Monday, 07 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Adriana Del Ré e Karla Dunder

IBOPE INFANTIL

"Crianças engrossam ibope de programas adultos", copyright O Estado de S. Paulo, 8/05/02

"O que as crianças assistem? Quais são os programas preferidos por elas? Boa parte dos meninos e meninas entre 4 e 11 anos gasta no mínimo 2h37 minutos na frente da TV, segundo os números do Ibope em pesquisa realizada em março, na Grande São Paulo. De acordo com Catharina Bucht e Cecilia Von Feilitzen, autoras do livro Perspectivas sobre a Criança e a Mídia, a televisão é a diversão preferida das crianças, que assistem, além dos programas infantis, a novelas e filmes para adultos.

A audiência infanto-juvenil de programas de gente grande é alta. De acordo com dados obtidos pelo Ibope em abril, 46,7% dos espectadores da novela O Clone, por exemplo, têm entre 4 e 17 anos. Nessa mesma faixa etária, quase 30% acompanham o noticiário do Jornal Nacional. Entre janeiro e março, cerca de 26% desse público manteve o aparelho de TV ligado entre 19 horas e meia-noite.

Psicólogos e educadores desenvolvem diferentes teses para justificar o fato. O horário nobre seria o momento de a família estar reunida ou ainda porque há interesse dessa turma por informações e a busca por diversão. A psicanalista Silvana Rabello, especialista em crianças, vai além. Crê numa substituição por parte dos pais de antigos rituais, como brincar ou contar histórias antes de colocarem os filhos para dormir, pela ?babá eletrônica?, a TV. ?Conheço casos de crianças que têm aparelho no quarto, acordam no meio da noite, ligam a televisão e vêem filmes eróticos ou de terror, elas não sabem o que fazer a respeito.?

Teorias à parte, o assunto merece atenção especial quando a questão é a qualidade da programação. O impacto de imagens violentas, cenas picantes, disputas e futricas dos reality shows na formação de crianças e adolescentes tem de ser analisado. Psicólogos creditam aos pais o controle do que seus filhos assistem.

Para a psicóloga Maria Abgail de Souza, professora da USP, a família é o filtro pelo qual crianças e jovens observam o mundo. ?O adolescente está em processo de formação de caráter, busca complementos, a convivência familiar e o exemplo dado pelos pais são o melhor meio para isso?, diz. O diálogo tem papel fundamental na formação de adultos críticos. Para o psicólogo Herbert Thomas Luckmann, pais e educadores devem questionar, fazer com que os garotos pensem e tirem as próprias conclusões.

As emissoras defendem-se. De acordo com elas, a programação exibida no horário nobre é familiar. Os canais devem obedecer à cartilha regulamentadora do Diário Oficial, editado pelo Ministério da Justiça. Assim, programas recomendados para maiores de 12 anos não podem ser veiculados antes das 20 horas; os para maiores de 14 anos, só após as 21 horas; e os para maiores de 16 anos, depois das 22 horas.

Público infantil busca diversão e informações

Não é raro testemunhar uma prática que se tornou comum entre a garotada, seja qual for a classe social que pertença. Depois do jantar, crianças se instalam diante da TV e absorvem o conteúdo – de qualidade ou não – despejado por ela. Isso quando não colocam o prato de comida no colo e grudam os olhos no aparelho. Em companhia dos pais ou solitariamente.

A televisão é o meio de comunicação preferido das crianças, apesar da crescente demanda dos jogos eletrônicos e da Internet. Meninos e meninas passam horas na frente da tevê para ver programas considerados infantis, assim como, novelas e filmes para adultos. Esse é um dos dados do livro Perspectivas sobre Criança e Mídia, de Cecília Von Feilitzen e Catharina Brucht. A publicação chegou ao Brasil pelas mãos da Unesco e da Secretaria dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça.

É o terceiro volume de uma coleção que trata das relações entre as crianças e a mídia. Em Perspectivas, as autoras traçam um panorama mundial da situação dos direitos das crianças referente à cultura da mídia, a partir de uma compilação de diversos estudos sobre o tema. Alguns dos aspectos analisados pelas autoras são a ausência de atrações consideradas de bom nível e o distanciamento entre mídia e educadores. Um fator que merece destaque no livro é a regulamentação dos programas. No Brasil, como em boa parte dos países da América Latina, falta a adoção de regras mais severas por parte do governo. No geral, há proibições diretas, como classificação por idade e horário-limite.

O livro revela que as crianças não querem programas violentos, ao contrário, buscam diversão e a possibilidade de identificação. De acordo com o psicólogo Herbert Thomas Luckmann é fundamental formar uma consciência crítica entre essa moçada para que eles saibam escolher melhor. Cabe aos pais e educadores ouvirem o que as crianças e os adolescentes têm a dizer.

A psicanalista Miriam Debieux Rosa, no entanto, alerta para o descaso com a educação, uma vez que os pais, segundo ela, se eximem de estabelecer regras, de impor limites. ?O que se vê é a desvalorização da escola e a hipervalorização dos meios de comunicação?, diz Miriam, coordenadora do Laboratório de Psicanálise de Sociedade da USP e da PUC-SP.

A pedagoga Tiyomi Misawa, orientadora de 3.? e 4.? séries do Colégio Santa Maria, em São Paulo, surpreendeu-se com o resultado de uma pesquisa feita com os alunos da 4.? série, na qual quase 90% deles apontaram Casa dos Artistas e Big Brother como programas com os quais mais se identificam. ?Quando as crianças chegam à escola, a primeira coisa que falam é sobre reality show?, comenta Tiyomi.

Diante da inesperada constatação, os professores da escola passaram a discutir com seus alunos sobre o universo dos reality shows e refletiram sobre algumas temáticas, entre elas até que ponto tais programas trazem conhecimentos e a questões como cooperação e competição. ?Uma aluna percebeu que o Big Brother reunia pessoas de tantos Estados diferentes, mas em nenhum momento elas mencionavam informações sobre a terra delas?, conta Tiyomi.

Os cerca de 146 alunos participantes de tal pesquisa engrossam uma estatística levantada pelo Ibope, que avaliou o grau de interesse que Casa dos Artistas 1 e Big Brother Brasil geraram entre diferentes faixas etárias. Enquanto esteve no ar, Casa atraiu 27, 2% do público entre 4 e 17 anos e, nos três últimos domingos, obteve audiência de 49,2% de telespectadores dessa faixa etária. Entre os espectadores de BBB, 33,3% encontravam-se na faixa dos 4 aos 17 anos.

Mesmo a par dos malefícios causados pela TV quando esta expõe a criança a conteúdos inadequados, o autor do livro Manual do Telespectador Insatisfeito, Wagner Bezerra, defende a tese de que a televisão tem poder de educar. ?Tanto faz o formato do programa e a linguagem audiovisual adotada. Tudo que a mídia eletrônica emite é capaz de interferir, ensinar, modificar, inseminar, contaminar e encantar corações e mentes, principalmente das crianças e adolescentes, que aprendem o que o meio oferece?, pondera ele.

Para o jornalista Gabriel Priolli, especialista em televisão, a questão deve ser alvo constante de debates, mas sem moralismos. ?Há muitos discursos inconseqüentes, sem muito fundamento?, acredita. ?A TV não foi tão predatória assim. São 52 anos de história e mais de uma geração de telespectadores foi formada e habituada a assisti-la.? Segundo ele, fala-se muito em conteúdos inadequados, mas pouco sobre informações produtivas e conhecimentos transmitidos por ela. ?Cabe aos pais orientar as crianças para que elas vejam o melhor.?

Grotesco – Diante da presença de um público mais jovem no horário nobre, algumas emissoras tentam apostar numa programação mais arejada. É o caso da TV Bandeirantes, que quer mudar de cara. O antigo canal de esportes, voltado para o público masculino, quer ser mais jovem. Há dez meses o diretor-geral de Programação e Produção da Band, Rogério Gallo, investe em uma grade diversificada.

?O público jovem é o nosso ponto forte. Os programas que apresentamos no horário nobre são uma alternativa à programação de outros canais?, diz Gallo. De acordo com o diretor, 60% da audiência está na faixa etária dos 12 aos 34 anos. ?Temos uma cobertura eficiente, em um período de 1h30, todos os dias da semana.? De acordo com Gallo, só o programa Clipe Mania, apresentado pela Sabrina, recebeu mais de 50 mil e-mails em um fim de semana. Um aspecto que atrai anunciantes. Empresas como Ford, Coca-Cola, o curso de idiomas CNA, Honda, Kaiser, entre outros nomes de peso, marcam presença na emissora. ?Esse é um espaço garantido, mídia obrigatória para quem quer atingir o público jovem.?

A Band pretende investir ainda mais nesse sentido e planeja uma programação especial para o final de semana. Diante de tantas mudanças, a questão da qualidade da programação ainda é um assunto delicado. Descontrole, apresentado por Marcos Mion, é um exemplo: o grotesco e o deboche tomaram o lugar da diversão. ?Reconheço que cometemos excessos. O programa precisa de ajustes e está em fase de reformatação.? Gallo atribui os exageros ao estilo despojado e irreverente do apresentador, fato que não justifica a baixa qualidade do programa.

A Rede Gazeta volta boa parte da programação, de segunda a sábado, a partir das 22h15, para a classificação livre, exceto a série Millennium, exibida às terças e inapropriada para menores de 14 anos, e Festa do Mallandro, que vai ao ar aos sábados e não indicado para menores de 16 anos. ?A linha de shows da Rede Gazeta foi desenvolvida para que a família pudesse assistir, esse é o conceito da nossa faixa nobre?, define a superintendente de Programação da Gazeta, Marinês Rodrigues. ?Respeitamos a classificação indicativa do horário, mas não há nenhuma contra-indicação para a participação do público infanto-juvenil.?

?TV manipula?, diz Ana Paula, de 11 anos

O estudante Thomaz Greco, de 9 anos, que está na 4.? série, segue a mesma atribulada rotina de tantas outras crianças. Faz natação, inglês e piano de manhã, estuda à tarde e ainda encontra disposição para treinar futebol ou judô. Só tem tempo de ligar a televisão quando está em casa, à noite. Além dos canais pagos Nickelodeon e Fox Kids, o menino costuma assistir à novela O Clone – para fazer companhia à mãe e ao irmão de 11 anos – e aos reality shows.

?Eu acompanho o Casa dos Artistas 2 e via o Big Brother Brasil; gosto quando os participantes brigam?, comenta ele. ?Já tentei ligar para o Silvio Santos para votar, mas não consegui.? Assim como a garotada de sua geração, Thomaz aprendeu cedo a sintonizar a tevê, até mesmo no horário nobre, cuja programação é apropriada para um público mais velho. Para sua mãe, a professora Patrícia Greco, de 31 anos, não adianta proibir ou ficar o tempo inteiro de vigília. ?É melhor conversar a respeito do que está sendo exibido, não dá para esconder a vida inteira?, avalia ela.

Das cinco horas diárias que a estudante Ana Paula Lucatto, de 11 anos, reserva para ver TV, parte é destinada para O Clone. ?Vejo com meus pais ou, às vezes, sozinha. Minha mãe é contra, porque acha que a novela passa uma idéia errada da religião isl&aacirc;mica?, comenta a menina. Ela também acompanha os programas do canal Discovery e desenho animados. Apesar de gostar de tevê, Ana Paula tem suas ressalvas e as explica como gente grande: ?Ela manipula, as crianças que a vêem crescem com idéias erradas. Explora a figura feminina para chamar atenção.?

Com a avó, Helena Leonel Ferreira, de 9 anos, não perde O Clone e o Jornal Nacional. Gosta da personagem Jade e já levou bronca do pai por causa da novela. Cartoon Network, Fox Kids, Nickelodeon e TV Cultura estão, ao lado da Globo, no topo da lista de seus canais preferidos. Yuri Horalek e Domingues, de 12 anos, também costuma ver o Jornal Nacional, normalmente com os pais. ?Assisto desde pequeno?, conta. O noticiário serve como complemento para suas leituras diárias do jornal e debates em família. Mas ele não dispensa as oportunidades de andar de skate ou bicicleta para ficar diante da TV.

Apesar de o filho não ser um fanático televisivo, os pais de Yuri estão atentos ao que ele assiste. ?Já que as emissoras não criam mecanismos de qualidade, acho que só resta a nós defendê-lo?, afirma sua mãe, a advogada Sandra Horalek, de 40 anos. Ela e o marido são adeptos do diálogo.

Já Marcus de Godoy Moreira, de 9 anos, é o reflexo da educação adotada por seus pais. Ele só assiste a emissoras destinadas a sua faixa etária, como Nickelodeon, Fox Kids e Cartoon. E, como toda criança, aprecia desenhos animados e filmes. A maior parte de seu dia, entretanto, é pontuada por atividades. Quando não está na escola, Marcus pratica basquete e futebol, tem aulas de tênis e faz fisioterapia. Tudo para seu tempo ser preenchido.

?Minha mãe não vê TV?, comenta o garoto. Sua mãe, a terapeuta ocupacional Brenda de Godoy Moreira, de 37 anos, preocupa-se que seus quatro filhos tenham acesso a programas compatíveis com a idade deles. Isso nas poucas vezes que eles ligam a TV. Nascida em Oklahoma (EUA), Brenda prefere incentivar a leitura e o diálogo.

?Eles não assistem à Globo, a novelas, à Casa dos Artistas?, enumera Brenda. Ela diz evitar qualquer tipo de constrangimento que as imagens possam causar a ela ou a sua família, como cenas de sexo ou violência. ?Prefiro crianças entediadas do que expostas precocemente.? Como sua casa só tem um aparelho de TV, a disputa do controle remoto é decidida democraticamente. ?Me submeto a assistir a todos os filmes e desenhos que meus filhos vêem. Para impor limites, preciso saber o que eles estão vendo.?"

 

OLYMPIA, CAETANO & ÁGIO

"Boicota, Caetano, boicota!", copyright Folha de S. Paulo, 10/05/02

"Peço desculpas ao leitor que recorre a esta coluna à procura de distração, mas, pela segunda vez seguida, sou obrigada a usar o espaço para me defender de gente que se considera acima do bem e do mal.

Para quem não sabe, mantenho uma coluna sobre TV no caderno Ilustrada desta Folha, publicada às segundas-feiras. Nesta semana aproveitei o espaço que me é confiado para contestar os preços dos ingressos do show de Caetano Veloso no Olympia, que estão sendo vendidos por até R$ 160.

Meu comentário desencadeou o apocalipse. Ao ser informado do fato, Caetano, que não sabia do ?marketing? que a casa está usando para vendê-lo, ameaçou cancelar as apresentações.

E o Olympia, como reagiu? Em vez de admitir que tinha sido pego com a galinha no saco e o pé do lado de fora do galinheiro, resolveu revidar com um anúncio pago cheio de pólvora neste jornal.

Pinço um trecho, só para que o leitor possa sentir o cheiro da brilhantina: ?Não apenas se equivocou (eu), como foi infeliz em suas colocações, menosprezando a classe artística nacional como um todo face aos artistas estrangeiros. No mínimo, tal infâmia merece retratação pública por parte da jornalista face ao Artista e ao público em geral?. Peço desculpas pela má qualidade do texto, mas sou obrigada a reproduzir na íntegra, sem adicionar vírgulas ou corrigir o lamentável estilo. Assinado pelo sr. Marcelo Saraiva de Oliveira Ribeiro, o anúncio do Olympia diz que menti quando afirmei que eles pretendem vender os ingressos do show por preços que variam de R$ 80 a R$ 160.

Note que o anúncio foi publicado ontem. Acontece que, enquanto eu estava escrevendo este texto, tomei o cuidado de checar o site da casa de shows. Acessei o www.olympia.com.br e procurei ?próximas atrações?. Bingo! Continuava lá, sem nenhuma alteração, a listagem de preços por mim reproduzida.

Diz o Olympia, em uma das várias explicações dadas ao longo da semana, que o ingresso real é aquele dos ?preços promocionais?, que estão sendo vendidos de R$ 30 a R$ 85. O tal ?preço promocional?, segundo eles, é a compra do ingresso antecipado, como se todo mundo dispusesse de um meio para ir até a rua Clélia buscar a entrada antes.

Basta um mínimo de lucidez para sacar que eles colocam o preço nas alturas, para depois inventar uma meia-entrada, que continua sendo exorbitante. E os estudantes que se danem!

QUALQUER NOTA

Pesadelo

Na quarta, ouvindo os comentários do senador cassado Luiz Estevão sobre a arbitragem do jogo entre o Brasiliense e o Corinthians, não pude deixar de rememorar o melanoma que me acometeu há dois anos. Quando Luiz Estevão disse que o juiz (do jogo) deveria ?estar preso? e que ele se sentia como as ?pessoas que são roubadas?, por algum motivo me lembrei da cara feia daquela mancha letal, que o dr. Dráuzio gentilmente extirpou.

Quando eu digo…

E o Barrichello renovou o contrato com a Ferrari por mais dois longos e produtivos anos."

 

MERCADORIA & MARCA

"Italiano desvenda o ?espetáculo da mercadoria?", copyright O Estado de S. Paulo, 8/05/02

"Autor de livros discutidos, como O Espetáculo da Mercadoria (Lo spettacolo della Merce) e O Valor da Marca (Il Valore della Marca, de Bollati Boringhieri Editore), chega esta semana ao Brasil o italiano Vanni Codeluppi, estudioso da comunicação. Professor de sociologia na Universidade de Milão, Codeluppi publicou diversos livros sobre as estratégias de publicidade de empresas como Nike, Coca-Cola, Disney, McDonald?s e outras marcas.

Ele é convidado para a abertura, nesta sexta, às 9 horas, do 2.? Fórum Internacional D&Design Brasil, em São Paulo. ?O marketing é uma ideologia totalizante que está invadindo completamente o espaço social?, disse Codeluppi, em entrevista ao Estado.

Militando numa fronteira difusa entre filosofia e sociologia, comunicação e cultura pop, Codeluppi tem avançado na análise de como a cultura de massas produz símbolos que se apropriam de valores anteriormente exclusivos das relações humanas, criando uma ?sociedade publicitária?.

Estado – O sr. fala de um ?valor extra? simbólico e comunicativo da publicidade. Consegue enxergar isso também na estratégia política da superpotência econômica? Vê tendências estéticas também na política internacional?

Vanni Codeluppi – Creio que a lógica de funcionamento da marca e do marketing se estenda progressivamente a todo o social. Entra em âmbitos com os quais não tem nada a ver, como a educação, a política ou o esporte, e deve ser utilizada também na parte dos que querem lançar mensagens antagonistas, particularmente aquelas que criticam o sistema de consumo. Até a guerra vem concebida como uma marca. Há um nome (?Enduring freedom?, a Liberdade duradoura) e uma precisa estratégia de comunicação que seleciona a notícia que deve ser divulgada à opinião pública.

Estado – Como sociólgo, o que o sr. pensa dessa marcha dos extremismos políticos?

Codeluppi – Também o terrorismo vem permeado por uma estratégia de marca que utiliza habilmente a possibilidade oferecida pela mídia. De modo que até o terrorismo é marketing. De onde se conclui que o marketing hoje é uma ideologia totalizante que está invadindo completamente o espaço social, ocupando em sua passagem toda uma série de valores próprios da modernidade que estão sendo progressivamente desagregados. Marshall McLuhan disse uma vez que, contra o terrorismo, a única defesa era arrancar o tubo da televisão. E o pior é que ele tinha razão.

Estado – O sr. diz que, em torno de uma marca, é possível construir um mundo de valores desejáveis pelos consumidores. Então o objetivo não é mais vender o mesmo produto ao maior número de pessoas?

Codeluppi – As empresas não têm mais como objetivo primário produzir um produto e o vender ao maior número de pessoas, mas sim difundir uma relação com os consumidores através da construção de um mundo imaginário, que propõe valores e modelos de comportamento. A capacidade de sedução desse mundo é relacionada com a capacidade de envolver em profundidade o consumidor e por um longo período de tempo. Uma vez que essa relação se estabiliza, a marca pode vender ao consumidor qualquer coisa. Isso é o que podemos definir como ?a construção do consumidor? e que toma o posto da tradicional construção de produtos.

Estado – Os executivos da Nike, marca comercial mais conhecida do esporte mundial, demonstram capacidade hoje de influenciar até a política interna do futebol, por exemplo. Essa também é uma ambição das megaempresas?

Codeluppi – No esporte, o ingresso da lógica do marketing e da marca é uma coisa recente, mas já hoje as marcas mais fortes têm enorme poder. Podem decidir uma escalação ou fazer entrar em campo um atleta que está mal (caso de Ronaldo no Mundial da França). Mas, sobretudo, podem criar o mito da vitória a todo custo, o qual tende a difundir a idéia que qualquer instrumento é lícito, inclusive o doping. E os efeitos mais graves disso são vistos sobretudo nos esportistas jovens, mais facilmente influenciáveis por esse mito.

Estado – Estudo que o sr. fez dos três grandes colossos transnacionais (Disney, McDonald?s e Nike) mostra uma globalização do marketing: mesma identidade, mesmo posicionamento, mesmo produto em todos os países. Como vê o impacto disso no Terceiro Mundo, os efeitos sociais disso?

Codeluppi – Creio que seja necessário distinguir entre as diversas realidades culturais presentes do chamado ?terceiro mundo?. Se são realidades sólidas e em posição de interagir com as mensagens das grandes marcas globais, ou se são débeis, ainda ?imaturas? no plano da capacidade de reportar-se à linguagem das marcas – e para essas o impacto pode ser devastador.

Estado – Aqui no Brasil, vemos muitos office-boys gastarem todo seu salário com marcas de grife, de Nike a Dolce & Gabana. Para eles, é melhor consumir que comer. O que pensa disso?

Codeluppi – Às vezes, para a faixa mais baixa da população, a posse dos produtos de marca representa um instrumento para escalar um nível mais elevado do plano social. Significa um meio de emancipação. No entanto, é só um instrumento por uma ?socialização antecipatória?, isto é, para comunicar aos outros que está num nível social mais alto, enquanto permanece no mesmo posto. E isso é uma forma de mascaramento social. Certo, em alguns casos o contraste entre o glamour da marca e a miséria das condições de vida das pessoas é tão excessivo que torna imoral a marca.

Estado – O fotógrafo Oliveiro Toscani, da Benetton, faz um trabalho diferente daquele de seduzir. Às vezes, quer chocar. O que acha de Toscani?

Codeluppi – A publicidade da Benetton e de outras marcas utilizam os valores sociais para construir seu imaginário, mas a operação é a mesma. Não importa que tipo de valores venham comunicar. Importa que, em torno aos valores da marca, ajudam a construir um mundo imaginário e num nível de seduzir o consumidor."