Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Rússia nega visto a jornalista americano crítico a Putin

A Rússia expulsou, pela primeira vez desde a Guerra Fria, um jornalista americano de seu território. David Satter, que vivia em Moscou, não teve seu visto renovado no fim do ano passado e está proibido de entrar no país por cinco anos. Autor de três livros sobre a Rússia e a União Soviética, ex-correspondente do Financial Times em Moscou e correspondente nas emissoras Radio Free Europe / Radio Liberty (financiadas pelo governo dos EUA), Satter é crítico do governo do presidente Vladimir Putin.

A medida deve estremecer definitivamente as relações entre Rússia e EUA, que já vinham apresentando problemas por conta de disputas sobre o Irã, a Síria, questões de direitos humanos e a decisão da Rússia de dar asilo temporário ao ex-analista de inteligência Edward Snowden, responsável por um enorme vazamento de dados confidenciais do governo americano.

Em seu site pessoal, Satter escreveu: “Fui expulso do país (…) Este é um precedente ameaçador para todos os jornalistas e para a liberdade de expressão na Rússia”. O jornalista afirma que no mês passado voou até Kiev, na Ucrânia, para receber uma nova carta-convite para entrada em território russo, mas recebeu apenas um comunicado – lido a ele por um diplomata russo – declarando-o persona non grata: “Os órgãos competentes concluíram que sua presença no território da Federação russa é indesejável. Seu pedido de entrada na Rússia está negado”, dizia o documento.

Versão oficial nega extradição

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores russo, que também é responsável pela emissão de credenciais a jornalistas estrangeiros, Satter foi impedido de retornar ao país após violar grosseiramente os regulamentos de visto. O jornalista foi acusado de não entrar em contato com o serviço de migração federal assim que chegou à Rússia. “Na verdade, este cidadão permaneceu em território russo ilegalmente de 22 a 26 de novembro”, alega o Ministério. Por isso, um tribunal de Moscou optou por deportá-lo. Uma porta-voz da corte confirmou a sentença.

Satter voltou a rebater a acusação de violação das regras de renovação de visto em seu site e descartou a versão oficial, alegando que havia seguido todas as instruções. Ele culpou o Ministério das Relações Exteriores por causar atrasos que levaram ao seu afastamento. Segundo ele, o Ministério atrasou a entrega da carta-convite, obrigando-o, assim, a ir a um tribunal para pagar uma multa antes de voar a Kiev a fim de reiniciar o processo de solicitação de visto.

Já o Ministério refutou as declarações de Satter, dizendo que este havia deixado a Rússia em 4 de dezembro e que o visto fora recusado quando ele quis voltar. “Ele é apenas mais um dos cerca de 500 mil estrangeiros impedidos de entrar na Rússia por períodos de três a dez anos por violar a lei”, acrescentou o órgão.

Imprensa “tendenciosa”

Veículos de comunicação ocidentais sugerem, no entanto, que a medida contra Satter tenha motivação política. Em um de seus livros, Darkness at Dawn (Madrugada Sombria), o jornalista chegou a acusar o Serviço Federal de Segurança, sucessor da KGB, de ser responsável por atentados em edifícios russos em 1999 que mataram mais de 300 pessoas.

O órgão de segurança, que na época era dirigido por Putin, refutou a acusação. Na ocasião dos ataques, as autoridades russas culparam os separatistas da Chechênia. Os crimes nunca foram solucionados. O Ministério das Relações Exteriores russo também rejeitou a acusação da imprensa internacional, chamando-a de “tendenciosa”.

Já o governo americano se disse decepcionado com a atitude russa, e levantou a questão perante as autoridades em Moscou. “A Embaixada dos EUA em Moscou elevou nossas preocupações sobre esta situação e sobre o tratamento dispensado pelas autoridades russas a jornalistas e organizações de imprensa em geral”, disse Marie Harf, porta-voz do Departamento de Estado americano. “Vamos continuar a acompanhar o caso”.

A Radio Free Europe / Radio Liberty disse à embaixada dos EUA em Moscou que também buscou uma explicação por parte das autoridades russas, mas não obteve sucesso.

Jogos de Inverno

O tratamento dado a Satter pode alimentar ainda mais a preocupação com a liberdade de expressão na Rússia, que sedia em fevereiro os Jogos Olímpicos de Inverno, em Sochi. Embora Putin pareça estar tentando apaziguar os críticos – libertando, por exemplo, o ex-magnata do petróleo Mikhail Khodorkovsky e membros do grupo Pussy Riot –, tais gestos podem representar muito pouco se for considerado que a Rússia tem enfrentado outros problemas que prejudicam sua imagem no exterior, tais como os atentados com mais de 30 mortos em dezembro, em Volgogrado, e a aplicação de uma nova lei que proíbe “propaganda gay”.

David Satter, que atualmente se encontra em Londres e continua a atualizar sua conta no Twitter e seu site com informações sobre o caso, recebeu apoio até mesmo de organizações russas de direitos humanos, como a Memorial, que enviou uma carta ao chanceler russo, Sergei Lavrov, para criticar a extradição do jornalista.