Wednesday, 22 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1321

O Jornalismo entendeu a crise ecoclimática?

(Foto:
Fernando Frazão/Agência Brasil)

Ao longo deste ano de 2024, os pesquisadores do Observatório do Jornalismo Ambiental, ligado ao Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (GPJA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), produziram uma série de artigos críticos com foco na atuação da imprensa diante das questões climáticas. Foram 46 textos – contando com este, que finaliza o ano – com diversas abordagens e reflexões. A relação de títulos, com os respectivos links, está mais abaixo. É uma ótima sugestão de leitura de férias para quem ainda não leu e quer ter um panorama sobre como o jornalismo brasileiro tem se relacionado com a realidade ambiental e com seus públicos neste período.

Abrir um texto, já no título, com uma pergunta é uma opção que pode ser até interpretada como uma irresponsabilidade, ainda mais quando a resposta tende a não ser totalmente conclusiva. Nesse caso, é possível que alguém considere haver até uma certa prepotência do escritor, que carece de dados de uma pesquisa ampla, caso haja a pretensão de respondê-la. Já adianto aqui que não tenho essa intenção, mas que também não é uma pergunta retórica. Trata-se de uma inquietação que me parece importante compartilhar com leitores que talvez possam ajudar a elucidá-la ou a ampliar a reflexão sobre o tema.

Além de uma questão de difícil conclusão, fica claro que tenciono com um possível neologismo. Entendo, particularmente, que a crise climática que estamos vivenciando tem ligação direta com o descaso ecológico a partir do qual a sociedade está indicando o rumo a seguir. O clima não está mudando só por pressão extraterrena – como, por exemplo, devido à intensa atividade do Sol – e pela propalada ciclicidade das mudanças climáticas. Existe, como já identificado pela ciência há algumas décadas, uma forte influência das atividades humanas. Essas atividades, a exemplo da mineração de carvão e extração de petróleo, causam impactos ambientais e estão no início de processos de geração de poluentes climáticos. Os problemas, que vão muito além disso, se somam e se retroalimentam em uma escalada ecocida de difícil recuperação.

Daí a ideia de que a crise não é só climática nem só ecológica, mas sim a soma dessas duas dimensões diretamente interligadas, sem desconsiderar ainda outras possíveis camadas que incidem sobre esse ponto. Sim, o tema é complexo e, por isso, exige abordagens à altura. O jornalismo é capaz de fazer isso, mas, para tanto, precisa fazer valer suas melhores características. Cabe ressaltar ainda que o jornalismo é feito por humanos, uma das espécies que integra a biodiversidade da Terra. A amplitude do olhar, a empatia, a ética, o desprendimento e os sentidos de precaução e prevenção precisam estar presentes, cooperando com a boa prática do fazer jornalístico.

O percurso de pesquisas acadêmicas sobre Jornalismo Ambiental, com mais de 15 anos de dedicação ao tema no âmbito do GPJA, tem apontado caminhos significativos. Os pressupostos desse jornalismo engajado com as pautas de defesa da vida apontam para a relevância da contextualização correta, da visão sistêmica, da mudança de pensamento, da antecipação dos riscos – o princípio da precaução. Isso tudo buscando a desnaturalização da visão hegemônica sobre os fatos e a aproximação com os interesses da cidadania e da ecologia enquanto condição necessária à manutenção da vida no planeta.

Se 2023 foi o ano mais quente já registrado na história humana, 2024 está na fila pedindo passagem. Os dados de temperatura máxima e média deste ano ainda não estavam consolidados no momento da publicação deste texto, mas o saldo de eventos climáticos extremos, amplamente noticiados, já davam indícios de que a crise climática não pode mais ser negada e precisa ser enfrentada com urgência.

O jornalismo é obrigado a noticiar catástrofes, contar mortes e contabilizar prejuízos, mas não deve se ater a isso. Não é mais possível reduzir manchetes e reportagens climáticas a meras notas de pé de página. A pauta ganhou espaço nas redações. Mas como isso está sendo feito e que impactos tem gerado na população? Encerro com isso, com mais uma pergunta para te propor buscar respostas na produção deste ano do nosso grupo. Insira seus comentários. Os links seguem abaixo. Boa leitura e um ótimo final de ano! Que 2025 seja bem melhor!

  1. Pessoas e cultura valorizadas na editoria de meio ambiente
  2. De Cop em Cop, onde estão os avanços?
  3. 2023 foi chamado de o ano dos extremos, o que falar de 2024?
  4. A crise climática na cobertura jornalística das catástrofes em Valência e Porto Alegre
  5. Sul21 e o jornalismo a serviço da pauta ambiental nascida no cotidiano
  6. Em um mundo mais seco, jornalismo deve ser terra fértil para compartilhamento de soluções
  7. Questões ambientais se diluem no debate público e na cobertura jornalística sobre as eleições municipais em Porto Alegre
  8. Observação do tema desastre climático nas eleições de Porto Alegre constata descompasso entre a campanha e a preocupação da população
  9. Lembrança do desastre climático que atingiu Porto Alegre foi para o ralo de onde saíram as águas fétidas que inundaram a cidade 
  10. Como Zero Hora pauta a questão climática no contexto eleitoral de POA
  11. Jornalismo e o “espírito da época” nas cheias de maio
  12. Há cortina de fumaça nas eleições municipais?
  13. Enchentes e seus desdobramentos na disputa pelos votos na eleição de Porto Alegre
  14. A questão climática no centro das eleições de Porto Alegre
  15. A ponte informacional e o jornalismo independente na resistência do povo Guarani-Kaiowá
  16. O LIXO – do luxo de ser manchete ao silenciamento do Jornalismo no pós-enchente
  17. Eleições no horizonte: pauta ambiental municipal e o papel do jornalismo
  18. Mais do que carvão: por um jornalismo que acredite noutras potencialidades da economia candiotense 
  19. Racismo ambiental: mídia independente traz debate silenciado no jornalismo corporativo
  20. Jornalismo de soluções ou mais do mesmo: o insuficiente discurso da reconstrução
  21. Podemos repetir os mesmos erros? A reconstrução do RS na pauta dos portais de notícia
  22. Pequenas notícias, grandes negócios
  23. A responsabilidade da imprensa hegemônica na catástrofe climática do RS
  24. A repercussão internacional do desastre climático do Rio Grande do Sul
  25. O papel dos veículos independentes na cobertura da catástrofe do Rio Grande do Sul
  26. Com apuração e checagem, jornalismo mostra ações antiambientais na base do desastre climático no RS
  27. Tragédia no RS: jornalismo deve abordar causas e conexões entre eventos climáticos extremos
  28. Acerca do cavalo no telhado: circulação e desinformação noticiosa
  29. A inserção dos refugiados e deslocados climáticos na cobertura da catástrofe no RS
  30. RS embaixo d’água: observações neste início da cobertura do desastre
  31. O desafio da cobertura ambiental para além das catástrofes
  32. Recorde de conflitos no campo: qual a repercussão para além do release?
  33. Por que um ingrediente do veneno utilizado na Guerra do Vietnã é aplicado na agricultura familiar brasileira?
  34. Quem ganha com a exploração do carvão?
  35. Livro e blog sistematizam pesquisas e práticas de Jornalismo Ambiental em Santa Catarina
  36. Água pra que quero se não te venero?
  37. Clima, condições de trabalho e desafios de jornalistas em coberturas
  38. Inteligência Artificial e o Princípio da Precaução
  39. Jornalismo ambiental não hegemônico prova seu impacto no debate público
  40. Dengue além dos números: por que a doença ainda mata no Brasil?
  41. Imprensa precisa desideologizar a cobertura do MST
  42. A importância do contexto na notícia climática
  43. Alerta para o jornalismo ambiental: minoria compreende jargões ambientais
  44. O jornalismo precisa falar no racismo ambiental
  45. A falta da cobertura sobre os efeitos colaterais do “progresso”

Texto publicado originalmente em Observatório de Jornalismo Ambiental.

 

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Heverton Lacerda é jornalista, especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia, mestrando em Comunicação Social, integrante do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental (UFRGS/CNPq) e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN).