Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Como a mídia vê os catadores de lixo

O processo de concentração e centralização de renda é fato e vem aumentando em todo mundo, não sendo, portanto, privilégio de zonas mais fragilizadas economicamente, como América Latina, África ou Ásia. O informe mundial sobre salários, produzido em 2008 pela Organização Internacional do Trabalho (disponível no site da OIT), demonstra que na Europa a renda média vem diminuindo a uma taxa de 0,5% ao ano. Também cresce o contingente de trabalhadores desempregados que migram para as atividades informais como forma de garantir algum tipo de rendimento.

Os resultados frios do citado informe se traduzem no que observamos em muitas cidades europeias (cito Barcelona, na Espanha, Porto e Lisboa, em Portugal, Berlim, na Alemanha, e Viena, na Áustria), ou seja, pessoas catando materiais recicláveis para posterior venda às indústrias de reciclagem, à semelhança do que ocorre nas cidades brasileiras. Recentemente, este tema tem ganhado importância nos noticiários austríacos devido ao elevado número de pessoas que saem à busca de recicláveis nas latas de lixo das principais cidades austríacas, alemãs, polonesas e demais países do leste europeu.

É interessante perceber como a imprensa austríaca trata a questão dos catadores de lixo, ainda mais quando a comparamos com a maneira pela qual a imprensa brasileira aborda a mesma questão.

‘À cata da vida’

Na matéria do dia 22/11/2009, disponível aqui, a ORF comentou o comércio informal de matérias recicláveis existente na Alemanha, Áustria, Hungria, Alemanha, Eslováquia e Polónia. Segundo a matéria, as pessoas estão comercializando resíduos devido aos elevados índices de desemprego, fruto da crise econômica europeia. A matéria também reivindica das autoridades públicas urgência na resolução dessa problemática, uma vez que é inadmissível que hajam pessoas sobrevivendo da coleta clandestina de resíduos, além, é claro, do perigo ao meio ambiente pelo fato dessa atividade ocorrer de maneira informal e, portanto, susceptível a acidentes como o que ocorreu em Goiânia com o césio 137, em 1987.

Uma das reivindicações do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis é que a sociedade brasileira reconheça sua dívida social por submeter os catadores a processos de exclusão/pobreza, de tal modo que estas pessoas usam como estratégia de sobrevivência a vida do/no lixo. Assim que os catadores pedem, sobretudo, igualdade de oportunidades em uma sociedade tão desigual como a brasileira. O Informe produzido em 2007, e disponível no site do Instituto Polis (‘Coleta seletiva com inclusão dos catadores: Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo, experiência e desafios’), traduz o leque reivindicativo dos catadores, sendo, portanto, recomendável para quem se interessa pela questão.

A matéria do dia 24/09/2006 do jornal O Povo titulada ‘À cata da vida’, mostrou de maneira competente o cotidiano dos catadores do centro de Fortaleza, ressaltando as dificuldades daqueles sujeitos em sobreviver de uma atividade laboral tão rejeitada e discriminada pela sociedade. No entanto, a reportagem ressalta que, apesar de excluídos, os catadores de Fortaleza exercem papel fundamental para a sociedade de consumo e acabam atuando como agentes ambientais.

As causas da exclusão social

Em outro exemplo de que, para os jornais brasileiros, os catadores são agentes ambientais, necessários e imprescindíveis para a sociedade, cito a matéria do dia 26/11/2009 do jornal Tribuna do Norte, disponível aqui.

‘Pelo fato de haver ocorrido no último fim de semana o Carnatal (carnaval fora de época da cidade de Natal, Rio Grande do Norte), a matéria destaca que durante os quatro dias de festa se produzem aproximadamente 18 toneladas de lixo. Nesse sentido, a matéria informa que com o intuito de garantir a limpeza no local do evento, a Prefeitura de Natal montou um esquema especial de limpeza. Também e mais importante, a Prefeitura reservou um espaço para a atuação das associações de catadores de materiais recicláveis, destinada à geração de renda e preservação do meio ambiente.’

Diferentemente de como os jornais brasileiros abordam a questão dos catadores de lixo, na Áustria há uma clara preocupação por ressaltar que essas pessoas somente estão catando materiais recicláveis por absoluta falta de oportunidades laborais outras. Essas pessoas não são necessárias à sociedade, tampouco devem sobreviver dessa atividade, já que a geração de lixo é uma responsabilidade individual.

Uma matéria jornalística que tenha interesse em investigar, a fundo, a problemática socioeconômica dos catadores do país deve explorar as causas dos processos de exclusão social que são submetidos estes sujeitos. Ainda, reclamar às instituições oficiais soluções no sentido de erradicar a existência destes sujeitos na sociedade; não apoiar o surgimento de gerações de excluídos para ‘incluí-los’ através da separação de materiais recicláveis, sendo, portanto, necessária a benevolência social para a melhoria nas condições de vida dos catadores do país.

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Doutorando em Geografia, Universidade de Barcelona, Espanha