Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Beatriz Velloso

QUALIDADE NA TV


NO LIMITE 2

"Aventura no cerrado", copyright Época, Edição 141, 29/01/01

"Está armada uma operação de guerra no coração de Mato Grosso, a 80 quilômetros da capital, Cuiabá. Numa região onde até duas semanas atrás a maior atração era uma usina hidrelétrica inaugurada em dezembro de 1999, o foco da atenção transferiu-se para uma fazenda de 5 mil hectares – o equivalente a mais de 6 mil campos de futebol. Por lá começaram a circular forasteiros em carros desconhecidos e equipamentos modernos carregados por dezenas de caminhonetes. Os moradores percebem a movimentação estranha. Sabem que a rotina mudará, mas ainda não compreendem claramente o que está acontecendo. Falta pouco para acabar o suspense. No domingo 28, depois do Fantástico, na TV Globo, estréia a segunda edição do programa No limite, o maior êxito de audiência da televisão no ano 2000. A partir desse dia, a estrutura armada na Fazenda Morro do Chapéu deixará de atiçar apenas a curiosidade de quem reside nas proximidades. Fará parte do cotidiano de pelo menos 60 milhões de brasileiros.

Não há como escapar do fenômeno. Todos vão querer adivinhar o próximo eliminado do Portal do Tempo, quem brigou com quem, que prato repugnante será servido para testar o estômago dos 12 participantes. E, é claro, estará aberta a bolsa de apostas para descobrir quem sairá vencedor na fazenda, rebatizada de Chapada dos Ventos, levando no bolso um prêmio de R$ 300 mil. As regras são praticamente as mesmas da primeira edição, gravada numa praia deserta do litoral cearense. Mas o ambiente mudou, e será mais hostil. O lugar, escolhido pela equipe chefiada pelo diretor Fernando Gueiros e pelo apresentador Zeca Camargo, fica no município de Chapada dos Guimarães. O cenário tem toda a beleza e todos os riscos naturais do cerrado brasileiro. É uma área inóspita, bruta e muito bonita, diz o governador Dante de Oliveira. Ele aposta no crescimento do turismo na região. Lá, a TV Globo armou uma minicidade: estúdios de alta tecnologia, uma base na qual dormem 100 pessoas (entre técnicos, editores e produtores) e até um pequeno pronto-socorro para atender vítimas de eventuais acidentes. O orçamento total chega a R$ 3 milhões.

No ano passado, o sigilo foi driblado por jornalistas e curiosos que conseguiram aproximar-se suficientemente. O cenário do Morro do Chapéu não dá chance para espiões. Cercado pela Represa de Manso, resultado da barragem construída para a usina hidrelétrica de Manso, o ponto é praticamente inacessível. Para chegar ao acampamento, é preciso atravessar 1.800 metros de água (em alguns trechos, a distância entre uma margem e outra atinge 8 quilômetros). O caminho por terra exige uma volta enorme por uma precária estrada de terra. Para complicar, todas as entradas estão protegidas por guardas armados. São quase 50 homens, entre policiais militares e seguranças particulares contratados pela emissora. Na represa, há barcos vigiando quem entra e sai da fazenda. Do alto do morro, homens de binóculo também fiscalizam tudo. Quem tenta entrar com câmeras fotográficas e filmadoras (inclusive integrantes da equipe de produção) é barrado e tem o equipamento confiscado. Coroando um esquema digno de filme de espionagem, a Diretoria de Eletrônica e Proteção ao Vôo de Mato Grosso acaba de proibir formalmente sobrevôos na área, para manter a distância bisbilhoteiros camuflados por nuvens.

A vida dos 12 protegidos por esse aparato também não será fácil. As gravações começaram no dia 18, e os participantes vão amargar 40 dias de privação, observados o tempo todo por câmeras. As provas serão mais duras e a sobrevivência nesse ambiente é mais complicada que na praia, diz Zeca Camargo. Mas o difícil mesmo é a convivência entre os concorrentes. Juntos, eles terão de suportar o calor, que chega a 40º Celsius durante o dia, e as chuvas torrenciais todas as tardes. Lobos guarás rondam a fazenda. Há a possibilidade de topar com onças. Neste período de chuva, a quantidade de cobras – jibóias, sucuris e boipebas – cresce exponencialmente. A dieta diária preparada por uma nutricionista é frugal, e completar o cardápio será uma tarefa heróica. A região tem babaçu (uma espécie de coco), mangas e muito pequi, um fruto cheio de espinhos, típico da região, diz o ecólogo Cléber Alho, consultor da usina de Manso. Mas agora poucas árvores dão frutos; isso acontece nos meses de seca, completa.

A pousada foi modernizada para receber a equipe da Globo. Agentes de segurança armados vigiam a entrada. A faixa na estrada ilude os visitantes

Outra alternativa será a caça. Munidos de facões, que fazem parte de um kit básico fornecido pela Globo, os aventureiros podem tentar a captura de antas, pacas, capivaras e calangos. Finalmente, há os peixes da represa: pacus, piraputangas e pintados são candidatos a virar bons jantares. Mas o banquete está seriamente ameaçado. A pesca é proibida, a caça é ilegal e não vamos permitir nenhuma das duas coisas, diz o gerente de projetos do Ibama em Mato Grosso. Segundo Sebastião Crisóstomo Barbosa, a emissora não procurou o órgão para conseguir uma autorização de caça no local – e, mesmo que o tivesse feito, não obteria a liberação. A lei existe para todos, e não vamos abrir exceção. A Globo assegura que nem a produção nem os participantes infringirão norma alguma.

Quem mora na região aposta que os candidatos atravessarão maus bocados. Eles vivem em cidades, não sabem se virar no mato, diz Maria Helena Cardoso, de 35 anos, dona de uma casa modesta a 3 quilômetros da Chapada dos Ventos. Ela acompanhou atentamente a primeira versão de No limite e não gostou do resultado. Pipa merecia ganhar, perdeu por uma bobagem. Casada, Maria Helena ajuda no orçamento familiar vendendo doces caseiros e criando galinhas. Diz que, se ganhasse um prêmio de R$ 300 mil, compraria casas para as duas filhas – mas não sairia do lugar onde mora. Gosto daqui e acho que o programa vai trazer progresso para nós, anima-se. Convencida de que o movimento de turistas crescerá junto com a notoriedade do local, planeja aumentar a produção de doces. E ri quando imagina que, ali bem perto, 12 pessoas dariam tudo para comer apenas uma colherada de suas guloseimas."

"No Limite volta e aposta em bastidores", copyright Folha de S. Paulo, 28/01/01

"A segunda edição do programa No Limite, da Globo, começa hoje, após o Fantástico, tentando repetir o sucesso da primeira, lançada há seis meses. Diferentemente do que se poderia esperar de uma gincana de aventura, deve prevalecer o jogo de alianças entre os participantes, e não a força física.

‘Não escolhemos atletas, não há nenhuma prova que exija força física específica, afirma o apresentador Zeca Camargo, que serviu de cobaia para testar se as tarefas poderiam ser executadas por todos os participantes.

Os 12 novos competidores vão concorrer ao prêmio máximo de R$ 300 mil numa fazenda particular do Mato Grosso, com uma área de 5.000 hectares (equivalente a 30 vezes o tamanho do parque do Ibirapuera, em São Paulo).

A maior evidência de que No Limite é decidido mais nos bastidores do que na competição é a vitória da gordinha Elaine, na primeira edição.

Os participantes indesejáveis, seja pela força física ou por não ter afinidade com a maioria do grupo, são excluídos. Foi o caso de Chico, 42, que forçava uma barra para ser o líder da equipe Lua porque era o mais velho. Ou de Thiago, 21, que era o gente-boa da equipe Sol, mas representava um perigoso adversário por sua habilidade física. As mulheres fizeram um pacto e eliminaram os homens para facilitar o caminho. E Elaine, a mais improvável vencedora, se fez de boazinha até virar cobra e dar o bote, ganhando a última prova.

Um dos critérios para a seleção dos novos candidatos foi o de escolher pessoas que agitassem os bastidores da competição, em um clima que lembra o de uma trama de novela.

‘Escolhemos os participantes em torno das possíveis alianças e conflitos entre eles. Mas todo mundo pode se tornar o vilão. Não dá para apostar em ninguém, afirma Zeca Camargo.

Para o diretor-geral Fernando Gueiros, o conceito de No Limite é o de uma obra aberta, exatamente como uma novela. Roteirizamos idealmente as provas, mas depois avaliamos o resultado.

Zeca Camargo afirma que a seleção dos novos competidores não quis replicar os primeiros participantes do programa.

‘O mundo não se divide em 12 estereótipos. Nosso objetivo não era encontrar outra Elaine ou Marcus (o surfista carioca que chamou o adversário Amendoim de crioulo’), disse o apresentador.

Mas o fato é que a escalação dos novos participantes é semelhante à da primeira edição. Há quatro negros, dois participantes mais velhos, uma bonitinha, a modelo Roberta, 25, e seu correspondente masculino Leon, 25.

As regras continuam as mesmas. São dois grupos com seis competidores cada. Dessa vez, as equipes foram batizadas de Araras-Vermelhas e Lobos-Guarás, dois animais que vivem na chapada dos Guimarães, região escolhida por ser bem diferente das praias e dunas do Ceará, onde foi realizado o primeiro No Limite.

A equipe que perder uma prova deverá eliminar um de seus integrantes. Novamente, comer coisas indigestas, como olhos de cabra, fará parte de alguma das tarefas.

Para a equipe de No Limite, que triplicou de tamanho, a tarefa será repetir os índices da primeira edição, que conseguiu uma média de 46 pontos de audiência (cerca de 3,7 milhões de telespectadores na Grande São Paulo), equivalente ao de uma novela das oito, como Laços de Família."

"Programa é manipulado, diz Marcus", copyright Folha de S. Paulo, 28/01/01

"Participante do primeiro No Limite, Marcus Werner Vianna, 27, acredita que a segunda versão do programa terá desafios mais árduos do que os enfrentados por ele na atração do ano passado. Será bem mais difícil, porque o que vende é a dificuldade, o conflito, o cara passando fome, diz.

Marcus foi eliminado no terceiro episódio de No Limite e diz que seu afastamento se deu por indução da Globo. O programa é totalmente manipulado. Tá na cara, vão quatro mulheres para a final. A Elaine (vencedora da atração) é melhor que alguém ali? É palhaçada. Marcus conta que quando viu quem eram os demais concorrentes julgou que não teria dificuldades. Pensei: Só tenho um adversário aqui, a Rede Globo. Ele, no entanto, não lamenta ter participado da atração. Minha única mágoa é que vou sempre carregar o peso de ser Marcus, o polêmico.’

Segundo a Central Globo de Comunicação, como o contato da produção de No Limite com os participantes não ia além do necessário para o desenrolar da atração e ocorria na frente dos outros integrantes, seria impossível influir no resultado."

"Novo ‘No Limite’ limita os perigos", copyright Folha de S. Paulo, 21/01/01

"No Limite , mas nem tanto. Os participantes da segunda versão do programa da Globo vão enfrentar perigos, mas estarão cercados de cuidados, na busca pelo prêmio máximo de R$ 300 mil. Cerca de 40 pessoas, entre médicos, enfermeiros, policiais militares e bombeiros, ficarão de sobreaviso para qualquer ameaça aos 12 novos participantes do programa, que estréia no próximo domingo.

Um hospital de campanha será montado na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso, na fazenda escolhida para a competição. ‘É no limite, mas de maneira responsável’, disse o diretor-geral Fernando Gueiros.

A maior preocupação da equipe de produção é com o ataque de cobras venenosas. ‘Temos homens-rã que checam os locais. Se houver qualquer risco, não realizamos a prova’, afirmou o diretor. Todos os participantes foram vacinados contra tétano, febre amarela e hepatite B.

Os 12 novos candidatos foram escolhidos entre 300 entrevistados. Embora mais de 40 mil pessoas tenham feito inscrição espontânea no site da Globo, apenas um professor de Fortaleza, Antero, foi selecionado pela Internet.

‘A Internet é muito fria para avaliar os candidatos. Mas esse professor tinha uma história curiosa. Ele não conseguia dar aulas às segundas-feiras porque todos seus alunos só falavam sobre ‘No Limite’, que havia passado na noite anterior. Então, ele começou a utilizar o programa para dar aula’, contou o apresentador Zeca Camargo.

A escolha dos competidores teve como objetivo representar os ‘diferentes tipos que compõem o perfil do brasileiro’, seja com relação a cor, idade ou classe social. É exatamente como o primeiro programa. Eles estão divididos em duas equipes, que agora foram batizadas de Araras-Vermelhas e Lobos-Guarás, dois animais da fauna da região.

Quase todos os novos participantes guardam semelhanças com os primeiros. De novo, há dois concorrentes ‘coroas’, um em cada grupo: Antero, 44, e Rosa, 42. Outra vez, há quatro competidores negros. Tem também uma bonitinha, que pode receber convite para posar para uma revista masculina. É a modelo-promoter-relações-públicas Roberta, 25, de Recife.

A vendedora ambulante Sônia, 34, se encaixa no perfil da mulher batalhadora, como era a ‘motogirl’ Juliana. O surfista Marcus dá lugar a Léo, 23, que faz esportes radicais, e Sávio, 25, que é professor de ginástica.

O músico Dáda, 18, apresenta características do bailarino Vanderson (tem dotes artísticos e vem de uma família pobre) e de Amendoim (mora numa favela carioca, onde faz trabalho social).

No lugar das lições de auto-ajuda de Elaine, a gordinha vencedora do primeiro programa, haverá Leon, 25, um aficionado em astrologia, e um crente, Danilo, 21. De olho na audiência, a Globo pinçou os novos participantes em oito Estados brasileiros, em vez de quatro.

Depois do Portal dos Quatro Elementos, os competidores serão eliminados no Portal do Tempo. A mandala agora é formada pelos elementos passado, presente, futuro e infinito.

Todos receberão um carro como prêmio, além de uma quantia em ouro. O segundo colocado vai ganhar R$ 100 mil; o terceiro e o quarto lugares, R$ 20 mil. Os outros vão receber valores decrescentes a partir de R$ 7 mil. O primeiro eliminado é o único que ganhará só o carro.

O sucesso do primeiro ‘No Limite’ fez com que a segunda versão ganhasse dimensões de superprodução. A primeira equipe envolveu cem pessoas, agora são mais de 300. Se o programa tinha dois anunciantes, agora tem quatro. Cada um pagou uma cota de R$ 1,99 milhão, R$ 40 mil a mais do que antes.

As despesas com infra-estrutura, por outro lado, diminuíram. Estados da região Centro-Oeste fizeram lobby para servir de locação ao programa, de olho nos dividendos turísticos. O Mato Grosso, por conta disso, vai arcar com a hospedagem, o transporte e a alimentação da equipe de produção.

A fazenda escolhida é particular e, segundo o diretor Fernando Gueiros, não é área de preservação ambiental, permitindo que os participantes abatam animais para matar a fome. O kit de alimentação prevê apenas 600 calorias por dia. O kit de objetos para uso pessoal inclui repelente, protetor solar, curativos, camisinha e capa de chuva.

Para garantir o isolamento, a fazenda é cercada por uma represa. Para evitar que os eliminados sejam revelados, eles ficarão num hotel da região até que o programa seja levado ao ar. Dessa vez, os nomes completos dos participantes também não foram divulgados, para dificultar o acesso à família."

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