Wednesday, 22 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1321

Pessoas e cultura valorizadas na editoria de meio ambiente

(Foto: Joseph Bruno/Pexels)

A reportagem com o título “Sobre as jazidas de gás, 1.200 mulheres mantêm viva a cultura do babaçu” publicada pela Folha de São Paulo, no último dia 1º de dezembro, na editoria de meio ambiente, mostra os impactos da abertura de poços e a construção de gasodutos na rotina das mulheres quebradeiras de babaçu, no Maranhão. Conforme contam as fontes da reportagem, houve derrubada de palmeiras, alteração de rotas usadas há décadas na busca dos frutos e fechamento de igarapés. Isso tudo impactando em uma cultura tradicional que passa de geração em geração. “Nós somos resultado de um conhecimento tradicional. Eu aprendi com a minha mãe, que aprendeu com a minha avó. Criei sete filhos com a quebra do coco. Pra nós, quebradeiras, a palmeira do babaçu é a nossa mãe. O coco é o nosso ouro. A gente valoriza muito isso, porque não podemos desconhecer aquilo que foi o leite da gente, que sempre foi tudo”, diz a quebradeira de coco Maria Alaídes.

A reportagem foi construída pelos repórteres André Borges e Ruy Baron, que se deslocaram e percorreram várias cidades do Maranhão, exercendo a verdadeira função de repórter ao observar, entrevistar as pessoas da comunidade e vivenciar o drama das famílias que lá vivem. A região visitada é uma das maiores províncias de gás terrestre do Brasil, e mesmo há mais de dez anos recebendo os royalties da exploração do gás natural, apresenta indicadores sociais péssimos.

Além do texto com foco nas quebradeiras de babaçu, os repórteres também produziram as reportagens “Região com exploração de gás no Maranhão é marcada por degradação ambiental e pobreza” e o documentário audiovisual “Na Trincheira do Gás”. Chama atenção o enfoque social da apuração dos repórteres. Eles relatam como as 65 famílias que tiveram que ser removidas da comunidade onde moravam, para a construção do gasoduto, sofrem impactos.

As famílias foram alojadas em uma área distante, cortada ao meio pela BR-135, onde é constante o tráfego de caminhões e carros. Os depoimentos dos moradores mostram o quanto os laços sociais e familiares foram rompidos com a mudança, e como isso influencia nos cuidados com os filhos e a possibilidade de trabalhar. Os repórteres mostraram, nos vários municípios da região, problemas básicos como o destino inadequado do lixo e ruas com esgoto correndo a céu aberto. Os entrevistados destacam também o desmatamento (principalmente das palmeiras de babaçu), a degradação das estradas, a má estrutura das casas que receberam e as promessas não cumpridas dos acordos de compensação pelas empresas que exploram o gás.

Nesta mesma linha de abordagem, está a reportagem “Estiagem profunda deixa indígenas sem igarapé, quilombolas sem lago e paraíso turístico sob fumaça” também publicada na Folha de São Paulo, dia 04 de dezembro. O texto narra de forma franca e impactante como o desaparecimento de cursos d’água no oeste do Pará altera a vida de comunidades. Pois, como destacam os repórteres, “a presença de comunidades tradicionais nessa parte da Amazônia está diretamente ligada a corpos d’água que, agora, estão secos”. O cacique Mapirizinho, Roselino Paz Kumaruara, resume: “Essa comunidade surgiu, há muito tempo, porque os antigos estavam buscando água e acharam o igarapé Mapiri. Neste ano, ele sumiu”.

A reportagem traz relatos e fotografias dos moradores das comunidades sobre os impactos da seca extrema na mortandade de peixes e outros animais aquáticos e nas rotinas das famílias. O texto faz parte da série Mudanças Climáticas na Amazônia que mostra os efeitos da crise do clima na maior floresta tropical do mundo, com foco nas populações diretamente afetadas.

O tema das reportagens citadas é desesperador e triste, porém, são produções com apurações como estas que estão no caminho do verdadeiro jornalismo ambiental e da sensibilização. São textos que permitem a conexão do ambiental e do social, ouvem fontes das comunidades (e não somente as fontes oficiais), vão in loco apurar e vivenciar e mostram como as mudanças climáticas afetam o dia-a-dia da vida da sociedade brasileira.

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Patrícia Kolling  é doutora em Comunicação pela UFRGS, docente no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus do Araguaia, integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS). E-mail: patikolling@gmail.com