Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

De ‘International Herald Tribune’ para ‘International New York Times’

Esta é a última vez que você lê o International Herald Tribune; a partir de amanhã [15/10], ele será The International New York Times. Mas não chore: esta não é a primeira mudança de nome por que passa aquele que, em seus primeiros anos, era conhecido como Paris Herald, e se a genealogia de um jornal é refletida por seu nome (o pai original, The New York Herald, que chegou a ser o jornal mais lucrativo e popular nos EUA, terminou seus dias como The New York World Journal Tribune), o DNA de um grande jornal é definido pela evolução de uma interação complexa e íntima entre leitor e editor, entre o dono e a tecnologia.

E a maneira mais fácil de descobrir isso é no porão do jornal, naquelas pilhas de exemplares de velhos jornais, marrons e frágeis, que localizam interesses, dramas, opiniões globais e prazeres que mudam constantemente – aquilo que chamamos “notícias”.

Garimpar entre estes jornalões de época é um prazer que pode estar perdido para as futuras gerações, caso o “papel” desapareça dos jornais. As verdadeiras joias que estão enterradas entre essas pilhas não são, necessariamente, “os primeiros rascunhos da história” que os repórteres gostam de reivindicar como produtos seus – mais fáceis de acessar por meio de notas de rodapé e online –, e sim, uma obscura materinha numa página interna (“Seria a cabeleireira de Londres realmente uma espiã alemã?”), ao lado de um anúncio de um produto esquecido por um preço igualmente esquecido (“Tome as pílulas de fígado Carter… Limpam o estômago, o fígado e os intestinos de toxinas…”), ou a coluna social de uma época em que todo mundo sabia quem era todo mundo (“O sr. Irving Marks, um americano que mora em Paris, mudou do Georges V para o Plaza Athénée, onde pretende ficar por tempo indefinido”).

Proprietário extravagante

Muitas coisinhas à toa abrem nosso apetite por mais: um despacho de 1897 de Kronstadt, o porto de São Petersburgo, descreve a chegada do presidente Félix Faure, da França: “Mulheres desmaiam e pessoas completamente estranhas o abraçam efusivamente.” Por quê? O jornal de 20 de fevereiro de 1898 descreve como foram necessários 12 policiais parisienses, ajudados por duas das vítimas, para levar dois assaltantes à delegacia. Assim mesmo, um dos suspeitos teria escapado “se não fosse pelo surgimento de um policial gigantesco, que responde pelo nome de Napoleão e é mantido no local especialmente para dominar presos que criam tumulto”.

Isso era o que acompanhava o café diário da geração dourada de Um americano em Paris, da Geração Perdida (“Os EUA são a minha terra e Paris é a minha cidade”, declarava Gertrude Stein), dos soldados e turistas. O Paris Herald floresceu numa época em que a Inglaterra ainda respirava as sobras da era vitoriana, embora uma nova era social ascendesse rapidamente: uma charge que encontrei, de 1896, mostra duas mulheres descansando em frente a suas modernas bicicletas: Bell: “Por que é que todos os velhos romances terminam com ‘e eles viveram felizes para sempre’?” Nell: “Porque na época ainda não se conhecida a Nova Mulher.”

Com os tempos, o jornal evoluiu. A edição europeia, fundada em 1887 pelo rico e extravagante proprietário do New York Herald, James Bennett Jr., para seus compatriotas norte-americanos expatriados em Paris, estendeu-se primeiro para Londres (“para garantir uma entrega extremamente rápida do New York Herald em Londres, os aviões da Air Union Company transportam-no todas as manhãs” – 1932), depois por toda a Europa e finalmente para a Ásia.

Pilhas de jornais

De tempos em tempos, mudavam os nomes e os donos – tornou-se a edição europeia do The New York Herald Tribune em 1924; e depois, em 1967, The International Herald Tribune, pertencente a três donos, The Herald Tribune, The New York Times e The Washington Post. Essa trindade foi reduzida em 1991 ao Washington Post e ao New York Times, e depois, em 2003, apenas ao Times. E finalmente, a partir de amanhã, será The International New York Times.

Seja qual fosse o nome, a conexão entre o jornal e sua audiência é evidente há muito tempo. Já em 1911, uma revista de arte chamada Lotus observava: “Como todos os americanos que viajam para a Europa sabem, ou deveriam saber, o New York Herald publica em Paris uma edição europeia que é normalmente chamada The Paris Herald.” (O Herald havia divulgado uma denúncia do Museu do Prado, em Madri, de que a sua “Mona Lisa” era a verdadeira, e não a do Louvre.) E em seu 100º aniversário – comemorado com uma festa inesquecível no Trocadéro e com a Torre Eiffel, do outro lado do Sena, contratada como uma espetacular vela de aniversário – o Trib, também conhecido como IHT, tornou-se “o primeiro jornal global”, a leitura obrigatória e confiável de americanos e outros viajantes de língua inglesa, empresários, diplomatas, expatriados e jornalistas por toda a Europa e a Ásia.

Tornei-me um consumidor regular, e colaborador, quando fui para o exterior como correspondente, há 35 anos. Na época em que fui correspondente do New York Times na União Soviética pegávamos o Trib em pilhas, com nunca menos de três ou quatro dias de idade. Ainda assim, nós os devorávamos – não tanto pelas notícias, das quais então já estávamos a par, mas – como era o caso daquelas pilhas de jornais velhos dos Anos Dourados e da Era do Jazz do Paris Herald –, para saborear um pouco da vida no mundo lá fora.

Para que nossos netos se deliciem

É claro que muita gente vai lamentar esta última mudança de nome, como lamentam qualquer mudança. Entre as cartas ao editor que li nos jornais de antigamente, uma reclamava do “autofalante do rádio” e dos “chiados e guinchos de tenores e sopranos invisíveis” que enchiam os apartamentos parisienses; uma outra vociferava contra o aquecimento central – “O que há de mais confortável e saudável do que um bom fogão a carvão?”. E aprendi que os jornais se destacam por criar hábitos – os leitores fiéis resistem a qualquer alteração em sua dose diária.

Mas escondidos entre aqueles que lamentam a mudança sempre há alguns que a aprovam. O próprio jornal dedicou uma página inteira, em 1896, para aconselhar senhoras sobre a forma de andar de bicicleta e o que vestir (e comer – era na França) enquanto pedalam na bicicleta. Em 1932, um cidadão chamado James J. Montague enviou um poema (coisa que, por sinal, infelizmente, agora é muito rara) dirigido a uma criança que crescia numa época de avanços tecnológicos muito rápidos: “A previsão do progresso da ciência/ É de que quando você crescer/ Todo seu trabalho será feito/ Por células fotoelétricas”.

O fato é que o jornal The Herald/IHT/INYT (será esse o próximo apelido?) sempre foi, desde que nasceu, o filho de avanços tecnológicos revolucionários. Segundo a história do jornal escrita por Charles L. Robertson, foi a industrialização e o rápido desenvolvimento das viagens a vapor, a partir de 1850, que criaram essa nova classe de americanos ricos que atravessava o Atlântico. E foram os cabos telegráficos transatlânticos que tornaram possível, a partir de 1858, mantê-los em contato com seu país, com seus negócios e com o mundo. Na realidade, James Bennett Jr. foi decisivo ao baixar os custos das comunicações transatlânticas – e tornando economicamente viável, dessa forma, uma edição europeia de seu jornal – ao fazer uma parceria com outro magnata para quebrar o monopólio dos cabos transatlânticos da Western Union.

Desde então, o mundo não parou de encolher. A primeira transmissão transatlântica por cabo enviou 98 palavras em 16 horas. Atualmente, os fornecedores lutam para eliminar milissegundos da velocidade de transmissão via fibra óptica. Mas a profecia do sr. Montague – de tudo fotoelétrico, inclusive os olhos – não vingou, e levamos o mesmo tempo para ler aquelas 98 palavras do que se levava em 1858. Desde que isso não mude, ainda precisaremos de repórteres e editores confiáveis para por em ordem as imensas ondas de informação que varrem este nosso mundo caótico. Atualmente, precisamos que aqueles esboços em primeira mão, aqueles comentários e as notícias imparciais funcionem. E deveríamos ter esperanças de que nossos netos se deliciem ao encontrar guloseimas de nossa época, quando encontrarem este jornal em seu porão.

 

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Serge Schmemann é editor da página de Opinião do International Herald Tribune e membro da diretoria editorial do New York Times