando pelos ocupantes dos cargos mais importantes. Em 2001, a remuneração do presidente da República era de R$ 8.885,48, enquanto a dos ministros de Estado era de R$ 8.362,80. Hoje, tanto a presidenta Dilma como seus ministros recebem R$ 26.723,13. Isso representa um aumento de 200,75% e de 219,55% em seus contracheques, respectivamente.

Nem a reposição da inflação

A tabela abaixo apresenta outros exemplos:

INSTITUIÇÃO CARGO REMUNERAÇÃO
EM 2001 (R$)
REMUNERAÇÃO
EM 2010 (R$)
VARIAÇÃO
AGU Procurador Federal 4.406,11 14.549,53 230,21%
MRE Terceiro Secretário 4.555,98 12.962,12 184,51%
Abin Oficial de Inteligência 3.229,84 10.216,12 216,30%
SRF Auditor Fiscal 4.268,12 13.067,00 206,15%
DPF Agente de Polícia Federal 3.960,26 7.514,33 89,74%

 

Uma análise rápida dos números apresentados é suficiente para se verificar a disparidade dos índices concedidos pelo governo. Principalmente, deixa claro que houve uma grande discriminação contra os policiais federais.

Destaco que utilizei o período de 10 anos como referência porque sou agente de Polícia Federal aprovado no concurso público realizado em 2001. Nesse período de exercício no cargo, com a perda de poder aquisitivo, fruto do desalinhamento nas correções salariais, confesso que não tenho muito o que comemorar. Somente como mais um exemplo da situação atual da categoria, há mais de três anos os policiais federais não recebem qualquer reajuste em seus vencimentos. Isso mesmo, nem a reposição da inflação foi concedida pelas autoridades federais.

Reajustes são fundamentais

Usando uma expressão que era bastante empregada pelo ex-presidente Lula, afirmo que nunca antes na minha história na Polícia Federal encontrei tantos profissionais desmotivados e insatisfeitos no trabalho. Muitos estão deixando o órgão e outros estão se preparando para deixá-lo. É uma pena ver tamanho desperdício de investimento em recursos humanos.

A pergunta que mais me incomoda é: a quem interessa uma Polícia Federal desmotivada e desprestigiada? De uma coisa tenho certeza: não interessa ao povo brasileiro e às instituições democráticas. Porque a missão da Polícia Federal não pode ser enfraquecida por razões conjunturais ou por sentimentos e valores menores. A PF não quer nenhuma vantagem especial. O que a Polícia Federal republicana quer é receber um tratamento republicano por parte dos governantes. Só isso.

Espero que a presidenta Dilma e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, promovam os ajustes necessários para que a simetria salarial entre as carreiras seja restabelecida. Isso é fundamental para que as investigações e os serviços prestados pela PF à população (emissão de passaportes, de certidão de antecedentes criminais, campanha do desarmamento etc.) possam contar com servidores reconhecidos e verdadeiramente motivados.

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[Carlos Alberto de Mello é agente de Polícia Federal]