Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Democracia e justiça social para o Egito

Os fatos que agora estão ocorrendo no Egito suscitam muitas questões, ligadas à Política e ao Direito, que devem ser objeto de observação atenta e reflexão, por suas implicações sobre a vida do povo egípcio e também sobre as relações internacionais.

Em 1952 um golpe militar destituiu a monarquia e implantou a república e desde então, embora tenha havido uma sucessão de presidentes eleitos, quem detém o poder é o Conselho Superior das Forças Armadas, que se mantém discretamente longe do noticiário.

Agora o povo foi às ruas para denunciar a situação geral de pobreza, o alto nível de desemprego, a falta de perspectivas para os jovens e o elevado índice de corrupção no governo, exigindo a destituição do presidente da República Hosni Mubarak. A polícia reprimiu violentamente o movimento popular, tendo havido confrontos sangrentos durante vários dias, até que surgiram nas ruas contingentes das forças armadas que fizeram cessar a violência, retirando a polícia do local, o que alguns órgãos da imprensa interpretaram como apoio aos manifestantes.

Uma conseqüência imediata dessa mobilização popular foi a renúncia do presidente da República, iniciando-se aí um processo político de alcance e significação ainda não definidos. Com efeito, o vice-presidente da República assumiu a presidência, mas desde logo ficou claro o caráter provisório dessa nova situação, abrindo-se a perspectiva de mudanças, como se tornou evidente por alguns fatos subseqüentes.

Hipótese afastada

Depois da queda de Mubarak, no dia 11 de fevereiro, o Conselho Supremo das Forças Armadas dissolveu o Parlamento, suspendeu a Constituição e assumiu ostensivamente o poder, mudando a postura discreta que vinha mantendo até então.

A partir de 1952, quando Gamal Abder Nasser assumiu o poder, todos os presidentes formalmente eleitos eram oriundos das forças armadas e sempre tiveram participação direta nas questões militares. É também significativo que, apesar das tremendas limitações econômicas que atingem o povo, as forças armadas egípcias dispõem dos armamentos mais modernos, de origem estadunidense e francesa, e muitos de seus oficiais fizeram ou fazem cursos nos Estados Unidos ou na França. Acrescente-se ainda que os orçamentos das forças armadas não precisam de aprovação do Parlamento, que nem conhece o seu montante e o seu teor.

Ao mesmo tempo em que ressaltam essas peculiaridades, os observadores da história recente do Egito consideram de grande relevância o fato de ter sido assinado um acordo de paz com o Israel, em 1979, assegurando o bom relacionamento entre os dois Estados. O que já se tem observado é que, em decorrência dos acordos mantidos com os Estados Unidos, a França e Israel, abrangendo as áreas de defesa e economia, o Egito torna-se obstáculo a uma grande aliança de Estados árabes que poderia ser a base de um conflito internacional de grandes proporções.

Outro fato expressivo é a grande ênfase dada pela imprensa ao aparecimento, na Praça Tahir, da entidade político-religiosa Irmãos Muçulmanos (ou Irmandade Muçulmana), cujos adeptos, em número elevado, foram mostrados em fotos e pela televisão, fazendo sua oração voltados para Meca. Alguns comentaristas manifestaram-se preocupados com esse fato, que poderia ser o ponto de partida para fundamentalistas religiosos tentarem assumir o poder, aproveitando-se da perturbação política. Entretanto, alguns dirigentes dos Irmãos Muçulmanos fizeram declarações públicas afastando essa hipótese, revelando-se também que anteriormente foram excluídos das forças armadas alguns de seus membros que se envolveram com entidades religiosas fundamentalistas.

Mais informação

O Conselho Superior das Forças Armadas – que, na realidade, detém o poder no Egito – publicou um comunicado, no dia 14 de fevereiro, fazendo um apelo para que cessem os protestos e os movimentos sociais, neste momento delicado, pois isso poderia acarretar conseqüências negativas.

Além do apelo, o Conselho advertiu que agirá severamente contra os que promoverem a desordem e o caos. E num aceno a mudanças prometeu realizar um referendum sobre uma nova Constituição para o Egito, tendo designado um antigo magistrado, Tarek Al-Bichri, figura respeitada no seio da magistratura, para chefiar um comitê encarregado de preparar uma proposta de reforma constitucional.

Qual será a orientação política do Egito a partir de agora ? Uma nova Constituição não significa, necessariamente, a garantia de uma ordem democrática, e nada foi dito de positivo sobre as reivindicações sociais. O dado novo é ter ficado evidente que os direitos fundamentais do povo egípcio estão menosprezados, dando-se prioridade à grande economia e à política internacional, fontes de benefício para uma camada dirigente.

Existem injustiças sociais graves, o povo tomou consciência disso, passou a exigir mudanças e teve a comprovação, pela destituição de Mubarak, de que a mobilização social pode levar a novas conquistas.

Democracia e Justiça Social estão na base das reivindicações do povo egípcio, sendo especialmente importante, a partir de agora, a divulgação dos fatos, especialmente das propostas de reforma constitucional, para que se possa avaliar o avanço do Egito rumo ao Estado Democrático de Direito.

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Jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da USP