Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Folha de S. Paulo / Reuters

COBERTURA DE GUERRA

“Punida em Bagdá, Al Jazeera pára trabalho no Iraque”, copyright Folha de S. Paulo / Reuters, 4/04/03

“A TV Al Jazeera, do Qatar, disse ontem que o Iraque havia impedido dois de seus correspondentes de fazer reportagens em Bagdá e que, em protesto, estava suspendendo o trabalho de seus jornalistas no Iraque.

O governo iraquiano não deu motivos para a aç&atildatilde;o contra a TV qatariana, que transmite em árabe e tem sido criticada pelos EUA e pelo Reino Unido por mostrar imagens da guerra que seriam favoráveis a Saddam Hussein.

?O Ministério da Informação do Iraque informou ao escritório da Al Jazeera em Bagdá que seu correspondente Diyar al-Omari foi proibido de fazer seu trabalho jornalístico e que seu correspondente Taysir Alouni deveria deixar o Iraque o mais cedo possível, sem explicar o motivo da decisão?, afirmou a TV.

?A Al Jazeera lamenta essa posição repentina, que não foi justificada, e decidiu, até segunda ordem, suspender o trabalho de todos os correspondentes no Iraque, continuando a transmitir imagens ao vivo e gravadas de Bagdá, Basra e Mossul.?

A TV é vista por 35 milhões de pessoas no mundo árabe e tem grande influência sobre a opinião dos árabes a respeito da guerra.”

“Guerra”, copyright Folha de S. Paulo

“4/04/03

?A vinheta ?Ataque do império? adotada pela Folha é correta e precisa, pois uma potência militar fez uma invasão desrespeitando a ONU e o direito internacional e está matando centenas (milhares?) de civis com armas de destruição em massa (ou será que se pode chamar de outra maneira as bombas de fragmentação e demais equipamentos ?cirúrgicos? norte-americanos?).? Mário Poloni (São Paulo, SP)

?Não sendo árabe, muçulmano, islâmico, fanático de qualquer espécie, terrorista, homem-bomba, admirador de ?Sattan? Hussein nem totalmente néscio, receber e ler o parcial exemplar da Folha tornou-se extremamente desagradável. É insuportável o tendencioso e cansativo refrão ?Ataque do império?, bem como as tolas e insistentes manchetes emocionais e fotos que mostram criancinhas queimadas, como se não estivéssemos fartos de saber que, em guerras, civis, infelizmente, morrem mesmo.? Fausto Leistner (São Paulo, SP)

?Realmente a Folha deveria mudar a vinheta ?Ataque do império?. Mudar para ?Carnificina do império?. Não dá para acreditar que um homem que se diz cristão promova a mortandade de seres que são o ?próximo, que deveria ser amado como a si mesmo?. O mais aterrador é que o povo americano, que lê a Bíblia, apóie essa barbárie.? Raul Coury (Piracicaba, SP)

6/04/03

?Não sou árabe, muçulmano, islâmico, fanático de nenhuma espécie, terrorista, homem-bomba, admirador de ?Sattan? Hussein nem totalmente néscio. Mas também não sou judeu e, por isso, entendo que a vinheta da Folha -?Ataque do império’- é muito eufemística para traduzir as atrocidades bushianas. Gostaria de lembrar ao senhor Fausto Leistner (?Painel do Leitor?, 4/4) que estamos ?fartos de saber que, em guerras, civis, infelizmente, morrem mesmo?. E que em holocaustos e genocídios também. Portanto, sugiro à Folha que mude sua vinheta para ?Atrocidades do império?, bem mais condizente com o que está acontecendo no Iraque. Isso sem falar que uma civilização de mais de 7.000 anos, o berço da humanidade, está sendo destruída só porque o caubói quer brincar de guerrinha.? Manuel Amaro (São Paulo, SP)

?A cobertura da guerra pela Folha tem se revelado correta e ponderada, mostrando as consequências deste grave conflito. Isso num momento em que muitas empresas jornalísticas e muitos jornalistas têm esquecido o seu compromisso de levar a verdade ao público em razão de posições nacionalistas -caso de diversos jornais norte-americanos e britânicos. Fiquei pasmo de ver como a ?Newsweek? transformou-se numa agência ?chapa-branca?, divulgando prioritariamente as versões defendidas pelo Pentágono. Felizmente, a imprensa brasileira em geral, e a Folha em particular, não caiu em tão sério erro. A demissão de Peter Arnett pela NBC mostra como a imprensa também pode atentar contra a liberdade de expressão. Acredito que a invasão do Iraque possa servir como lição importante de como a imprensa deve lidar com os interesses de Estado em situações delicadas. E acredito que brevemente a imprensa brasileira terá de lidar com situação semelhante, quando o Estado tomar coragem para enfrentar a guerra civil promovida pelo crime organizado.? Drauzio Antonio Rezende Júnior (Taubaté, SP)”

 

“Silêncio e censura, inimigos da liberdade”, copyright Folha de S. Paulo, 8/04/02

“Com o fragor das batalhas em Bagdá, assistimos a uma outra luta, agora na América do Norte. Refiro-me à campanha oficial daquele país contra a imprensa livre. Vejamos o exemplo de Peter Arnett, profissional que teve ilusões de dizer o que pensava sobre os erros estratégicos americanos.

Demitido, lemos as desculpas melancólicas que ele mesmo apresentou ao complexo político e militar que orienta sua terra. Com esse fato, um limite espiritual foi superado. Os jornalistas autênticos que operam nos EUA sabem que o liberalismo foi suspenso. Calar ou exercer a propaganda governamental é a opção permitida à imprensa. Algumas resistências à censura foram esboçadas e a tentativa de Arnett é prova disso. Mas a profissão jornalística recebeu um ferimento grave.

Janio de Freitas, na Folha, em 1?/04/ 03, apresentou um requisitório contra o silêncio de pessoas e instituições na guerra do Iraque. O mutismo define as tiranias. A primeira coisa que buscam os autocratas é a cumplicidade das vítimas. Elias Canetti lembra o imperador Domiciano, cujo desejo era aterrorizar os líderes de Roma. Ele os convidou para uma refeição e, nela, os alimentos servidos eram idênticos aos ofertados pelas almas dos mortos. Enquanto os ?convivas? guardaram um silêncio de pavor, Domiciano recordou falecimentos e massacres. Alternaram-se, nos convidados, o medo diante da morte e a esperança de sobrevida. Os líderes deixaram-se dominar no pêndulo daquelas emoções.

Comentário de Canetti: ?O terror incessante no qual Domiciano manteve seus hóspedes fez com que eles emudecessem. Somente ele falava, e falava de mortes e massacres?. Mas, na vida pública, o silêncio é menos traumático do que a fala obrigatória das vítimas.

Na Santa Inquisição, silentes quando ?apenas? os cristãos novos eram torturados e postos em fogueiras, os mudos da época sentiam chamas ardentes se aproximarem de seu corpo. Quando pegos nas mesmas armadilhas sobre as quais se calaram, foram coagidos a confessar muitas faltas, na maioria inexistentes. A igreja tem essa mancha no seu pretérito.

Também nos modernos movimentos políticos deu-se a passagem do silêncio às palavras enunciadas para confirmar os poderosos. Caso típico são os julgamentos de Moscou sob Stálin. Os fiéis ao programa revolucionário silenciaram quando os dirigentes distorceram teses e ordenaram perseguições aos inimigos do partido. Os militantes calaram porque o mesmo partido era a sua vida. Eles e a máquina política seriam uma só carne. Os emudecidos nos primeiros tempos tirânicos tornaram-se réus, confessaram faltas inexistentes, destruíram sua personalidade em favor do líder. Espantosa e triste comunhão entre os ?culpados? de Moscou e os seus algozes: Claude Lefort analisa o fenômeno em livro não traduzido para a nossa língua, ?Un Homme en Trop?.

Mas não apenas a URSS impôs o silêncio e a fala forçada. Na França, na Inglaterra, nos EUA ocorreram estupros de almas, confissões e pedidos de perdão por supostos ?erros? cometidos. Na Argélia, os franceses sabiam que seu governo torturava os árabes. Poucos tiveram a coragem de Sartre para denunciar a ?superior civilização? francesa. Muitos acadêmicos e jornalistas assumiram um tom contrito, desculpando-se não diante dos torturados, mas dos torturadores. Eles tentaram apagar até a simples notícia das atrocidades.

No macarthismo, espetáculo similar surgiu diante do mundo.

Essas práticas pavimentaram as políticas do Ocidente, onde a regra é o silêncio, o medo, o aviltamento da consciência. As exceções brilham. O caso de Peter Arnett é notável. Ele ousou dizer coisas escondidas a milhões de americanos. Despedido, as suas desculpas foram lamentáveis. Mudando nomes e lugares, temos nesse caso a realidade dos processos moscovitas. Neles, o réu tinha no partido a sua razão de ser, e devia confessar traições imaginárias para garantir o ?seu? Estado. Arnett e a América deveriam ser um bloco. Quebrado o monolito, restou ao jornalista a humilhação de indicar o seu pensamento como servo da censura, o que é proibido pela Constituição americana.

Na URSS de ontem e nos EUA de agora, a imprensa sofreu e sofre com as tenazes da razão de Estado. Arnett testemunha a violência contra a liberdade de pensamento. Depois desse fato, e das atrocidades cometidas pelos governos, com o silêncio acovardado dos acadêmicos e da mídia, é certo dizer com Bertrand Russell: ?Um exame sem parcialidades da conduta internacional de hoje permite concluir que os parâmetros de comportamento mantidos pelo nazismo e fascismo tornaram-se geralmente aceitos (?The Doctrine of Extermination’)?.

Isso permite, nas guerras de agora, a violência contra civis em escala infernal. A liberdade de imprensa, mais do que nunca na história, deve ser conquistada e garantida. Enquanto restar uma palavra impressa que não resulte da censura, o silêncio cúmplice ainda não será a norma absoluta. E haverá uma possibilidade de convívio entre os humanos. Roberto Romano, 57, filósofo, é professor titular de ética e filosofia política na Unicamp.”