Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Os dilemas dos correspondentes estrangeiros na era das redes sociais

Quando, no mês passado, atiradores começaram a disparar, indiscriminadamente, no aeroporto Ataturk, de Istambul, o jornalista britânico Laurence Cameron estava entre os primeiros que divulgaram a informação. A mensagem que ele colocou no Facebook dizia: “Algo está acontecendo no aeroporto, aqui em Istambul – todo mundo em pânico, gente gritando sobre bombas. Há boatos de um ataque.”

Dúzias de pessoas morreram durante o tiroteio e a posterior explosão de bombas, embora Cameron tenha conseguido fugir. Suas fotografias do ataque foram inicialmente postadas no Facebook e depois enviadas para a BBC News, The Guardian e a NBC.

A experiência por que passou Cameron é apenas um exemplo de como as redes sociais e as novas tecnologias mudaram a maneira pela qual a mídia divulga conflitos pelo mundo inteiro.

Segundo o Centro Pew, quase a metade da população mundial (43%) possui um smartphone e nunca foi tão fácil para os jornalistas encontrarem testemunhas oculares no local, divulgando as informações em tempo real através das redes sociais e vídeos com transmissão ao vivo.

E para os jornalistas que cobrem um acontecimento para sua seção, as redes sociais oferecem trajetórias para as fontes e para as matérias quase instantaneamente; trajetórias que nem existiam 10 anos atrás. “Atualmente, podemos acessar coisas de todos os lugares do mundo”, explicou Kim Bui, subeditora administrativa do site Reported.ly. “Isso abriu um mundo novo para nossas audiências – elas estão recebendo notícias que provavelmente nunca receberiam antes.”

Por outro lado, Kim Bui destacou a dificuldade de oferecer um contexto abrangente sobre as notícias de última hora a partir de sua editoria, ao contrário do que ocorre no lugar em que os fatos acontecem. Recentemente, ela voltou de um curso que fez na África do Sul, onde trabalhou numa matéria para a qual vem fazendo pesquisa há muito tempo. Ao ter uma experiência de primeira mão e poder falar pessoalmente com os entrevistados, ela acha que ganhou mais, em termos de conhecimento das complexidades da questão, do que teria ganho “por meio do Skype ou de uns poucos tweets”. “Esse é o perigo quando as pessoas obtêm coisas de tweets”, acrescentou Kim Bui. “Não se pergunta o que está acontecendo de fato nem se faz perguntas sobre outras pessoas.”

Sucursais no exterior sob ameaça

A reportagem internacional sempre foi cara e, considerando a atual redução de recursos com que funcionam muitas redações, muitos veículos diminuíram o número de suas sucursais no exterior.

As ameaças de grupos terroristas, como o Estado Islâmico – para o qual os jornalistas são uma commodity para ser capturada e assassinada –, também significam que atualmente muitas regiões se tornaram simplesmente inacessíveis a repórteres de campo.

O relatório State of the News Media de 2014 do Centro Pew revelou que o número de correspondentes estrangeiros trabalhando para jornais norte-americanos teve uma queda de quase 25% na última década – de 307, em 2003, para 234 em 2011. E embora alguns veículos trabalhem com freelancers e temporários locais para preencher a lacuna, existem questões em relação à segurança e a um pagamento adequado a respeito dessa prática. “Não há dúvida alguma de que excelentes correspondentes estrangeiros têm que depender muito mais de conteúdo gerado pelos usuários no presente do que no passado”, disse David Clinch, editor-chefe do site Storyful.

No entanto, embora as redes sociais possam oferecer um acesso inédito aos acontecimentos de última hora, elas também trazem uma necessidade crescente dos jornalistas terem pelo menos um nível básico de capacidade de checagem. Afinal, não são apenas os jornalistas e as testemunhas oculares que postam mensagens nas redes sociais quando o fato ocorre.

Assim como os inevitáveis farsantes e provocadores, os grupos terroristas estão “tão atuantes quanto as pessoas que cobrem os acontecimentos”, segundo David Clinch.

Em fevereiro, o Twitter anunciou que no ano passado havia fechado 125 mil contas devido a “ameaças ou apoio a atos terroristas, principalmente relacionados ao Estado Islâmico”.

Várias organizações surgiram para ajudar os jornalistas a melhorarem sua compreensão de verificação e da ética do conteúdo gerado por usuários [UGC, na sigla em inglês] – a Storyful, evidentemente, mas também Eyewitness Media Hub e First Draft News.

Assim como Kim Bui, David Clinch também destacou a necessidade dos jornalistas fornecerem contexto adicional, e não simplesmente exercerem a função de curadoria da notícia, “para ajudar as pessoas a compreenderem aquilo que estão vendo, e não apenas olhar para corpos despedaçados ou para a explosão de tanques.

Pressões sociais

As redes sociais não só ultrapassaram a abordagem da reportagem de rua que fazem muitos jornalistas como também teve um impacto irrevogável na maneira pela qual os repórteres se apresentam, assim como ao seu trabalho.

Emma Beals, que fez reportagens em lugares como Síria, Iraque e Uganda, disse ao Journalism.co.uk: “Quando você está em campo, você sente a pressão por estar disseminando informação ou, de alguma forma, construindo sua marca.” E ela explicou que essa pressão não só torna “muito difícil desligar” como pode ser uma ameaça à segurança em circunstâncias nas quais os repórteres podem não querer revelar onde se encontram.

Emma Beals também disse que se sente mais vulnerável às campanhas de ofensas e de ódio quando está em campo do que quando escreve a reportagem de um lugar relativamente seguro, como um escritório. E embora as redes sociais ofereçam oportunidades para opiniões de fontes múltiplas ou para um debate ao vivo, isso não é apropriado para todas as matérias. “Escrever artigos baseados em tweets dá muito certo se você está discutindo a reação à saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Mas é muito diferente quando você está discutindo se foi ou não cometido um crime de guerra numa determinada região somente com base nesse conteúdo”, destacou Emma Beals.

Plataformas essenciais

A plataforma de mídia para o trabalho de Emma Beals é o Twitter, embora ela diga que tenta “recuar conscientemente” quando está em campo para evitar ser engolida pela urgência da plataforma e dar declarações que não são necessariamente úteis. “Eu preferiria esperar uns dois dias e ter uma ideia mais clara da conversa para depois contribuir de uma maneira que tenha um pouco mais de fatos”, explicou.

No site Reported.ly a equipe publica primeiro no Twitter, mas também conversa muito com as pessoas via aplicativos de chat, como WhatsApp ou Telegram, não necessariamente para usar na reportagem, mas para ajudar na pesquisa de bastidores, na checagem e no contexto.

O vídeo com transmissão ao vivo também vem se tornando matéria-prima nas reportagens sobre conflitos e foi popularizado por redes como AJ+, que usou o Facebook Live para transmitir uma reportagem interativa sobre refugiados atravessando a fronteira da Áustria com a Alemanha. Assim como o Facebook Live, aplicativos como o Periscope permitem que qualquer pessoa que tenha um smartphone tem acesso fácil para emitir um vídeo em tempo real.

Os acontecimentos que se seguiram ao assassinato de Philando Castile – um homem negro que foi morto por um policial durante uma parada de trânsito de rotina, em Minnesota – foram transmitidos ao vivo pela namorada de Castile no Facebook Live.

Quando ocorre algo importante e as imagens começam a ser disseminadas pelas plataformas de transmissão em tempo real, os jornalistas têm, literalmente, “câmeras ao vivo prontas para funcionar”, disse David Clinch. Ele lembrou ter ouvido que, logo após os atentados de março em Bruxelas, os jornalistas observavam testemunhas oculares transmitindo ao vivo, pelo Periscope, identificando sua localização pelo mapa do Periscope e em seguida pulando para dentro de um táxi. “Se você não tiver, em sua equipe, alguém que saiba mexer com o Periscope, você perde a oportunidade de ver testemunhas oculares, relatos de pessoas que realmente estavam ali e dicas de direções que seus jornalistas devem seguir”, disse ele. “Isso é a coleta de notícias no estilo do século 21 e é o que todos os jornalistas deveriam estar fazendo.”

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Abigail Edge é uma jornalista freelancer