Monday, 06 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Um escritor “sem estilo”

Eduardo, de Santos, SP, meu amigo e companheiro de trabalho na SGS do Brasil, no início dos saudosos e não menos lastimosos (os dois pra mim) anos 1980, chegou ao trabalho e soltou um desabafo um tanto desolado:

“Dia desses entrei numa loja de discos e perguntei à vendedora se eles tinham João Nogueira. Vocês acreditam que ela simplesmente me disse que não sabia? Então, me aconselhou a procurar nas gôndolas, apontando para a seção de música sertaneja: ‘Veja aí, tem muita gente nova na praça, pode ser que esse já tenha chegado aqui na loja’.”

Meu amigo me disse que ficou ainda mais confuso quando soube que a moça, que não sabia nem mesmo quem era o “tal” João Nogueira a quem ele se referia, trabalhava ali há cerca de cinco anos. Evidente que não se poderia, nem se pode, esperar que todo brasileiro e brasileira soubesse, ou saiba, quem era, ou é, o consagrado cantor-compositor.

Mas, não seja por isso, pois, certa feita, um amigo do meu filho, o Fábio, estudante do curso de Letras da UERJ e que gosta de de vez em quando trocar umas ideias com a gente, chegou aqui em casa, não mais que de repente. Papo vai, papo vem, não sei por que cargas d’água, perguntei a ele: “Tu lê o Millôr?” O jovem estudante me falou simplesmente que desconhecia esse “tal” de Melô.

Falei pra ele que se tratava de Millôr Fernandes, o papa do humor no Brasil, pelo menos até os saudosos e não menos lastimosos anos 1980s. Um dos meus mestres. Até ensaiei um trocadilho infame, mas não me atrevi a soltá-lo, a fim de não confundir ainda mais a cuca do rapaz. Mas quase disse: “Melhor, Fernando, né?” Putz! Pois, como acho que diria o próprio Millôr: “Esse sujeito não é humano que nem eu!”

As coisas mudam

Agora vejamos. Não faz tanto tempo assim, textos do Millôr eram aplicados em vestibulares de universidades diversas, principalmente as federais, estaduais e as municipalizadas. Nos cursinhos de pré-vestibular, o Millôr era consagrado. Os pré-vestibulandos queimavam as pestanas lendo textos do “tal” escritor “sem estilo”.

O Millôr (assim como o Fausto Wolff e tanta gente que sabe lidar com as pretinhas ou coloridas do monitor) não tem curso superior, mas certamente tem conhecimentos superiores. Já me perguntaram: “Fernando, você tem nível superior?” E eu não me fiz de rogado, entendi bem o que o colega quis dizer com esse negócio de “nível”, e respondi: “Nível, provavelmente eu devo ter, mas não tenho curso superior.” Aliás, estou no mesmo “nível” do presidente Lula: fiz até a terceira série primária, lá em minha terra natal. Depois disso, fui elevado ao ensino, como dizíamos antigamente, ginasial, ou equivalente, quando fiz o curso de aprendiz-marinheiro, na Bahia.

A última vez que li o Millôr foi na revista Veja. Um brilhante savoir-faire que deu no que deu. Agora, tá lá o Millôr estendido no UOL. Uma das nossas fontes de pesquisa.

Bom, tudo bem mal, os anos se passam e a gente nem nota que as coisas mudam, não é mesmo?

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[Fernando Soares Campos é jornalista]