Tuesday, 10 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Howard Kurtz

EUA / VIAGEM EM SIGILO

“Sigilo adotado pelos jornalistas divide opiniões”, copyright O Estado de S. Paulo, 29/11/03

“Embora a Casa Branca tenha mentido a grande parte da imprensa para esconder a visita do presidente Bush a Bagdá, muitos analistas e jornalistas manifestaram disposição de perdoar o governo.

?Neste caso, é justificável?, disse Bob Schieffer, o principal correspondente da rede CBS em Washington. ?Era extremamente importante para o presidente demonstrar que está disposto a ir aonde foram estes jovens enviados por ele.? Se os repórteres ?estivessem acompanhando uma operação militar em Bagdá, eles a manteriam em segredo?.

Mas Philip Taubman, chefe da sucursal em Washington do jornal The New York Times, afirmou que ?nos dias de hoje deveria haver uma maneira de levar mais repórteres. As pessoas são perfeitamente capazes de guardar um segredo por razões de segurança. É um mau precedente.? Assim que os funcionários da Casa Branca ?decidiram realizar uma viagem furtiva, eles incorreram numa série de coisas que são questionáveis?.

Tom Rosenstiel, diretor do Projeto para a Excelência no Jornalismo, criticou os correspondentes na Casa Branca que fizeram a viagem sem contar o segredo.

?Isto não é legítimo?, disse ele. ?O negócio dos repórteres é dizer a verdade. Eles não podem decidir que se pode mentir de vez em quando porque isso serve a uma verdade maior ou a uma boa causa.?

O truque foi tão completo que os funcionários da Casa Branca não apenas disseram que o presidente passaria o feriado de Ação de Graças em Crawford, Texas; eles anunciaram até o cardápio, peru caipira. A agência de notícias Associated Press informou quarta-feira, citando um ?alto funcionário do governo?, que na estada em Crawford ?o presidente passará parte do Dia de Ação de Graças ligando para soldados para expressar sua gratidão e a da nação por seu serviço no Iraque?.

Embora os jornalistas rotineiramente mantenham em segredo detalhes de operações militares, como fizeram durante a guerra no Iraque, é altamente incomum eles não revelarem uma importante viagem presidencial ao exterior.

O ex-porta-voz Joe Lockhart, do presidente Bill Clinton, afirmou: ?Não há como fazer esse tipo de viagem se ela for noticiada de antemão, por razões de segurança. Meu problema com isso não é que ele enganou a imprensa. Este é um presidente que tem se recusado a oferecer sua presença às famílias que sofrem, mas não pensa duas vezes antes de viajar para Bagdá para usar as tropas como promoção.? Mas Jonah Goldberg, editor-geral da National Review Online, qualificou a viagem de ?golpe de mestre político?, afirmando: ?Não se tratou de mentir sobre uma lacuna de 18 minutos numa fita (como no escândalo Watergate) ou mentir sob juramento. Se eles tivessem anunciado a viagem e houvesse ataques e pessoas morressem, todo mundo estaria fazendo uma gritaria porque Bush pôs pessoas em perigo. Tenho certeza de que o pessoal da imprensa está escondendo o rosto, mas sinceramente duvido que alguém nos EUA reais vá se preocupar de alguma maneira com isso.?

Rosenstiel, no entanto, disse que a viagem ?seria muito mais notícia num dia de noticiário fraco se fosse inesperada. O que os repórteres fizeram, ao colaborar com isso, foi ajudar Bush politicamente?.

Entre os 13 correspondentes do pool da Casa Branca chamados para a viagem estavam Jim Angle, da Fox News; Terence Hunt, da AP; Mike Allen, do Washington Post; Richard Keil, da Bloomberg News; um repórter da Reuters; e fotógrafos da Time, da Newsweek e de três serviços de notícias.”

 

ITÁLIA

“Berlusconi é eleito ?descomunicador? do ano”, copyright Folha de S.Paulo, 30/11/03

“Ninguém neste ano se comunicou tão mal quanto Silvio Berlusconi. Foi essa a conclusão à qual chegou o júri de nove pessoas que concedeu ao premiê italiano, na última semana, o prêmio de ?descomunicador? do ano pela Associação de Imprensa Estrangeira em Londres.

O título do prêmio -?miscommunicator?, em inglês- é um trocadilho entre ?falha de comunicação? (miscommunication) e os concursos de miss. A láurea foi disputada por concorrentes de peso, como Mohammed al Sahaf, o inacreditável ex-ministro das Comunicações do ditador iraquiano deposto Saddam Hussein -aquele que cantava vitória na TV enquanto as tropas americanas invadiam Bagdá.

O júri, que incluiu jornalistas de sete países e o ex-subsecretário de Estado americano James Rubin, teve um vasto material de análise.

Pródigo em declarações polêmicas, Berlusconi foi especialmente prolífico neste ano, quando defendeu o ex-ditador Benito Mussolini (1883-1945), ofendeu os alemães, chamou de ?mentalmente deficientes? os juízes que investigam seus negócios e ainda assumiu a defesa do presidente russo, Vladimir Putin, e do premiê israelense, Ariel Sharon, quando ambos haviam tomado medidas repreensíveis em seus países.

A soma de gafes talvez só seja comparável, no universo berlusconiano, à sua declaração, dada em 2001, de que a civilização ocidental era superior à oriental e que a primeira ia seguir dominando povos mesmo que para isso batesse de frente com o islã.

?É errado avaliar Berlusconi do ponto de vista político. Você só pode entendê-lo dentro de uma estratégia televisiva?, disse à Folha Roberto Vecchi, professor de Língua e Literatura Estrangeira na Universidade de Bolonha.

Mais do que um político, Berlusconi é um showman. Dono de um dos maiores impérios de mídia do país, que compreende de canais de TV a jornais e editoras, o premiê investe pesado na imagem de ?gente como a gente?.

?O que ele está buscando é um equilíbrio entre o homem de Estado e o homem da rua?, afirmou Roberto Grandi, professor de teoria e técnica da comunicação de massa especializado em marketing político também na Universidade de Bolonha. ?Ele quer falar como as pessoas falariam em um café, e com isso se distanciar da imagem do político tradicional.?

Para os analistas, a personalidade de Berlusconi é a matéria-prima de seus estrategistas, e a base de seu apoio -além de uma vasta rede de interesses ligada a seus negócios pessoais- consiste na massa de telespectadores. ?As pessoas que trabalham com a imagem do Berlusconi já sabem que ele vai fazer essas performances. Os eleitores mais educados podem não gostar, porque ele muitas vezes soa esdrúxulo ou mesmo vulgar demais. Já para as pessoas menos educadas, é um meio de se aproximar do que elas pensam?, afirmou Grandi.

Vecchi pensa de maneira semelhante. ?A metáfora da televisão é ótima nesse caso, porque a televisão é uma coisa que parece próxima, mas na verdade está distante. A tentativa de aproximação de Berlusconi é televisiva, falsa. Os interesses dele estão distantes dos de todo mundo. Mas o sistema se sustenta. Não é amadorismo, é algo muito engenhoso.?

Segundo o professor de literatura, a TV, por sua efemeridade, cai como uma luva para as performances de Berlusconi. ?Ele é a única pessoa que grava comentários, muitas vezes horríveis, e depois desmente como se não houvesse dito. A TV é um meio em que você pode dizer qualquer coisa e desmentir logo, não é algo que fica. Não é algo consistente.?

Se por um lado o comportamento de Berlusconi faz parte de uma estratégia cuidadosamente traçada, por outro ele tem um tamanho grau de autenticidade que faz do premiê praticamente uma ameaça a si mesmo.

O episódio com os alemães foi ilustrativo. No que depois disse ter sido uma brincadeira mal interpretada, Berlusconi ofereceu a um deputado alemão, em pleno Parlamento Europeu, o papel de comandante nazista em um filme.

A declaração fez o chanceler (premiê) Gerhard Schröder cancelar suas férias na Itália, criando um incidente diplomático especialmente delicado (Berlusconi acabara de assumir a presidência rotativa da União Européia, na qual a Alemanha é o motor).

A atitude fermentou as críticas que já vinham sendo feitas ao premiê, sobretudo em cima do conflito de interesses entre ele governar o país e comandar um império financeiro que inclui um conglomerado de imprensa.

?Os demais líderes europeus não vêem a hora de o semestre italiano acabar?, disse Grandi. ?Quando está com membros do governo de outros países, ele conversa, por exemplo, sobre a relação dele com a mulher?, afirmou o professor, referindo-se a quando Berlusconi prometeu apresentar o premiê dinamarquês à sua mulher porque ele era ?mais bonito do que Massimo Cacciari?, um ex-prefeito de Veneza com quem a mulher de Berlusconi, segundo a imprensa italiana, teria uma relação extraconjugal.

Para o analista, nem a presidência da UE será capaz de mudar o premiê. ?Acho que para ele é muito difícil não dizer essas coisas. Se ele estiver lendo, tudo bem, mas, quando está falando, Berlusconi é Berlusconi.?”

 

VENEZUELA

“A dois dias de campanha da oposição, Chávez acusa TVs privadas de boicote”, copyright Folha de S.Paulo, 27/11/03

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse ontem que as redes privadas de TV se negam a transmitir propagandas governistas e ameaçou intervir caso o suposto problema continue.

?Se eles não transmitirem publicidade dos partidos [pró-governo], terei de tomar uma decisão?, disse Chávez, em ato oficial.

As acusações ocorrem a dois dias do início da campanha da oposição para recolher assinaturas em favor de um referendo sobre a saída de Chávez. Pesquisas de opinião mostram que a oposição reunirá os 2,4 milhões de assinaturas necessários (20% do eleitorado), mas o governo diz que os resultados são manipulados.

Caso esse número mínimo seja alcançado, o referendo poderá ser realizado em março de 2004.

As TVs negaram a acusação e afirmam que Chávez tem abusado do direito de convocar pronunciamentos presidenciais, cuja transmissão é obrigatória por lei.

Os chavistas têm acusado os donos de TV de participação em conspirações contra o governo e de envolvimento no fracassado golpe de Estado de 2002.

Reforço

Chamado às pressas a Caracas por Chávez, o embaixador da Venezuela no Brasil, Vladimir Villegas, 41, acumula desde o início deste mês a presidência da TV estatal VTV. A emissora é uma das principais armas da propaganda oficial para enfrentar a oposição.

Em entrevista à Folha por telefone, Villegas disse que só volta ao Brasil na semana que vem, quando deixará oficialmente o cargo de embaixador. Segundo ele, o ex-presidente da VTV saiu do cargo por problemas de saúde.

Villegas disse que, por orientação de Chávez, a TV estatal ?aprofundou, nestes dias de coleta de assinaturas, uma política de equilíbrio informativo?.

Segundo Villegas, se os canais privados de TV forem tendenciosos na campanha das assinaturas, a VTV reagirá ?defendendo o Estado de Direito? e ?compensando informativamente as falhas em caso de manipulação midiática desmedida e incontrolável?.

Ele disse que conversa diariamente com o vice-presidente José Vicente Rangel, considerado o braço direito de Chávez. ?Ele é jornalista, me dá muito apoio e me aconselha bastante.?”