Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A extinção do jornalista profissional

“Os ascensoristas foram substituídos por botões automáticos. Operários, nas fábricas, foram substituídos por robôs. Os caixas bancários foram substituídos por caixas eletrônicos. A empresa digital Amazon acabou com as livrarias e as lojas de música. O próximo será o jornalismo porque existem no mundo três bilhões de pessoas com smartphones que são ‘plataformas extraordinariamente poderosas para o jornalismo’. Neles, as pessoas podem escrever textos, bater fotos, gravar vídeos e, em seguida, transportá-los gratuitamente para a internet.”

A opinião é de Michael Rosenblum, fundador da Current TV. Seu argumento é simples: não há qualquer obstáculo para ser um jornalista. Qualquer um pode sê-lo. A diferença é que, hoje, o conteúdo produzido por qualquer pessoa encontra público diretamente nas redes sociais. Desta forma, o jornalista profissional se torna obsoleto.

“Todos gostamos da ideia de um carro sem motorista. Exceto que ela acaba com caminhoneiros, taxistas, motoristas de ônibus etc. A maior empresa de taxis do mundo, a Uber, não possui um único taxi. A maior empresa de hotéis do mundo, o Airbnb, não possui um único quarto de hotel. Num futuro não tão distante, a maior e mais poderosa empresa de mídia do mundo não dará emprego a um único jornalista”, sentencia.

Economia perigosa

O professor de jornalismo Roy Greenslade, que possui uma coluna no site do jornal britânico The Guardian, avalia o discurso de Rosenblum. “É claro que estamos caminhando na direção indicada por Rosenblum”, diz. “Entretanto, a pergunta que ele não faz é se isso será benéfico para o jornalismo e, por extensão, para o público.”

Greenslade pondera que, cada vez mais, os grandes jornais tradicionais demitem jornalistas de suas equipes. Muitas redações estão repletas de estagiários ou freelancers. Muitos deles trabalham quase de graça, por longos períodos.

Por outro lado, o conteúdo produzido por usuários, anunciado como uma espécie de virtude jornalística, é aceito como material jornalístico simplesmente porque é gratuito, não por ter um valor concreto. “A suposta virtude de um jornalismo do povo, feito pelo povo e para o povo não passa de uma maneira dos donos de jornais maximizarem seus lucros”, ressalta Greenslade. As empresas jornalísticas utilizam a tecnologia como uma maneira de reduzir os custos trabalhistas, e não como uma forma de democratizar e, portanto, melhorar seu conteúdo editorial.

Greenslade aponta para a diminuição do pagamento para freelancers na última década e para o enxugamento das redações, o que faz com que “meia dúzia de homens e mulheres com talento jornalístico concreto” produzam jornais com o mínimo de conteúdo possível.

Nada a comemorar

“Encher páginas com pseudojornalismo é, e sempre foi, fácil”, diz. “Isso pode ser feito, mas, além do lucro, o que se ganha com isso? O que o público ganha com isso? Um ex-aluno meu disse-me, no outro dia, que trabalha para um grupo em que um cidadão é o editor de 17 jornais locais semanais. Pode ser feito. Está sendo feito. Mas qual é o valor disso?”

O professor afirma que este “não é o jornalismo cooperativo que buscávamos, o jornalismo-cidadão que tanto nos entusiasmou desde o surgimento da internet”. Ele tem a aparência de jornalismo, mas é uma falsa atividade.

Não é que Michael Rosenblum esteja errado, mas não há nada a comemorar, afirma. “O jornalismo não é o equivalente a pagar uma corrida de taxi, ou repetir como um robô a tarefa de uma linha de montagem, ou alugar uma casa para as férias. É uma atividade criativa que protege a democracia ao questionar os que estão no poder.”

E, para que esta atividade possa ser feita de maneira correta, é preciso jornalistas apropriadamente remunerados por utilizarem seu talento em nome das sociedades em que funcionam. “Se o emprego do jornalista profissional realmente morreu, então morremos todos nós, pois isso significa que a própria democracia vem sendo ameaçada de extinção”.