Thursday, 05 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

A novidade deprimente

CASO SARNEY-MURAD

Claudio Weber Abramo (*)

O caso da investigação judicial contra empresa em que Roseana Sarney tem interesse é notável pelo quanto revela da atitude casa-grande-e-senzala que permeia o comportamento de muitas instituições e figuras públicas brasileiras.

Um ato que deveria ser normal (apesar da anormalidade da coisa em si) criou uma crise política que comprometeu a aliança governamental, colocou o PFL na inédita situação de contraposição ao poder e transformou o panorama eleitoral de 2002.

Para recordar: a partir do escândalo da Sudam, e mesmo antes disso, os financiamentos dessa ex-autarquia passaram a ser investigados pelo Ministério Público. Ordens judiciais decorrentes de solicitações do MP incidiram sobre diversas empresas. Uma delas, a Usimar, revelou histórico de transações ligadas a interesses da família Sarney. Ordem judicial de busca e apreensão foi emitida contra empresa em que Roseana Sarney tem interesse majoritário, empresa esta administrada por seu marido ou ex-marido, Jorge Murad (ainda não entendi bem qual é a situação conjugal oficial do casal, a qual, naturalmente, tem repercussões sobre deveres e responsabilidades). A história vazou para a imprensa no próprio ato da busca policial, executada pela Polícia Federal. A governadora do Maranhão reclamou de conspiração contra a sua candidatura e pressionou seu partido, o qual respondeu como se sabe.

Não é minha intenção fazer análise política da situação, coisa que se pode encontrar abundantemente em qualquer jornal, da autoria de pessoas tanto mais quanto menos competentes do que este. O que me anima a abordar a questão é o desembaraço com que uma candidata à presidência da República procura desautorizar uma legítima investigação determinada pela Justiça, no que está sendo apoiada por todo um partido político.

Interesses privados

A mensagem que tudo isso transmite é que, na visão dos políticos que tomaram tais atitudes e decisões, casos de corrupção não devem ser examinados por seus próprios méritos, mas devem permanecer na esfera de decisão política. Isso já seria intolerável vindo de uma candidata presidencial. Tomado como posição oficial de um partido, equivale a uma declaração de descrença na divisão de poderes e da admissibilidade do uso discricionário dos organismos do Estado.

Observe-se que a coisa em si, a saber, o envolvimento da empresa da governadora em casos de corrupção, não foi objeto das preocupações vocalizadas pelos próceres do PFL. O que eles querem é que as investigações sejam interrompidas, sob a alegação de que teriam sido desencadeadas por estímulo político. Ora, deveria ser evidente que, independentemente de uma concebível (ao menos em princípio) origem política da investigação, advogar sua interrupção com base em argumentos políticos recai no mesmo defeito.

O que a governadora do Maranhão e mais o PFL estão dizendo é que seu programa para o país incorpora como princípio a dissolução dos mecanismos de controle do Estado e sua subordinação a interesses privados de políticos. Que tal atitude seja comum no Brasil, todos sabemos. Mas que seja adotada aberta e oficialmente, é uma novidade deprimente.

(*) Secretário-geral da Transparência Brasil <http://www.transparencia.org.br&ggt;. E-mail: <cwabramo@uol.com.br>