Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Entre crendices e dietas o cidadão balança

Guia Alimentar para a população brasileira. (Foto: Reprodução)

“Seja crítico. Existem muitos mitos e publicidade enganosa em torno da alimentação. Avalie as informações que chegam até você e aconselhe seus amigos e familiares a fazerem o mesmo.”

Esse é o passo número 10 do Guia Alimentar para a População Brasileira, de 2017, do Ministério da Saúde, que alerta para falsas informações, em especial na mídia, frequentemente interessada em sensacionalismos alimentares. Alguns exemplos: comer muita cebola evita o câncer; alho acaba com micro-organismos nocivos além de ser anti-hipertensivo; leite de vaca causa osteoporose e é maléfico à saúde; carne animal diminui a expectativa de vida.

Basta pensar em algum alimento que a ele se credita uma fieira de benefícios ou danos. Possivelmente as crendices não caíram do céu. Existem intolerâncias ao açúcar do leite — a lactose — e à caseína, sua substância proteica; também é possível que se encontrem substâncias contra o câncer na cebola, mas a quantidade do vegetal necessária para se equiparar a uma dose de medicamento é tamanha, que mataria o paciente. O alho atua contra alguns micro-organismos nocivos, mas não se sabe se agride os benéficos.

No livro The Death of Expertise (O Fim dos Especialistas, em tradução aproximada), o escritor americano Tom Nichols, professor de questões de segurança, lembra o movimento a favor do leite cru no início da década passada e cita um artigo da revista semanal New Yorker, de 2012: “Por não ser aquecido ou homogeneizado, vindo com frequência de animais de pasto, tende a ser mais rico, doce, e retém um sabor/aroma que os conhecedores chamam, de forma atenuada, nádega de vaca”.

Não se tratou só de experiência exótica para iniciados em busca da sofisticação de um chef. Nem de debate sobre preferências, pois é de conhecimento público que gosto não se discute. Mas de risco à saúde — seus defensores o propagandeavam como mais saudável do que o pasteurizado. Ora, a pasteurização impede que bactérias nocivas prejudiquem a todos, principalmente crianças e grávidas. Algumas das infecções por E. coli, salmonella e C. ampilobactéria causam cólicas, náuseas, vômitos, diarreia, desidratação. E há risco de se tornarem sistêmicas.

Quanto às dietas que se popularizam, comumente visam emagrecer. O sobrepeso e a obesidade, claramente perceptíveis desde as últimas décadas do século passado, tornaram-se problema de saúde pública. Por conta disso, de tempos em tempos geram-se novas maneiras de perder peso. Em moda e bastante difundida nos Estados Unidos, a atual Low Carb é uma das herdeiras da dieta do Dr. Atkins (anos 1960), de elevado consumo de carnes e gorduras animais. De fato, estudos revelam que a digestão de proteínas aumenta o consumo de energia do organismo e leva à perda de calorias.

A atração desse tipo de regime alimentar, com quase ausência de carboidratos — massas, tubérculos, cereais, leguminosas — vem da saciedade prolongada.

Em 16 de agosto deste ano, a revista médica inglesa The Lancet publicou conclusões de um estudo sobre dietas low carb coordenado pela cientista Sara Seidelmann, do Women’s Hospital de Boston, EUA. Foram pesquisados 15.428 adultos entre 45 e 64 anos entre 1987 e 1989, em quatro comunidades de diversos níveis socioeconômicos, inscritos em um questionário sobre risco de aterosclerose. O estudo revelou que tanto a porcentagem alta de carboidratos quanto a de proteínas de origem animal ou vegetal eram prejudiciais à saúde. Já a proporção entre 50 e 55% de carboidratos vegetais prolongava a vida em quatro anos.

Doses excessivas de carnes têm a desvantagem de interferir no metabolismo do cálcio, desencadear problemas renais e piorar problemas cardíacos. Provocam a ingestão involuntária dos resíduos de antibióticos, usados nas rações para prevenir doenças do gado, das aves (principalmente frangos) e até dos peixes em criadouros (tilápias/saint peter). Conforme estudo da revista inglesa de medicina The Lancet (novembro de 2017, por Karen L. Tang e outros), a consequência inequívoca é o aumento de resistência das bactérias aos tratamentos, com prejuízos à saúde humana. Essas drogas devem obedecer a posologias determinadas e prazos de quarentena dos animais. No Brasil, a depender do criador de gado e da fiscalização deficiente, já se sabe: utilização ilegal dos antibióticos para apressar o crescimento, abusos quanto às dosagens e quarentena duvidosa.

Uma segunda dieta em voga é a alcalina. Consiste em 60% de frutas, legumes, verduras, raízes, grãos, nozes de qualquer tipo, água, chá verde ou de gengibre. E 40% de alimentos ácidos como carnes, ovos e pães sem açúcar, de preferência com grãos. A promessa é evitar câncer e doenças cardiovasculares, estimular o crescimento, favorecer a perda de peso, atuar contra a osteoporose, absorver melhor a vitamina D (que nada tem a ver com vitamina; é próxima de um grupo de hormônios derivados do colesterol).

Não há evidências sobre os efeitos da dieta alcalina, embora a proporção de frutas e vegetais beneficie a saúde em geral — facilita a digestão, diminui efeitos da hipertensão e, a depender das escolhas dos alimentos, ajuda a emagrecer.

A dieta baseia-se na crença errônea de que é melhor diminuir a acidez e aumentar a alcalinidade do organismo. Mas é a maravilhosa homeostase, mecanismo regulador das funções do corpo, que mantém o necessário pH de 7.35 e 7.45 (proporção acido/alcalina). Mudanças nesse equilíbrio, sim, indicam distúrbios.

Pergunta-se por que tanto apego a modas alimentares. Uma das razões possíveis é a sensação de autossuficiência, o poder de escolher e determinar a própria conduta sem a obrigação de prestar contas. Preferir alguma dieta alternativa à orientação do clínico ou nutrólogo evita prognósticos desagradáveis e um tratamento que exige força de vontade, esforço extra com exercícios orientados, às vezes um grupo de apoio psicoterapêutico. Mudança de comportamento alimentar demanda tempo, convicção, persistência e otimismo. Além de custar dinheiro. Tudo chato.

É possível que dietas alternativas como a low carb funcionem por um período limitado, sem prejudicar a seguidora ou seguidor. Para a nutróloga Mônica Inez Elias Jorge, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, isso ocorre porque depois de algum tempo a pessoa costuma desistir. “Fica monótono. Comer é prazer, é sociabilidade e afeto. Almoçar com colegas ou sair com amigos e pedir sempre a mesma coisa, enquanto outros escolhem pratos diversos, é um pouco frustrante. E pessoas muito radicais, seja qual for a dieta, correm o risco de se isolar. De outro lado, devido ao trabalho fora de casa tornou-se hábito comer em restaurantes ou lanchonetes e talvez se percam receitas familiares. É uma pena desaparecerem tradições e memória afetiva”.

Dietas, tipos de alimentação e preferências alimentares significam custos. Comer bem exige dinheiro. Em bairros afastados, a nutróloga Ana Claro Duran detectou desertos alimentares — ausência de feiras livres e sacolões onde se compra variedade e, a depender do horário ou dia da semana, com mais economia. A população mais pobre só encontra bares e pequenos empórios locais, com oferta de comida enlatada, biscoitos e bebidas açucaradas, o que contribui para a desigualdade em saúde. Mesmo quando há minimercados de grandes franquias, normalmente limitam-se a carnes embaladas e poucas hortaliças e frutas. Tudo é caro, meio envelhecido e pouco variado.

Mulheres e homens enfrentariam longos percursos até chegar a uma feira-livre e depois carregar os alimentos para casa. A ausência de alimentação equilibrada conduz ao sobrepeso, especialmente entre jovens, atraídos por hambúrgueres ou cachorros quentes com batatas fritas e bolachas, de vendedores espalhados nas redondezas dos transportes públicos.

A nutróloga Mônica Inez Elias Jorge recomenda a leitura e a consulta ao Guia Alimentar para a População Brasileira de 2017, no site do Ministério da Saúde, que permite a elaboração da própria dieta equilibrada. Trata-se de um trabalho admirável, dividido por grupos de alimentos, que respeita os hábitos regionais. Do Guia Alimentar são os 10 passos para uma alimentação sadia — uma boa prevenção contra sobrepeso e obesidade.

1. Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados.

2. Utilize óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades.

3. Limite o consumo de alimentos processados.

4. Evite alimentos ultraprocessados, que são aqueles que sofrem muitas alterações em seu preparo e contêm ingredientes que você não conhece.

5. Coma regularmente e com atenção. Prefira alimentar-se em lugares tranquilos e limpos e na companhia de outras pessoas.

6. Faça suas compras em locais que tenham uma grande variedade de alimentos in natura. Quando possível, prefira os alimentos orgânicos e agroecológicos.

7. Desenvolva suas habilidades culinárias. Coloque a mão na massa, aprenda e compartilhe receitas.

8. Planeje seu tempo. Distribua as responsabilidades com a alimentação na sua casa. Comer bem é tarefa de todos.

9. Ao comer fora, prefira locais que façam a comida na hora.

10. E o décimo, mencionado no início, que propõe a crítica às informações que enxameiam e o ceticismo em relação aos alimentos, dietas e produtos miraculosos.

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Judith Patarra é jornalista.