Thursday, 16 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1288

De que sorriem os âncoras?

TV FÚTIL

Breno Costa (*)

Como uma mídia que, quando não distorce os fatos, simplesmente os omite pode ser chamada de imparcial? Como uma mídia cuja maior fonte de recursos provém de multinacionais estrangeiras pode ser chamada de independente? Como uma mídia que não permite uma real reflexão por parte do público pode ser chamada de democrática? Como um país pode se desenvolver se a grande maioria de seu povo não exercita o mínimo pensamento crítico? Enfim, que realidade os sorrisos de nossos apresentadores e âncoras refletem?

É bem provável que seja de seus bolsos muito bem recheados. Porque não é muito fácil rir de crianças vivendo como porcos e tendo como vizinhas as valas de esgoto. Tampouco de meninos e meninas que dormem em ruas bem próximas aos seus estúdios equipados com ar-condicionado, cafezinho e água mineral à disposição para aplacar suas vidas tão agitadas. E é nesses estúdios, ou ilhas de felicidade, que nossos apresentadores especulam sobre quem será a próxima namorada do galã da novela das 8 ou sobre o segredo daquela mulher desesperada. E tudo isso apoiado pela velha desculpa: o público escolhe o que quer ver.

A partir dessa justificativa pode-se escolher um entre dois caminhos. O primeiro decorre do reconhecimento de que o público é verdadeiramente burro, já que prefere saber sobre a vida de pessoas que ele nem conhece em vez de saber sobre coisas que realmente afetam sua vida. Ou então o público escolhe ver tais programas justamente por não ter opção de escolha. Como realmente acredito na capacidade intelectual do ser humano, prefiro, até mesmo por constatações empíricas, ficar com a segunda opção.

Mascaramento da realidade

E olha que essa falta de opções não se limita à TV. Revistas e música também se incluem nessa indústria que chama o povo de burro, uma vez que não admite alternativas claras para seu público. Por que quando vamos a um dentista sempre encontramos uma Caras ou uma Veja (que, convenhamos, não deixa muito a dever a essa fábrica de antídotos ao pensamento crítico), mas nunca nos deparamos com uma revista Bravo ou até mesmo uma Carta Capital? Se há opções, que pelo menos deixem-nas à vista do público. Nas poucas vezes em que se permitiu essa exposição o resultado foi o topo na lista dos livros mais vendidos para o revelador livro Uma nação de idiotas, de Michael Moore, que ganhou notoriedade ao receber o Oscar de melhor documentário, por Tiros em Columbine. Mas nós bem sabemos que quem compra livro é quem tem dinheiro. E que quem tem dinheiro é minoria neste país.

Ainda poder-se-ia objetar dizendo que a TV a cabo permite uma ampla gama de escolha. Sem dúvida alguma. Mas qual a parcela da população brasileira que assina TV a cabo? O mesmo vale para a internet, apesar de o acesso estar aumentando cada vez mais. Que incentivo as pessoas recebem para visitar páginas culturais ou jornalísticas independentes? Basta ver as palavras mais procuradas em sites de busca. Sexo está disparado em primeiro lugar. Será pelo imenso estímulo sexual recebido através da TV e da música ou é apenas fruto de nossos instintos primitivos? Acredito que se fosse uma questão instintiva a primeira palavra na lista seria comida. Para os desavisados, a nutrição ? e não o sexo ? é o principal instinto do homem.

Nem mesmo quando assistimos aos telejornais, supostamente, programação para os que querem se manter bem-informados, estamos imunes ao mascaramento da realidade. Quando dólar e risco-Brasil disparam, a primeira e, às vezes, única coisa que se discute é o efeito de tais "catástrofes" nos papéis da empresa X ou no balanço de pagamentos da companhia Y. A vida daquelas crianças abandonadas do lado de fora dos estúdios parece não ter qualquer relação com as oscilações financeiras. E o pior, a prioridade do governo ? e exaltada pela grande mídia ? é a busca pela estabilidade da moeda, enquanto a luta desses seres humanos pela estabilidade de suas pernas deve ser alcançada com esforço próprio.

(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense