Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Acampamento pró-Lula, 1º de maio e jornalismo para a paz

Texto publicado originalmente pelo objETHOS.

No último sábado (28), uma das primeiras notícias que li foi do atentado ao acampamento pró-Lula, em Curitiba, que havia deixado dois feridos. Durante a última semana, era sabido que várias cidades organizavam grupos para ir à capital paranaense no feriado da terça-feira, 1º de maio, onde o ex-presidente Lula se encontra preso na sede da Polícia Federal. Por questão temporal, a repercussão dessas atividades estará de fora desta análise e ficará a cargo dos leitores.

Pelo observado até este momento, as atividades do acampamento pró-Lula não são noticiadas na mídia mainstream. A notícia ocorre em casos como o citado acima, de atentado, violência, embate com grupos de direita. Isso nos lembra a cobertura das manifestações ocorridas em junho de 2013. Primeiramente, com a mídia hegemônica criminalizando as manifestações, encobrindo e até incentivando a violência policial. Pouco depois, nunca se ouviu tanto a palavra “pacificamente” na cobertura da Globo. Porém, é fato corriqueiro, uma vez que violência e tragédias, dentro do jornalismo, são valores-notícia.

O autor espanhol Xavier Giró relata que o jornalismo tradicional traça caminhos opostos aos da transformação de conflitos, pedindo pela instantaneidade e simplicidade das notícias e pela presença de drama e emotividade em suas coberturas (GIRÓ, 2012). Em outras palavras, o jornalismo tradicional se orienta por critérios clássicos de valores-notícia. “Os valores/notícia são a qualidade dos eventos ou da sua construção jornalística, cuja ausência ou presença relativa os indica para a inclusão num produto informativo. Quanto mais um acontecimento exibe essas qualidades, maiores são suas chances de ser incluídos.” (Golding e Elliot apud WOLF, 2003).

Nos sites e mídias sociais do Partido dos Trabalhadores (PT) e Mídia Ninja, por exemplo, é possível ver os bastidores do acampamento pró-Lula, bem como depoimentos de várias pessoas, de desconhecidos a personalidades como a Monja Cohen. A professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Carla Rizzotto, fez uma visita ao acampamento em Curitiba e compartilhou suas impressões em uma de suas redes sociais. “Estive no acampamento em defesa de Lula e o clima é de muito companheirismo. Eles receberam muitas doações e nas cozinhas do acampamento começavam a preparar o café da tarde. Quem está ali sabe bem que a prisão de Lula é política, sabe que eleição sem Lula é [mais uma etapa do] golpe. E por isso não arredam o pé. Estão ali lutando pela liberdade de Lula, mas mais do que isso, contra o retrocesso que representa o projeto político derrotado nas eleições. Lutam, assim, não só por Lula, não só por eles próprios, mas por mim e por você. Toda minha admiração e meu apoio pra essa gente”. Na última quarta-feira (25), a filósofa Márcia Tiburi também esteve no acampamento e seu depoimento pode ser pode ser conferido na página do Facebook do Mídia Ninja. Sua interlocução aproveita o clichê de se atribuir determinados comportamentos de indivíduos a questões sexuais e o direciona contra o discurso da direita fascista “triste e fria”.

O jornalismo para a paz — ou Peace Journalism — surge sob o guarda-chuva dos Peace Studies, ou estudos para a paz. O conceito, cunhado por Johan Galtung, se opõe ao jornalismo de guerra, amplamente disseminado. O último é voltado à vitória de uma das partes e apenas aos efeitos visíveis de uma guerra, enquanto, no jornalismo de paz, buscam-se maneiras de todas as partes serem beneficiadas, além do enfoque nos efeitos invisíveis de guerras, como traumas pessoais e danos na estrutura social (KEEBLE; TULLOCH; ZOLLMANN, 2010). Este tipo de jornalismo foi desenvolvido a partir de pesquisas que indicam que, muitas vezes, as notícias sobre conflitos têm um viés de valor em relação à violência. Também inclui métodos práticos para corrigir essa orientação, produzindo jornalismo na mídia convencional e alternativa, e trabalhando com jornalistas, profissionais de mídia, audiências e organizações em conflito.

Na página do PT na internet, podemos conferir uma galeria de fotos sobre os atos e atividades culturais no Acampamento Lula Livre e onde se lê: “Nesta sexta (27), a Vigília Lula Livre recebeu Iris Boff, irmã de Leonardo Boff, que participou do ato “Celebração pela Democracia”. Na parte da tarde houve apresentação do Coral Lula Livre, com “Cantorias para Lula” apresentadas por João Bello e convidados. No final do dia, será realizada a tradicional “Luzes para Lula”, quando os acampados iluminam a Vigília com velas e luzes de celulares em defesa do ex-presidente.”

Este tipo de texto, que, não fosse a polarização política brasileira atual, poderia tratar-se de uma matéria com valor humano, não é algo encontrado em matérias tradicionais, muito embora seja bastante utilizado em determinadas coberturas da Globo. Não obstante, esta mesma prática é igualmente criticada por estar mais voltada a explorar e expor os sentimentos das pessoas retratadas em nome de um jornalismo voltado para o lucro. A presença do drama, como menciona Giró.

Pode-se argumentar que não estamos vivendo numa guerra ou que não há guerras no Brasil. Oficialmente, não — à parte termos o exército comandando uma das maiores cidades do país. Não é necessário nem mencionar a tão repetida “guerra civil” envolvendo facções do tráfico de drogas, por exemplo. Mas a polarização político-partidária acirrada desde a reeleição da (agora deposta) presidente Dilma Rousseff levou segmentos civis a adotarem atos de guerra. Seja pelas armas (como no atentado ao ônibus de Lula, ou este mais recente, ao acampamento), seja em uma versão soft de “propaganda” (no sentido de propagação de princípios, ideias) de guerra que são as atuais fake news.

Em matéria sobre o 1º de maio, Dia do Trabalhador, o portal da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), explica que pelo mundo, ao longo dos anos, a ideia de que o trabalhador deveria ser um instrumento para o lucro dos patrões foi sendo questionada e as leis passaram a garantir, nas democracias, um novo papel para o cidadão.

“Os ventos desta mudança têm raízes na Europa e também na América. Em 1886, trabalhadores americanos fizeram uma grande paralisação naquele dia para reivindicar melhores condições de trabalho. O movimento se espalhou pelo mundo e, no ano seguinte, trabalhadores de países europeus também decidiram parar por protesto. Em 1889, operários que estavam reunidos em Paris (França) decidiram que a data se tornaria uma homenagem aos trabalhadores que haviam feito greve três anos antes. Em 1891, franceses consagraram a data de luta por jornadas até oito horas diárias. O século 20 acordou para o fato de que trabalhar mais do que essas oito horas seria considerado inconcebível. Os regimes escravocratas foram repudiados. Trabalho não deveria ser mais sinônimo de exploração”, diz a matéria, que finaliza assim: “Além de ser um dia de descanso, o 1º de maio é uma data com ações voltadas para os trabalhadores. Não por acaso, a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) no Brasil foi anunciada no dia 1º de maio de 1943. Por muito tempo, o reajuste anual do salário mínimo também acontecia no Dia do Trabalhador.”

Em 2018, desde a reforma trabalhista implantada pelo governo Temer, as leis do trabalho sofreram um revés. Espera-se, no entanto, que, ao menos, seja um dia de descanso. Em Florianópolis, sede do objETHOS, prometem-se sol e praia. Que em Curitiba, nas manifestações pró-Lula previstas, se não houver sol nem descanso, que haja luta. Porém, sem guerra. E nas coberturas, quem sabe, com um jornalismo para a paz. Bom feriado.

**

Juliana Rosas é doutoranda do POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS.

__

Referências:

GIRÓ, X. Análisis crítico del discurso mediático y pedagogía comunicativa para la paz. In: GONZÁLEZ, A. C.; LÓPEZ, M. C. (Eds.). Comunicación y cultura de paz. Granada: Editorial Universidad de Granada. 2012. p. 83-104.

KEEBLE, R. L.; TULLOCH, J.; ZOLLMANN, F. Peace Journalism, war and conflict resolution. Nova York: Peter Lang, 2010. p. 49-68.

WOLF, Mauro. Teorias da comunicação de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.