Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Pesquisa: jornalistas têm medo de contrariar o sistema

Foram divulgados, no início de maio, os resultados da pesquisa The American Journalist in the Digital Age (“O jornalista americano na era digital”), realizada pela Universidade de Indiana. A pesquisa faz parte de uma série de estudos que visa sondar fatores como a satisfação do jornalista americano para com seu trabalho, seu posicionamento político e autonomia editorial, entre outros. Pesquisas similares foram realizadas em 1971, 1982, 1992 e 2002. Desta vez, foram entrevistados 1.080 jornalistas de diferentes editorias em dezembro de 2013.

Um dado que chamou atenção nos resultados foi que repórteres estão se mostrando cada vez mais resistentes ao uso de documentos não autorizados em suas reportagens, fato um tanto curioso exatamente por causa do período histórico no qual a pesquisa foi realizada: no auge da divulgação das revelações sobre a vigilância em massa feita pela NSA (a agência nacional de segurança dos EUA).

Ironicamente, em vez de o caso da NSA fortalecer a crença dos repórteres na necessidade da responsabilidade na publicação de informações não autorizadas pelos poderes constituídos, o resultado foi o oposto.

Segundo a pesquisa, “a percentagem de jornalistas norte-americanos que endossam o uso ocasional de ‘documentos empresariais ou governamentais confidenciais não autorizados’ caiu significativamente: de 81,8% em 1992 para 57,7% em 2013”.

Mudanças no rumo da História

Em artigo publicado no site Salon, o jornalista David Sirota demonstrou grande preocupação com esta informação em especial. Ele acredita que grandes furos jornalísticos poderão se perder caso caiam nas mãos de jornalistas temerosos em contrariar o sistema.

“O que teria acontecido a histórias importantes caso tivessem caído nas mãos de um desses quatro em cada dez jornalistas que se opõem ao uso de ‘documentos empresariais ou governamentais confidenciais sem autorização’?”, questionou, para oferecer a solução em seguida: “Provavelmente nunca teriam sido publicadas, e a História poderia ter se desenrolado de forma totalmente diferente. Talvez o livro A Selva [obra na qual Upton Sinclair denuncia os horrores das condições de vida e de trabalho dos operários na indústria de carne em Chicago] nunca tivesse sido escrito e, como consequência, os padrões de segurança alimentar nunca teriam se tornado lei. Talvez Richard Nixon tivesse completado dois mandatos. E talvez nós ainda soubéssemos muito pouco sobre o quanto o nosso próprio governo está nos vigiando.”

Sirota reconhece que não se deve descartar os problemas que vêm junto à realização do verdadeiro jornalismo investigativo. Ele sabe que esse tipo de denúncia inevitavelmente rende ameaças legais e intimidação, bem como o desprezo de profissionais de imprensa alinhados a grandes corporações ou ao Estado. Mas alega que tais custos são parte inevitável do trabalho. “Pelo menos se você acha que ‘o trabalho’ em si é divulgar informações de interesse público, sem temores ou favores envolvidos”, provoca.

Caminho mais fácil

Sirota diz que o grande problema é que muitos jornalistas ignoram os riscos inerentes à profissão e reduzem seu trabalho à divulgação de interesses corporativos ou governamentais. “É por isso que muitos repórteres em Washington condenaram publicamente a divulgação das espionagens da NSA. E também explica por que jornalistas financeiros muitas vezes defendem Wall Street”.

Ele diz que o caminho que evita o confronto com o poder muitas vezes é mais fácil, menos arriscado e mais lucrativo no ramo das notícias, por isso tornou-se o favorito. “Isso chegou a um ponto em que praticamente metade da imprensa não apóia a divulgação de notícias que vão contra o interesse de grandes empresas ou do governo”.

Sirota é radical e teme que, daqui a dez anos, os jornalistas assumam um caminho tão passivo que parem de publicar qualquer coisa caso não haja o consentimento expresso do governo e das grandes corporações. “Isso sem dúvida faria CEOs e políticos bastante felizes, mas seria uma tragédia para o restante de todos nós”, conclui.