Monday, 11 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Qual o interesse do YouTube para o jornalismo?

(Foto: Natanael Ginting/Freepik)

O YouTube tem sido um objeto de bastante interesse para os estudos de jornalismo ao longo dos últimos anos por conta de dois aspectos, ambos negativos. O primeiro dos dois a atrair mais olhares dos pesquisadores da área é o papel do YouTube nessa grande máquina de “abocanhar” recursos de anunciantes online que a Google (hoje subsidiária da holding Alphabet após reestruturação do conglomerado) criou, estabelecendo o que na prática funciona como um duopólio composto pela Alphabet e pela Meta (ex-Facebook). Como apontado por Victoria Prego (2018), os valores que hoje empresas de praticamente todos os ramos investem para anunciar nos ecossistemas desses dois conglomerados, que no caso da Alphabet inclui também publicidade no principal site de buscas do mundo, em outros tempos eram suporte financeiro essencial para os meios de comunicação.

O segundo aspecto, que ganhou notoriedade recentemente e parece ter se tornado o principal tema de pesquisas sobre o YouTube na área de jornalismo, é o papel da plataforma nesse ecossistema de disseminação de fake news que ele compõe junto das demais redes sociais. Dentro desse universo existem inclusive tópicos de grande interesse para os estudos do campo, vinculados a especificidades que só são encontradas no YouTube, como o processo de ‘“rabbit hole” que tem um papel importante na radicalização de pessoas e acontece devido à forma de funcionamento do sistema de recomendação de novos vídeos que tende a ir gradualmente introduzindo conteúdos mais extremistas para o usuário. Embora os algoritmos de outras redes também colaborem para esse processo, tem se tornado consenso que no YouTube isso é acelerado e especialmente eficiente.

Seria então o YouTube um vilão na história do jornalismo?

Ambas as abordagens são importantíssimas e já trouxeram contribuições valiosas, mas a visão do YouTube como um atravessador que ajuda a desmantelar o modelo de negócios da imprensa e uma ferramenta de amplificação, e monetização, da extrema direita, embora absolutamente verdadeiras, talvez tornem difícil olharmos para as potencialidades dessa ferramenta. Pode soar ingênuo, mas acredito firmemente que não podemos desprezar o mundo de possibilidades aberto por uma ferramenta que permite que alguém publique conteúdo em vídeo gratuitamente, com uma infraestrutura tão mínima quanto um computador com webcam e conexão de internet. A verdade é que entregar jornalismo para um grande público sempre foi muito caro, sendo a história do jornalismo no século XX uma história de oligopólios controlados por algumas figuras da elite econômica, tanto no Brasil quanto em muitas outras partes do mundo. Iniciativas de contraposição a esses oligopólios existiram, sem dúvida, vide a riquíssima história da imprensa alternativa que lutou contra a censura e os desmandos da ditadura militar que comandou nosso país entre 1964 e 1985. Ainda assim, o alcance dessas iniciativas costumava ser limitado, não só pela constante necessidade de desviar dos controles estatais no caso de cenários ditatoriais, mas também pela ausência dos recursos que esse aumento de alcance exigiria.

Hoje o YouTube permite que alguém como Bob Fernandes, com décadas de dedicação à profissão e reconhecido por seus pares como um bom jornalista, crie seu próprio canal para fazer jornalismo, sem depender da infraestrutura de veículos como a Folha de S. Paulo e a revista IstoÉ, seus ex-empregadores. Também permite que jornalistas mais jovens, como Caio Teixeira, Heitor de Paola; e Henrique Sampaio, criadores de um canal especializado em videogames chamado Overloadr, disseminem o seu trabalho. Embora os vídeos que publicam hoje no YouTube sejam focados em gameplays, não em conteúdo jornalístico, o canal acaba sendo complementar para a divulgação de outras produções jornalísticas criadas pelo trio, como o podcast Primeiro Contato, uma série áudio documental sobre a origem e a decadência da indústria brasileira de jogos de computador.

Certamente, ao olhar para essas potencialidades, novos problemas são encontrados, alguns inclusive relacionados a aqueles dois aspectos problemáticos que citei no início do texto, como “não estariam as produções jornalísticas do YouTube ajudando a ampliar a crise dos demais veículos ao colaborar para o fortalecimento dessa plataforma?” ou “a eliminação da barreira de acesso não colabora para a erosão da credibilidade jornalística ao apresentar um vídeo de conteúdo jornalístico ao lado de um de teoria da conspiração no mesmo espaço como se fossem comparáveis?”.

A esses se somam outros e novos problemas, como o fato de que a redução drástica dos custos de distribuição não implica em uma redução tão grande dos custos de produção. Apurar continua sendo relativamente caro a depender das pautas e da abrangência da cobertura, e é muito comum ver no YouTube conteúdo que adere a formatos do jornalismo como o comentário/colunismo que, apesar de ter sim muito valor jornalístico, frequentemente se apoia em uma apuração feita previamente por outros, que nesse caso são geralmente os veículos da imprensa tradicional.

Ainda assim, e sem querer retroceder ao otimismo quase infantil que era comum nas discussões sobre as possibilidades da internet há 20 anos, nem apelar para a malfadada noção de que tecnologias são neutras, acredito na potência das possibilidades que uma ferramenta como o YouTube cria a despeito de todos os problemas que traz a reboque. Witschge e Deuze (2020) já falaram sobre a importância do encantamento em relação ao objeto de pesquisa, e acredito que podemos aprender coisas importantes ao nos deixar encantar, pelo menos um pouquinho, pelo jornalismo no YouTube. Em uma sociedade em que estamos todos envoltos por sistemas, as rupturas só podem partir, afinal, de dentro do próprio sistema, portanto não deixemos que os muitos e reais problemas que essa ferramenta traz, matem a nossa imaginação política do que pode ser criado com ela.

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Referências:

PREGO, Victoria. El periodismo ante sus dos mayores amenazas. Cuadernos de Periodistas: revista de la Asociación de la Prensa de Madrid, Madri, n. 36, p.5-8, 2018. Disponível em: http://www.cuadernosdeperiodistas.com/el-periodismo-ante-sus-dos-mayores-amenazas/. Acesso em: 14 mar. 2020.

WITSCHGE, Tamara; DEUZE, Mark. Da suspeita ao encanto na pesquisa em jornalismo. ESFERAS, Brasília, ano 10, n. 17, p. 1-17, abr. 2020. Quadrimestral. Disponível em: https://portalrevistas.ucb.br/index.php/esf/issue/view/610/showToc. Acesso em: 12 fev. 2022.

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Vinícius Augusto Bressan Ferreira é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPGJOR/UFSC) e pesquisador do objETHOS.