Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista que inventava matérias é impedido de advogar

Stephen Glass, ex-jornalista americano que ficou famoso por ter fraudado boa parte das reportagens de sua autoria, teve a emissão de sua licença para advogar revogada pela Suprema Corte da Califórnia na segunda-feira (27/1).

Glass formou-se em Direito em Georgetown alguns anos após a explosão do escândalo jornalístico protagonizado por ele. No fim da década de 90, descobriu-se que o jornalista havia inventado informações em pelo menos 27 das 41 matérias que assinou na revista The New Republic, onde era contratado. Glass também contribuía para outros veículos de prestígio, como a Rolling Stone e a extinta George.

“Caráter moral”

Em 2006, Glass foi aprovado no exame da Ordem dos Advogados da Califórnia, credencial necessária para exercer a profissão de advogado nos EUA – equivalente à prova da OAB no Brasil. Nos anos subsequentes, também apresentou um pedido de "determinação de caráter moral" e lutou para recuperar sua reputação junto à Ordem. Tal esforço incluiu uma audiência em 2010, para a qual convidou amigos e ex-colegas para testemunhar sobre sua reabilitação moral. Neste mesmo ano, um juiz do estado lhe concedeu a licença para exercer a profissão.

A decisão, porém, foi anulada esta semana. Em um documento de 35 páginas, uma comissão da Ordem dos Advogados expõe todas as ilegalidades jornalísticas de Glass e o rotula como “mentiroso de conhecimento geral e comprovado”.

“Muitos de seus esforços desde sua exposição pública, em 1998, até a audiência em 2010, parecem ter sido dirigidos principalmente ao próprio bem-estar, em vez de oferecer um retorno à comunidade", escreveram os juízes em decisão unânime. "Seu testemunho não demonstrou que ele se envolveu em conduta verdadeiramente exemplar durante período prolongado. Conclui-se neste registro que Glass não tenha sofrido o pesado ônus de demonstrar a reabilitação e aptidão para o exercício da advocacia".

Hollywood

A história da fraude cometida por Glass foi transformada em filme. O longa Shattered Glass, ou O preço de uma verdade, como foi intitulado no Brasil, foi lançado em 2003 pela produtora Lions Gate. À época, Glass chegou a justificar suas atitudes alegando que, durante a infância e juventude, seus pais exerceram pressão intensa e cruel para que ele tivesse sucesso acadêmico e social.

Glass sentia que o ambiente da revista New Republic era extremamente competitivo e que seus esforços jornalísticos não seriam capazes de deixar marca suficiente para assegurar sua permanência após o vencimento de seu contrato de um ano. Ele alega que começou a forjar os artigos após uma visita à casa da família, quando foi repreendido pelos pais por seu aparente fracasso “em uma carreira que eles consideravam inútil”.

Defesa

Curiosamente, uma das testemunhas a depor a favor de Glass foi Martin Peretz, proprietário e gestor da New Republic à época da publicação das falsas reportagens. Peretz culpou a si mesmo e, ainda mais, aos editores da revista por incentivarem Glass “a escrever artigos chocantes e simplórios, e por não reconhecerem a improbabilidade de algumas das histórias”. Ele não descarta a recontratação de Glass como jornalista.

O testemunho, bem como outros semelhantes, entretanto, não foi suficiente para dar ganho de causa a Glass. "O embuste de Glass também foi motivado por ambição profissional, delatando um espírito depravado, corrupto, e uma completa falta de compaixão por terceiros, juntamente à arrogância e preconceito contra diversos grupos étnicos", escreveram os juízes em sua análise final. "Considerando todos estes aspectos, sua conduta levou diretamente a questionamentos sobre seu caráter, que são fundamentais para a prática da lei. A honestidade é absolutamente fundamental na prática da lei”.

O documento completo com a sentença contra Glass pode ser lido aqui [em inglês].

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