Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Bernardo Kucinsky

CRÍTICA INTERNA

"Cartas Ácidas", copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br)

"29/04/2002

Manipulação digital

É esse o nome da grosseira montagem fotográfica de Época desta semana, mostrando Lula abraçado a Maluf, de um lado e a Antonio Carlos Magalhães, do outro. A tecnologia digital permite manipular fotografias irrestritamente, mas a ética jornalística restringe essa manipulação à necessidade de retoque ou restauração apenas, para preservar a qualidade documental da fotografia no jornalismo. Sabendo que estava agindo mal, Época deixou sinais ostensivos de que se tratava de foto-montagem, mas não tão ostensivos que prejudicassem o efeito desejado que era o de efetivamente desgastar Lula.

Jornalismo de imaginação

O objetivo de maltratar a imagem de Lula já estava claro no corpo da matéria, que faz ilações pesadas em cima de informações levianas. Diz o olho da matéria: ?nos subterrâneos da campanha, petistas discutem com uma ação comum para alvejar Serra?. Sem informações o repórter escreve: ?..o que se imagina é um triângulo: informações recolhidas pelo velho cacique do PFL (sobre Ricardo Sérgio) são levadas ao PT que encaminha ao Ministério Público..? .Quem imagina? Só se for o repórter. Mas repórter não imagina, repórter investiga e relata fatos. E a matéria não tem fatos.

Quando a imprensa inverte papéis

E a ilação do repórter não faz sentido porque os lances principais da história do empresário Ricardo Sérgio já foram revelados pela imprensa e são do conhecimento do Ministério Público. Não cabe e nem há necessidade do PT se meter nisso. O repórter esqueceu convenientemente que o PT sempre se recusou a fazer política de dossiês. Recusou o dossiê Cayman, e todos os outros casos. Esqueceu que foi um tucano o articulador do último lance de dossiês, quando tentaram fazer com que Garotinho denunciasse Roseana, e Garotinho tirou o corpo fora e ainda denunciou a trama.

O imbróglio da alíquota de 50%

Os jornais obviamente deitaram e rolaram em cima de declaração de Lula. O JB foi o mais cínico, dizendo em manchete de página inteira que ?A proposta de Lula confunde?, quando quem confundiu foram os jornais, especialmente o próprio JB. A Folha foi a mais eficaz na exploração do episódio para desgastar Lula, apoiando-se de avaliações e falas de líderes do partido: Diz o parágrafo de abertura que Lula …?cometeu seu maior erro de campanha até aqui ao falar sobre aumento das alíquotas do Imposto de Renda (IR) avaliam reservadamente líderes do partido…?.

Tereza Cruvinel diz em sua coluna O Globo do sábado: ?Lula tropeçou feio ao propor alíquota de 5% a 50%. Assustou a classe média e os ricos. Ele tentou consertar depois em Garanhuns, mas já se ferira e o estrago será bem explorado pelos adversários?. A Folha comparou o estrago da fala de Lula em apoio às tarifas com que os franceses protegem sua agricultura. Mas teria sido mesmo um grande erro?

Os efeitos da fala de Lula no eleitorado

Vamos analisar o episódio de modo organizado, começando por discutir os efeitos de uma fala dessas na massa do eleitorado, pessoas pobres e remediadas, com renda até R$ 800,00 por mês. Já verificamos desde o episódio da taxa extra de 5% em restaurantes de luxo para ajudar a acabar com a fome, e casos parecidos, que as propostas e idéias do PT só dominam a agenda dos jornais pelo viés de algum defeito real ou imaginário. Mas o fato é que nesses casos dominam, acabam sendo intensamente discutidas e que o povo acaba fazendo sua própria leitura, nem sempre aquela desejada pela imprensa oligárquica.

O povo não vai a restaurantes de luxo e, portanto pode até ter gostado da idéia da taxa extra. O povo nem tem renda para pagar imposto de renda e, portanto pode, de novo gostar da idéia das alíquotas maiores para quem ganha mais. Na enquête rápida do portal Globo.com. já no sábado, 48,43% apoiavam a fala de Lula e apenas 31,1% não apoiavam. Isso para um público de alta renda, que acessa portais, e para uma formulação das opções em nada simpática a Lula.

E os efeitos nos formadores de opinião

Os ricos sabem muito bem o que Lula está falando e não se deixam iludir. A classe média sim pode se deixar manipular e assustar um pouco. Ela não tem muito voto, mas junto com jornalistas e colunistas e artistas, pode ajudar a criar uma onda negativa. Serra não perdeu tempo para atacar Lula e Garotinho foi ainda mais agressivo. Nesse caso, criada a situação, teria sido importante ter nosso esboço de proposta à mão, explicar de que salários estão se falando, e todos deveriam dar a mesma explicação.

A oportuna intervenção de Ciro Gomes

Um dos poucos que defendeu bem Lula foi o ex-secretário da receita federal Ozires Silva. Ele disse, no JB, que ?Lula pegou no ponto fundamental porque hoje não há progressividade?. Mais importante, no sentido de quebrar uma possível onda, foi a surpreendente e correta declaração de Ciro Gomes de que ?Lula tem uma percepção correta a respeito do Imposto de Renda e sobre a injustiça do sistema tributário no Brasil?, e de que ao referir a uma progressão de ?5% a 50 % ele não estava fazendo uma proposta e sim usando uma força de expressão?. A fala de Ciro é um apoio importante à acusação de Lula de que os jornais agiram de má-fé.

Retrato do Brasil Época traz um estudo do OIT mostrado que das 3,8 milhões de crianças entre 5 e 17 anos que trabalham no Brasil, 560 mil são empregadas domésticas. Cerca de 4% delas não recebem nenhuma remuneração. Épocadá esses números gerais e parte diretamente para histórias de vida de crianças, evita algumas contas e a conclusão óbvia: 22.400 crianças no Brasil vivem em regime de trabalho escravo disfarçado.

Istoé também fala da miséria brasileira, entrevistando Peter Bell, dirigente da maior ONG de combate á pobreza no mundo, a Care Foundation. Peter está tão impressionado com a persistência da pobreza no Brasil que veio instalar alguns projetos aqui. Bell diz que ?até China a Índia avançaram mais do que o Brasil na redução da miséria?. Ele, que é amigo do peito de FHC, e ajudou afundar o Cebrap, confirma na entrevista o que Lula tem denunciado no seu projeto Fome Zero; ? Cerca de 53 milhões de brasileiros vivem na pobreza. Destes, 22 milhões estão na extrema pobreza.?

Não deixe de ler

Vários trabalhos saíram neste fim de semana sobre o avanço da extrema direita em toda o mundo. Em Carta Capital, Luiz M. C. Costa faz um balanço do fenômeno e pergunta: ?Será que o Virus Le Pen chega até aqui?? No Estadão, Vargas Llosa ocupa toda a página A23 do domingo com a pergunta, ?Será que chegou a hora do fascismo??

Mais conciso e duro Carlos Heitor Cony na sua coluna do sábado na Folha, ?O vento da história?, diz que a vitória de Le Pen assustou quem já deveria estar assustado. Mostra que iniciamos um século com Bush, Sharon, Berlusconi. E diz: ?Enquanto isso a esquerda parece fatigada de lutar?. O raciocínio de Cony permite concluir, o que ele não faz, que uma vitória do o PT, como partido de esquerda, teria uma importância que transcende o espaço nacional.

26/04/02

O golpe que os tucanos quiseram dar

Roberto Freire acusou ontem os tucanos de autoritários e de quererem impor censura nos candidatos à sucessão. Respondia da tribuna da Câmara, à revelação da Folha de anteontem sobre a manobra dos tucanos para fazer com que o TSE proibisse Ciro Gomes de usar programas gratuitos dos dois outros partidos que o apóiam. Preocupados com os 80 minutos que Ciro teria à sua disposição, os tucanos queriam uma proibição até o inicio oficial da campanha em julho. Hoje, na Folha, Clovis Rossi critica como ?total contra- senso, a decisão do TSE de proibir a aparição de Ciro Gomes, virtual candidato do PPS à presidência, na propaganda gratuita do PTB e PDT até que comece oficialmente a campanha eleitoral?.

A confusão criada pela Folha

Acontece que não houve essa decisão. O golpe dos tucanos não deu certo, ao contrário do que noticiou a Folha, induzindo o líder do PPS e seu próprio articulista Clovis Rossi ao erro. Está claro por que nenhum outro jornal deu a notícia – anteontem e nem mesmo ontem – de que o TSE proibiu Ciro Gomes de aparecer nos horários gratuitos dos partidos que o apóiam. Era uma mentira da Folha: uma ?barriga?, no jargão jornalístico. O TSE não proibiu, apenas negou-se a responder á consulta dos tucanos.

E a derrota do golpismo tucano

Coube à Gazeta Mercantil esclarecer o que de fato aconteceu no TSE. O corregedor geral substituto Barros Monteiro arquivou o recurso apresentado pelo PSDB contra Ciro Gomes dizendo que essa aparição só seria ilegal se ficasse demonstrado o benefício para a candidatura à presidência e isso só se poderia saber com a própria aparição, o que ainda não aconteceu. É um argumento de ordem puramente formal, mas o fato é que o recurso do PSDB foi arquivado, negado. Uma derrota dos tucanos.

Folha insiste na barriga

Com nova reportagem totalmente desconexa, a Folha de hoje alimenta a confusão. O mais provável é que o jornal esteja com vergonha de admitir sua ?barriga?. A outra hipótese seria um possível alinhamento da Folha com os tucanos. Mancomunados no golpe na tentativa de criar uma tensão em cima do tema, eles constrangeriam Ciro e o forçariam a não aparecer nos programas ou a aparecer discretamente, para não demonstrar o tal ?benefício eleitoral?. Diz a Gazeta Mercantil de hoje: ?Antes de descobrir que a notícia divulgada anteontem estava equivocada, Freire chegou a classificar o TSE de comitê eleitoral (do tucanos)?. A Folha precisa se cuidar para não sofrer a mesma acusação.

Manchetes acusatórias: a prisão de Rainha

A pior manchete foi do Estadão: José Rainha preso com escopeta de cano serrado?. O JB deu: ?Rainha é preso com escopeta no Pontal?. As duas manchetes endossam, sem questionar, a fala da polícia. A Folha foi mais criteriosa na manchete: ?Rainha é preso, acusado de porte ilegal de arma?. O título não endossa a acusação, apenas a registra.

História mal contada

Rainha foi preso às quatro da tarde de ontem segundo o Estadão e ?por volta das 15h30? segundo a Folha. Até a madrugada, nenhum jornalista falou com ele, porque a polícia não deixou. Uma coisa é Rainha não poder responder inquérito por porte de arma em liberdade, outra coisa é ser mantido incomunicável.

Na longa reportagem do Estadão, há uma única frase solta de Rainha: o líder dos sem-terra afirmou que o episódio ?é mais uma armação contra ele?. Só disse isso? Disse onde? Disse para quem? A Folha coloca na primeira página: ?Sob o banco do motorista foi achada uma escopeta calibre 12 que Rainha disse ser sua, segundo a PM?. Segundo a PM, não segundo o próprio Rainha. A Folha ainda coloca na boca da mulher de Rainha, Diolinda, uma declaração ambígua: ?(…) não confirmou que ele fosse proprietário da escopeta. Disse que estava chocada coma prisão e que não conseguia entender o que ele poderia estar fazendo com uma arma?. O que quer dizer não confirmou? Negou? Ou disse que não sabia? Por que a PM não apresentou Rainha à imprensa, logo depois de sua prisão? Por que o manteve incomunicável todo esse tempo?

Em janeiro deste ano, Rainha foi vítima de uma emboscada e levou um tiro nas costas há três meses. O pecuarista Roberto Junqueira, acusado de ter sido o autor dos disparos, está solto.

Retrato do Brasil

Deveria ser manchete de primeira página em todos os jornais, nacionais e internacionais. Morre mais gente em São Paulo do que no conflito do Oriente Médio. Mas só o Estadão deu, e em matéria interna, de uma coluna: ?Grande São Paulo tem 22 homicídios em noite violenta?. O português do título é arrevesado e a informação precária: ?Os crimes foram motivados, em sua maioria, por acertos de contas entre grupos rivais e bandidos envolvidos como tráfico de drogas?. Como é que o jornal sabe? É o que a polícia sempre diz, e por isso nem investiga. Foram 22 homicídios em sete horas, das 19h às 4h da madrugada.

Não deixe de ler

O mini-ensaio de Fernando Haddad na página dois da Folha de ontem em que sustenta que o PSDB é hoje um partido à direita do PFL. Apoiado na afirmação de Mangabeira Unger, de que quase metade dos quadros do PSDB vieram da antiga Arena, Haddad define o PSDB como ?direita antinacional, anti-social e anti-republicana?. Já o PFL, segundo Haddad, é o partido do patrimonialismo moderno, motivados pela posse do aparelho estatal como fonte de renda. O que une esses dois partidos? Haddad diz que, com as privatizações, o patrimonialismo atingiu seu apogeu no Brasil, já que os concessionários não visavam lucro e sim renda – mais valia sem risco. ?O tucano foi, desde o primeiro momento, o pefelista teórico; e o pefelista é o tucano prático?.

24/04/02

O governo é ruim e o povo quer mudanças, sim

Não é correta a conclusão de primeira página do JB de ontem, reiterada no interior do jornal, de que o eleitor não quer mudanças radicais. Começa que a ênfase deveria ser no que o leitor quer e não no que o leitor não quer. Mesmo porque, na pesquisa Vox Populi, a maioria esmagadora quer mudanças. Apenas 5% não querem e prefere que se mantenha tudo do governo FHC. Os que querem mudança substancial ou total somam 46%, mais do total que quer mudanças parciais, que é de 40%.

A elaboração do JB é um bom exemplo de como um dado verdadeiro (40% querem algumas mudanças) foi descontextualizado e fragmentado (sem a vinculação aos 46% que querem mudanças substanciais ou totais), para construir uma narrativa que falseia o significado da pesquisa primária.

Auto-engano e enganação do JB?

Na matéria interna de ontem está claro que a manipulação visa dois objetivos principais: animar Serra e tentar convencer os leitores daquilo que ele já disse que não quer: continuidade. Notem a afinidade da construção lógica do JB com o slogan de Serra, ?continuidade sem continuismo?. Depois de admitir que ?90% exigem mudanças?, o JB emenda , contraditoriamente: ?nada de rupturas em relação ao atual programa de governo?. E conclui com mais uma falsidade: ? Um alento para o candidato oficial José Serra do PSDB?. É exatamente o oposto: um desalento total para o candidato Serra. Lá no finzinho da matéria está outro dado que desmente o fio da narrativa do JB: um terço dos entrevistados considera o governo ruim ou péssimo. Só 2% consideram bom ou ótimo. Isso é menos que a margem de erro da pesquisa.

Hoje o JB admite em matéria menor que ?Serra, estagnado vira alvo do PFL?. E revela um dado interessante da pesquisa: a maioria esmagadora não mudaria o voto por causa do tipo de aliança feita pelo candidato e quando muda, como no caso de Ciro de aliar ao PFL, perdas e ganhos praticamente se compensam.

A competência que o povo quer é para mudar

César Maia põe o dedo na ferida. Diz que o povo quer mudanças, sim, e é o que mais quer, na sua detalhada análise das pesquisas, no artigo ?O dilema do Prisioneiro?, na página dois da Folha de hoje . O prisioneiro é o candidato do governo José Serra, obrigado a propor continuidade sem continuísmo. ?Depois de quatro anos e quatro meses de recessão , a contar da crise asiática, é difícil convencer alguém de que a música vai mudar mantendo a mesma orquestra?, diz César Maia. Ele defende a tese de que a imagem de competente de Serra não basta. O povo não quer competência em si, e sim competência para mudar.

César Maia está certo. No limite, imaginaram mais um cara com a mesma competência do Malan para manter tudo como está? É exatamente o que ninguém quer.

Argentina: um povo contra os bancos

Com o fracasso do novo plano de Duhalde, o Bonex 2, que visava proteger os bancos, e não os correntistas, acelerou-se novamente a crise na Argentina. Aos poucos vai se desenhando uma linha de frente: de um lado, o povo confiscado empobrecido e enganado; de outro, os bancos. Duhalde errou ao priorizar a saúde dos bancos e não a do povo.

Já se fala em hiperinflação e em antecipação das eleições gerais. Uma hiperinflação – como forma perversa de zerar tudo destruindo as economias populares – está prevista pelo economista Paulo Leme, do Goldman Sachs, na Folha de hoje (pág. 4). Diz que já existem os principais sinais de um caso clássico de hiperinflação. Por isso, já se fala na volta de algum tipo de fixação da taxa de câmbio. Hiperinflação implica no câmbio disparar.

Valor de ontem deu grande destaque à deputada Elisa Carrió, que rompeu com a União Cívica radical e está liderando pesquisas de intenção de voto à frente de um movimento novo chamado ?Alternativa para uma República de Iguais?. Elisa propõe regras duras e estáveis, acertadas entre os argentinos, de preferência sem o FMI. Quer a antecipação das eleições.

A mídia e o lobby das teles

É um lobby para conseguir um Proer das teles ou é uma crise real? Clóvis Rossi diz na Folha de hoje que é um lobby. Vários artigos importantes na mídia hoje defendem que a crise é real. Por enquanto, o importante é que está evidenciado o fracasso de mais um modelo de privatização. Esse é, aliás, o tom do título do artigo no Estadão de hoje de Ethevaldo Siqueira, o qual, apesar de muito próximo à industria de telecomunicações, é tido como um jornalista sério e o que mais entende do assunto. Ele diz que a crise é muito séria.

Retrato do Brasil

Sete mil crianças e adolescentes estão envolvidas com o narcotráfico no Rio de Janeiro. Deu no topo da página 12 de O Globo de ontem. O tráfico de drogas é o crime mais cometido por menores no Rio de Janeiro. O levantamento foi feito pelo Instituto Brasileiro de Inovação em Saúde Social. Esses menores trabalham em 337 bocas de fumo. Só na Região Metropolitana.

Não deixe de ler

A advertência de Ethevaldo Siqueira, no Estadão de hoje, de que pode haver, sim, um ?caladão? na telefonia dentro de alguns anos: ?Crise no setor põe em risco o modelo institucional no Brasil? . Leia também: ?O dilema do prisioneiro?, de César Maia, na página dois da Folha de hoje.

22/04/02

Três lições da derrota de Jospin

Primeira lição: embora mais votada do que nas eleições anteriores, somando 43,5% dos votos, segundo dados preliminares, a esquerda foi desclassificada porque foi às urnas fragmentada em sete diferentes partidos. É o que mostra Alcino Leite Neto, em ?Socialistas tentam entender resultado?, na página A12 da Folha de hoje.

Segunda lição: o discurso moderado demais da esquerda abriu caminho ao avanço das forças mais extremas, tanto da direita quanto da própria esquerda, ameaçando as vertentes clássicas desses dois campos – e não só na França, como mostra Gilles Lapouge no Estadão de hoje.

Terceira lição: as pesquisa de opinião são pouco confiáveis em situações de aceleração do tempo político numa reta final. Até a véspera, previam Jospin em segundo, com 18%, e Le Pen em terceiro, com apenas 12%. Deu Le Pen na frente de Jospin por um ponto, com 17%.

A posição de Lula

Nessa hora os repórteres deixam de ser preguiçosos. Já procuraram Lula com perguntas sobre a derrota de Jospin no domingo. Os comentaristas chapa-branca devem deitar e rolara partir de amanhã – talvez até digam que Jospin perdeu porque Lula é um pé frio. Lula tem mais &eaeacute; que se orgulhar por ter ido à França estender seu apoio a Jospin, e lamentar que outros políticos progressistas não tenham dado a mesma força ao candidato socialista para derrotar o racismo, o anti-semitismo e o fascismo. Não conseguiram barrar Le Pen, mas levaram uma boa luta, por uma boa causa, e isso é o que importa.

De repente, Lula ficou bonito

Os principais veículos do sistema deram tratamento principesco a Lula neste final de semana. Época traz uma reportagem um pouco fraca de conteúdo, mas bonita, com fotos promocionais de Lula e sem jogadas maliciosas. As idéias centrais são de que Lula pode virar governo, de que ele amadureceu (leia-se está menos radical) e que já não há medo do que possa acontecer se ele vencer. Não bastasse a capa, há os outdoors da revista, propaganda gratuita de Lula. Na mesma linha, Veja produz reportagem sobre ?O brilho da Estrela?. A ênfase é no marketing de Lula, ao qual é atribuído seu sucesso.

O ajuste fino da manipulação

Não se iludam os petistas. É tudo de combinação com Serra. O comando da campanha de Serra trabalha em regime de ajuste fino, sempre corrigindo ordens de batalha, na guerra para lhe assegurar um lugar no segundo turno. Garotinho tornou-se a principal ameaça. A nova diretiva é poupar Lula, até mesmo o emular, para que ele tire os votos de Garotinho que o próprio Serra não consegue tirar. Ao mesmo tempo, agem contra Garotinho, já chamado de ?A próxima vítima? na IstoÉ desta semana.

Mas Serra desespera

Outro recurso de Serra foi o de adotar parte do discurso de Lula, tentando se descolar do governo FHC. Serra criticou em público a extinção da Sudam e da Sudene, posições defendidas por Lula. Em conversas com repórteres, critica a equipe econômica, que não ajudaria em nada sua campanha. Especialmente os aumentos da gasolina. Isso tudo está explicado na reportagem de Raymundo Costa na Folha de domingo, que, no entanto, tenta nos vender o peixe de que a candidatura vai de vento em popa. A reportagem é quase um boletim oficial do comitê Serra. Se a candidatura estivesse indo tão bem, Serra não precisaria dar razão a Lula.

Ordem do dia: Alca

Começa hoje na Venezuela uma reunião decisiva dos vice-ministros de comércio exterior latino-americanos para discutir a Alca. A questão central é a pressão das multinacionais para que países periféricos abram totalmente suas áreas de serviços, inclusive serviços bancários, ao capital estrangeiro. A Gazeta Mercantil dedica a página A4 inteira a essa reunião. Notável é o editorial do Estadão de hoje, chamando a atenção para um documento divulgado inicialmente pelo The Guardian, de Londres, em que as multinacionais européias colocam suas exigências de abertura do setor de serviços.Até o tradicionalmente entreguista Estadão critica essa abertura indiscriminada.

MST: a importância da boa comunicação

Três boas reportagens sobre o MST, na Folha e no Estadão, mostram que uma grande comunicação pode se mais importante hoje na política do que uma grande mobilização. No Estadão do domingo, Luiz Maklouf descreve o belo projeto da escola do MST, erguida em Guararema. Na Folha do mesmo dia, ficamos sabendo que o governo falseou os números de assentamentos da reforma agrária, sabia dos planos de invasão em Buritis e que fez corpo mole.

O falseamento dos dados da reforma agrária já provocou reações fortes: ?Pela primeira vez uma reportagem da grande imprensa desvenda o que na minha opinião é a maior fraude do governo Fernando Henrique?, disse à Folha o presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária, Gerson Teixeira.

Retrato do Brasil

Desde 1999, quando houve mudança do regime cambial, o rendimento médio real do trabalho caiu 10,6% nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE. Como nesse período os impostos e tarifas aumentaram, a renda disponível para os outros gastos caiu tanto que já se tornou no principal freio à expansão econômica. Nessa pesquisa, retratada na página B8 do Estadão de domingo, a parcela 1% mais rica da população ficou em 1999 com uma fatia da renda nacional praticamente igual à dos 50% mais pobres ( 13,1% contra 14%). Essa proporção é a mesma de 1992. Ou seja, nada mudou na distribuição de renda do Brasil, uma das mais concentradas do mundo.Não deixe de ler: O editorial do Estadão: ?O capital estrangeiro e os serviços?."