Ninguém agüenta mais o horário eleitoral gratuito. Não falo de humores de ouvintes e telespectadores. Falo de audiência, números, gráficos. O tal horário gratuito (que de gratuito nada tem, pois ocupa espaço comercial das emissoras e consome neurônios e inteligência dos ouvintes/telespectadores) era um alienígena que surgia de tempos em tempos, próximo a eleições. Hoje está transformado em tortura quase diária.
Tudo isso num período em que a chamada ‘classe política’ está com sua audiência zerada com a população, por motivos que não preciso explicar. Claro que o tal horário gratuito é criado por lei. E que numa democracia as leis devem ser cumpridas. E quem não cumpre essa lei específica paga multas altíssimas que podem se transformar até em cassação do canal. Sim, o poder, quando quer ser moralista, é de uma voracidade impressionante. Quando se mostra ‘imoralista’ faz-se de morto.
Enquanto isso a audiência da internet só aumenta. Lógico. Nesse momento ouço uma emissora de blues de Chicago que acesso através do bravo portal www.radios.com.br, situado em Varginha, Minas, que disponibiliza dezenas de milhares de emissoras. De graça. Quem suporta ligar o rádio, a TV aberta e engolir hipocrisia, mentiras, enfim, aquela fala cínica e caduca dos partidos que se mostram donos da verdade, da ética, blablablá? Ninguém. Um dia desses peguei um táxi com DVD player instalado no quebra-sol. O taxista disse que instalou porque ‘os passageiros não agüentam mais ter músicas e notícias sérias interrompidas pelo ‘caô’ desses políticos’. Ele disse que no Rio já são dezenas os táxis com DVD a bordo.
E vai ficar por isso mesmo?
Tentando ouvir uma FM a partir das 20h, notei que a cada intervalo vinha a mesma falácia, de um mesmo partido que, sequer, teve o cuidado de fazer uma produção mais profissional e variada. Era a mesmíssima xaropada em todos os intervalos, até 10 da noite. Ninguém agüenta. Ninguém suporta andar de carro com vidros escuros, portas e janelas lacradas por causa da guerra civil ouvindo os políticos no radio vomitarem que ‘o Rio está maravilhoso graças ao nosso trabalho de sol a sol…’. Exigimos, no mínimo, respeito. Pelo menos o respeito da democracia norte-americana, onde os partidos políticos são obrigados a pagar a tabela mais cara quando querem anunciar seus produtos. Aqui, não. Baseados na lei, os partidos surfam no tal ‘horário gratuito’ e, para agravar, a mídia finge que não vê. Ou cansou de falar.
Até uma mula percebe que mais esse abuso do democracismo está ameaçando a mídia eletrônica porque, cada vez mais, as pessoas estão instalando aparelhos de MP-3 nos seus carros, ouvindo rádios internacionais online via internet e alugando DVDs para assistirem em casa, enfim, tudo para fugir do ‘caô’, da politicagem enterrada à força por nossa goela a dentro.
E vai ficar por isso mesmo? Ninguém está fazendo nada para manter viva a mídia eletrônica brasileira? Um dia desses tentei abordar um político sobre o assunto e ele, em off, foi claro: ‘Isso é vespeiro’. O que ele quis dizer? ‘Rádio e TV mexem com interesses muito pesados’ e ponto final. Não quis falar nada. Medo! Os empresário de rádio e TV também temem. Semana passada, à noite, num bar do Leblon, roda de colegas, um deles que estava em Brasília comentou que as emissoras estão, sim, sob forte pressão. O poder não se sacia com TV Senado, TV Câmara, TV Alerj.
A ema geme
O poder quer, apenas, tudo. Quer dizimar mesmo. ‘Às vezes fico pensando que o sonho de boa parte dos políticos é fechar as TVs e rádios porque assim teriam sua impunidade não revelada’, refletiu o colega de Brasília, que completou: ‘Eles sabem que o horário eleitoral arrasa com a audiência e, conseqüentemente, com o faturamento das emissoras. Daqui a pouco, de emenda em emenda, vão querer mais e mais horários até o povo zerar a audiência e todo mundo fechar as portas’. Alguém na mesa disse que ele estava radicalizando. Fato é que todo mundo ficou quieto. Até onde vai o interesse de grupos políticos em liquidar com a mídia eletrônica?
Fato é que você liga o rádio e eles estão lá. Quase todos os dias. Especialmente a partir das 8 da noite, logo após a Voz do Brasil, filha dileta do Estado Novo. A audiência noturna de radio só cai, desaba. Das TVs? Também. Mas o que não dá para entender é esse silêncio da mídia diante dessa chacina legal. Recentemente ouvia no rádio uma brilhante entrevista com o genial Paulo Autran ser dividida em duas partes para que um partido político metesse seu comercial de dois minutos no meio. Eu suportei aquele sonrisal sem água porque Paulo Autran merece, mas quantos não engoliram e desligaram o rádio? E na TV? No meio dos telejornais, das novelas, lá vêm eles com seus anúncios que vendem utopias e, eventualmente (desculpem), molambadas explícitas.
A ema geme. O cisne canta e fica tudo por isso mesmo? Fica o não dito por dito e vice e versa? Ninguém sabe, ninguém viu? A quem interessa a ruína da mídia eletrônica? Foi assim, no passo a passo, que Nero tacou fogo em Roma.
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Jornalista, radialista e escritor