Sunday, 06 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Clóvis Rossi

MONITOR DA IMPRENSA



ITÁLIA

"Itália, Europa, TV e democracia", copyright Folha de S. Paulo, 16/05/01

"Fosse o Brasil a madrasta malvada da Branca de Neve, correria ao espelho e faria a clássica pergunta: ?Diga-me, espelho meu, há alguém mais feia do que eu??.

Se o espelho fosse honesto, responderia: ?Há, sim, é a Itália?.

Convenhamos que é dose eleger primeiro-ministro um cidadão (Silvio Berlusconi), que já foi condenado, em primeira instância, em três processos diferentes, a um total de mais de seis anos de cadeia. Para não mencionar o fato de que seus aliados políticos são tão cavernosos que fazem até ACM parecer um político moderno.

É possível que, para a pilha de brasileiros indignados, a comparação com a Itália não chegue a ser propriamente um alívio. Não diminui a dor própria o fato de saber que há culpas maiores em outras bandas.

Mas há, na vitória de Berlusconi, dois aspectos que merecem a atenção dos brasileiros. Primeiro, constatar que a tal de globalização não funciona no território dos valores e princípios. Como disse Margaret Thatcher, jamais se viu uma campanha de mídia de âmbito europeu como a que se fez contra Berlusconi.

Foi chamado de tudo, de ?bufão? a ?indigno?, em praticamente todas as grifes da mídia impressa européia e até em alguns canais de TV, para não mencionar jornais norte-americanos. Ganhou assim mesmo.

Segundo aspecto: a televisão está-se transformando em um problema para a democracia. Berlusconi é dono da metade dos canais italianos (a outra metade é do Estado). Seus canais desempenharam um papel político-eleitoral tão relevante que a revista ?L?Espresso? resgatou texto do filósofo austríaco Karl Popper para dizer:

?A televisão transformou-se em um poder político colossal, como se fosse o próprio Deus que falasse.(…) Uma democracia não pode existir se não se põe a TV sob controle?.

Lembra-se de Collor em 89? Já pensou no que pode ocorrer em 2002?"

"Resultado é lamentado por imprensa", copyright Folha de S. Paulo, 15/05/01

"Em tom diferente do que adotou durante a campanha eleitoral na Itália, o jornal britânico ?The Independent? sustentou, em editorial de ontem, que a eleição do candidato de centro-direita, Silvio Berlusconi, foi uma decisão do povo italiano e, como tal, deve ser respeitada.

O diário, que, como praticamente toda a imprensa européia, criticou Berlusconi durante a campanha, reforçou suas reservas ao candidato -seus problemas pendentes com a Justiça e o fato de ele, como premiê, tornar-se detentor de 80% do setor de TV do país-, dizendo ainda considerá-lo o ?homem errado? para governar o país, mas disse que a União Européia não tem outra escolha senão reconhecer sua vitória.

?Esse país o escolheu, com o conhecimento dos fatos -conhecimento, pode-se acrescentar, temperado com uma boa dose de ressentimento com a imprensa estrangeira?, diz o diário, referindo-se à reação italiana a uma série de matérias de publicações internacionais condenando Berlusconi.

Já o francês ?Le Monde? adotou uma postura menos moderada. Em editorial intitulado ?Silvio Berlusconi, megalômano ressuscitado?, o jornal lamenta o resultado, relembra os processos pendentes contra ele e satiriza sua personalidade. ?Em primeira instância, Berlusconi foi condenado, no total, a seis anos e cinco meses de prisão?, diz o jornal em referência a condenações das quais o empresário foi absolvido posteriormente. ?Corrupção de magistrados e policiais, financiamento ilícito de partidos políticos, peculato e falsificações: tudo não passa, nas palavras de Berlusconi, de um complô de juízes vermelhos a serviço dos comunistas.?"

"A Itália elege o homem-show", copyright Veja, 21/05/01

"Bilionário com ares de imperador romano, Silvio Berlusconi conquistou a admiração e o voto dos italianos. De cantor profissional a homem mais rico do país, ele é uma mistura perfeita de cartola de futebol, industrial, político e dono de um império financeiro. Até seus amigos mais fiéis admitem que se trata de um megalomaníaco. Com a força de suas estações, um discurso populista e uma suspeitíssima aliança com neofascistas, Berlusconi derrotou o candidato da esquerda e chegou ao poder pela segunda vez (ele foi primeiro-ministro por 226 dias, entre maio e dezembro de 1994). A vitória no domingo 13 fora prevista nas pesquisas, mas impressiona, já que quando seu governo se desfez ele havia se transformado no alvo número 1 da Justiça italiana. Denúncias de lavagem de dinheiro, evasão fiscal, cumplicidade em homicídio, suborno e até conexões com a Máfia lhe renderam vários processos que ainda podem colocá-lo na cadeia. Os italianos não se incomodaram e o elegeram assim mesmo.

Como isso é possível? Não se deve pensar, como os jornais romanos insistem em lembrar, que o país se transformou numa república bananeira. Os italianos controlam a sexta economia do mundo. Só o faturamento da Pirelli (7,4 bilhões de dólares) é maior que o PIB de quase metade dos países do mundo. O país entrou de cabeça no mundo moderno ancorado na criatividade de suas marcas, como Gucci, Armani, Fiat e Parmalat, todas com faturamento acima de 1 bilhão de dólares. Seu ponto fraco é o sistema político. Nos últimos 56 anos, houve 58 governos, a maioria de coalizões que duraram apenas alguns meses e naufragaram em meio a disputas políticas. Com mais de quarenta partidos, que vendem seu apoio em troca de um naco de poder, o sistema freqüentemente paralisa o Parlamento e enfraquece o Executivo, algo que Berlusconi conheceu nos sete meses de seu primeiro mandato. O homem-show da TV convenceu a maioria dos italianos de que sua candidatura representava a mudança, apesar das advertências feitas por celebridades como o ator Roberto Benigni, o escritor Umberto Eco e o dramaturgo Dario Fo, Prêmio Nobel de Literatura, anti-Berlusconi declarados.

?Na maior parte do tempo os italianos gostam de acreditar em mentiras e mitos?, afirma o jornalista Luigi Barzini, em seu livro Os Italianos. ?O estilo de showman faz sucesso onde é produzido, mas fora dali não funciona bem, como certos vinhos.? O fenômeno Berlusconi está longe de ser algo inédito na vida política italiana. A ânsia de estadistas carismáticos e promessas de restauração das glórias da Roma imperial sempre arrastaram multidões na Itália (veja quadro). O mais nefasto deles, Mussolini, assim como Berlusconi, era baixinho, bom de papo e gostava de dizer que nunca dormia para que pensassem que trabalhava sem descanso. O jeito autoritário de Berlusconi também parece ter saído dos livros de história. Durante a campanha mandou cancelar a exibição da minissérie brasileira Aquarela do Brasil, transmitida por um de seus canais com o nome de Vento di Passione. O motivo? O chefão achou que o personagem de Thiago Lacerda estava tendo atitudes esquerdistas que influenciariam os eleitores.

Com mais show biz que política, sua vitória é semelhante à Itália vista nos programas de auditório dos canais de Berlusconi: muito dinheiro, pobreza intelectual e moralismo de fachada. Ele é dono de três redes de televisão da Itália e, quando assumir o governo, passará a controlar as outras três que existem na TV aberta, que pertencem à estatal RAI. Dono de uma fortuna estimada em 13 bilhões de dólares – uma das vinte maiores do mundo -, seu conglomerado se estende por tantos ramos comercias que é impossível que qualquer decisão governamental não afete seus negócios. O grupo Fininvest, fundado por ele há 25 anos para controlar seus empreendimentos, engloba o Milan, um dos mais tradicionais clubes de futebol do país, a Mondadori, maior editora da Itália, várias empresas de comunicação, bancos, seguradoras e outros negócios imobiliários.

Berlusconi vai precisar de muito mais que uma gorda conta bancária para domar os dois principais aliados da coalizão eleita. O primeiro, Gianfranco Fini, líder da Aliança Nacional, acha o ditador fascista Benito Mussolini o maior estadista que a Itália já teve. O segundo, Umberto Bossi, que controla a Liga Norte, é fã do xenófobo austríaco Joerg Haider. Esses aliados querem influir num tema quentíssimo: o tratamento dado à imigração. Se os italianos ganharam o mundo com o êxodo de 26 milhões de pessoas, no século XX, hoje o país envelheceu. Ao lado do Japão, a Itália tem a população mais velha do planeta, com média de idade de 40 anos. A fecundidade, de 1,2 filho por mulher, é das menores do mundo. Em 1999, o país registrou 570.000 óbitos e 526.000 nascimentos, um déficit de 44.000 pessoas. A ONU estima que a Itália precise abrir suas fronteiras para 7 milhões de imigrantes nos próximos 25 anos, sob pena de se tornar um país com mais inativos que ativos. A idéia causa arrepios no trio Berlusconi-Bossi-Fini, que culpa, com altas doses de racismo, os 3 milhões de imigrantes que vivem no país pelo índice de 10% de desemprego. O problema, evidentemente, está em outro lugar: o abismo socioeconômico que existe entre o norte, industrializado, e o sul, com um número de desempregados duas vezes maior e onde vivem mais de 60% da população pobre do país. A vitória dessa aliança suspeitíssima pegou a União Européia de calças na mão. No ano passado, por motivos idênticos, a Áustria sofreu sanções aprovadas por seus catorze parceiros quando a coalizão de Haider chegou ao poder. Dessa vez, os europeus preferiram outro discurso. Em parte porque esse tipo de pirraça diplomática só aumentou a popularidade de Haider, mas essencialmente porque perceberam a tempo que a Itália não é a Áustria. Nesse caso vale a pena esperar para ver quanto tempo vai durar o governo Berlusconi. A média italiana é de onze meses."


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