Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

João Batista Natali

NOTÍCIA RACIONADA

"Desinformação marca início do conflito",copyright Folha de S.Paulo, 22/3/03

"A guerra das desinformações corre solta. Geoff Hoon, ministro britânico da Defesa, disse ontem que soldados iraquianos em retirada haviam incendiado 30 poços de petróleo. A CNN falou em 15. Mas o próprio Geoff Hoon diria à noite que eram apenas sete os poços atingidos.

Essa mistura de imprecisão na informação e de provável malícia também acompanhou os rumores sobre o que teria acontecido com o ditador iraquiano, Saddam Hussein.

Donald H. Humsfeld, secretário norte-americano da Defesa, disse não saber ?se Saddam continua no comando do Iraque?, o que alimentou o boato de que o ditador fora morto pelos primeiros mísseis que caíram sobre Bagdá na madrugada de quinta-feira.

O jornal inglês ?The Guardian? embarcou na hipótese. Disse em seu site no fim da tarde que ?nos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido afirma-se ser impossível confirmar se informações da mídia sobre a morte de Saddam seriam corretas?.

A notícia partiu da BBC, que se baseou em informante do governo britânico. Pouco depois o almirante Michael Boyce, da Marinha Real, dizia não ter elementos para confirmar o rumor.

O fato é que a própria BBC estava insegura quanto à veracidade: seu site na internet não trazia a suposta notícia em sua página de abertura.

Ao estimular a circulação da dúvida, os beligerantes deixam o inimigo iraquiano inseguro e confuso. Mas também plantam muita confusão e insegurança na mídia.

O mesmo vale sobre a aparição de Saddam Hussein na TV, duas horas e meia depois de iniciados os bombardeios. Ari Fleischer, porta-voz da Casa Branca, disse na manhã seguinte que seu governo ?não chegara a nenhuma conclusão sobre essa transmissão (…), se quem aparecia era realmente Saddam?.

Donald H. Rumsfeld, o secretário da Defesa, disse pouco depois algo semelhante. Curiosamente, antes de Rumsfeld se pronunciar, a BBC citava informantes da CIA que confirmavam se tratar mesmo de Saddam e não de um sósia.

Uday Hussein, filho mais velho do ditador, esteve no centro de outros rumores. Segundo a agência iraniana Irna, ele sofreu hemorragia cerebral depois de ter sido espancado por um dos seguranças de seu pai.

Outro rumor que circulou quarta-feira envolveu Tareq Aziz, vice-primeiro-ministro e um dos mais próximos de Saddam. Ele teria desertado. A informação foi espalhada por norte-americanos. Pode ter sido uma artimanha para que Aziz aparecesse em público e assim desmentisse o fato.

Mas a partir de então seus movimentos foram rastreados, segundo informações cuja veracidade é impossível confirmar.

De mais concreto há a informação da CNN de que o gabinete de Tareq Aziz teria sido atingido por um dos mísseis norte-americanos no início da ofensiva.

?Sabemos que Saddam mente a seu povo e divulga falsas informações. Nossa missão é contar a verdade? disse ao ?Le Monde? o tenente-coronel Edward Worley. Ele é o chefe do centro de mídia instalado no Qatar e que abriga cerca de 600 jornalistas.

De explícito há o documento publicado pelo governo de Israel, lembrando que a censura não permite a divulgação sobre o local em que eventualmente caiam mísseis iraquianos e o tipo desses mísseis. A ordem é assinada pela general-de-brigada Rachel Dolev."

"Ação reforça apoio da mídia a Bush", copyright Folha de S.Paulo, 22/3/03

"Se tem o efeito de engrossar as fileiras do governo norte-americano até com parcelas da população que não concordam com a batalha, o início da guerra mostrou que detém poder semelhante sobre a mídia do país.

Os primeiros bombardeios norte-americanos sobre Bagdá contribuíram para mudar o tom até da mais influente voz antiguerra nos Estados Unidos, o diário ?The New York Times?.

Na quinta-feira, em editorial, o jornal externou uma auto-reflexão: ?Agora que os ataques começaram, mesmo aqueles que veementemente se opuseram à guerra vão se ver na estranha situação de esperar por justamente o que o presidente a quem se opõem quer: uma resolução rápida, com o mínimo de sangue possível?.

A seguir, emendou: ?Agora, todos nossos outros pensamentos têm que esperar. Esperamos tão somente o bem-estar dos homens e mulheres que estão se enfiando no deserto?.

Em editorial, alguns dias antes do início dos combates, o ?New York Times? tornou-se um dos poucos veículos de comunicação norte-americanos a se posicionar contra a guerra.

?Estratégia inteligente?

Ontem, o mesmo espaço do jornal nova-iorquino já raciocinava em outro ciclo.

?Nada pode fazer essa invasão parecer melhor aos olhos do mundo do que ela ser bem-vinda pelos iraquianos?, opinou o ?NYT?.

?Uma estratégia inteligente no jogo decisivo será a medida final do sucesso dos aliados?, disse o jornal.

Entre os que apoiaram a guerra desde o início, o debate é um tanto diferente, como mostrou um caso ocorrido nesta semana na vida parlamentar de Washington.

O líder democrata no Senado, Thomas Daschle, criticou duramente o governo de George W. Bush, dizendo que ele havia empurrado o país à guerra.

?Fiquem de olho?

Na rede conversadora Fox News, a reação em um tom ainda mais elevado. ?Ele não tem credibilidade. A população de Dakota do Sul deve ficar de olho nele?, gritou um âncora da TV.

O massacre sobre Daschle chegou a tal ponto que o jornal ?Washington Post?, abertamente favorável à guerra, saiu em defesa do senador.

Em seu principal editorial ontem, escreveu: ?Nós discordamos frontalmente dele (…) mas estar errado não é o mesmo que ser antipatriótico, como muitos republicanos têm sugerido?.

Apoio claro

Entre os principais jornais, o apoio à guerra é cristalino. Além do ?Washington Post?, o ?The Wall Street Journal? e o ?USA Today? já fizeram editoriais favoráveis ao conflito.

O WSJ, por exemplo, ao comentar em editorial o apoio majoritário da população à guerra, escreveu: ?É um show extraordinário da resolução democrática, o tipo de apoio que os ditadores sempre compreendem muito tarde, quando compreendem. As democracias demoram para guerrear, mas, quando ameaçadas, podem se mobilizar numa força extremamente poderosa?. (RD)"

"?Guerra em directo? suscita interrogações", copyright Público, 23/3/03

"A vaga contínua de imagens da ?guerra em directo?, que inunda as televisões internacionais desde o início da intervenção militar contra o Iraque, começa a suscitar algumas interrogações. O mesmo acontece com a possibilidade, desta vez aberta a uma parte dos jornalistas destacados, de acompanharem as unidades militares no terreno.

?Seguir a guerra em pormenor e em tempo real, nomeadamente o avanço da infantaria, é uma experiência nova, desconfortável mas cativante?, escrevia o ?Washington Post? num editorial publicado ontem. Mas essas imagens ?vão tornar os telespectadores insensíveis aos horrores da guerra ou, ao contrário, permitir que os apreendam melhor??, interrogava-se o jornal.

?É útil lembrar que esta cobertura em directo dá uma imagem surpreendente mas longe de ser completa?, afirmava também. Para o ?Washington Post?, as imagens a que os telespectadores têm acesso dão um ?conhecimento tão íntimo que pode enganar-nos fazendo-nos crer que sabemos e vemos efectivamente a realidade?.

Num texto em que se interrogava sobre a precisão dos bombardeamentos sobre Bagdad, também o ?The New York Times? assinalava que a cobertura televisiva do presente conflito ?faz entrar de uma maneira inédita a violência da guerra nos lares?. O jornal espanhol ?El Mundo? destacava igualmente que ?jamais a humanidade assistiu em directo a uma devastação similar causada por uma acção de guerra? e interrogava-se ? referindo o número divulgado de baixas iraquianas e a quantidade de poços de petróleo incendiados ? se a propaganda não estará a ?afastar de maneira imperceptível a informação?.

Tão perto como no Vietname

A possibilidade de acompanhamento dos militares no terreno, que não acontecia desde a guerra do Vietname e foi agora aberta a mais de 600 jornalistas, está também a suscitar alguma reflexão. ?Creio que os militares entenderam que haveria poucas perdas e que a acção seria rápida, e quiseram testemunhas para o mostrar?, afirmou à agência AFP Richard Wald, antigo presidente da NBC News e hoje professor de jornalismo da Universidade de Columbia.

?Se tivessem outro tipo de guerra em mente, estou certo que teriam procedido de outra forma.? Wald recorda que a guerra de 1991 ?foi quase inteiramente coberta através de conferências de imprensa, até que perto do fim do conflito os jornalistas violaram as regras fixadas pelos militares e se precipitaram para o Kuwait?.

Mas a opção ?política? de permitir o acompanhamento das movimentações militares não pode ser separada das novas possibilidades técnicas. Em 1991, uma ?equipa móvel? exigia equipamentos com um peso superior a 900 quilos. Agora, quando se opta pelo videofone, ainda que sacrificando a qualidade da transmissão, o equipamento fica-se pelos cinco quilos."

"Repórteres Sem Fronteiras pedem liberdade de acção para jornalistas que acompanham tropas", copyright Público, 21/3/03

"A organização francesa Repórteres sem Fronteiras (RSF) manifestou algumas reservas às regras impostas pelas autoridades militares dos Estados Unidos aos jornalistas que acompanhem as suas tropas para cobrir no terreno o ataque ao Iraque. E pediu às autoridades norte-americanas para garantirem a liberdade e segurança dos jornalistas, alertando-as para as condições em que vão permitir a cobertura do conflito.

Num comunicado de imprensa, a RSF declara o seu ?acolhimento favorável? a esta política, ?que deveria ? teoricamente ? permitir uma melhor cobertura dos acontecimentos? do que na Guerra do Golfo de 1991, mas acrescenta que ?apenas a prática permitirá avaliar se as regras de acompanhamento, muito restritas, satisfazem o grau de independência e liberdade requerido pelos profissionais? de comunicação social.

A primeira reserva apontada ao regulamento de 50 pontos criado pelas forças militares prende-se com a tentativa de ?especificar quer as informações que podem quer as que não podem ser divulgadas? com uma definição que ?permanece muito vaga?. Deste modo, como ?os comandantes das unidades são designados como os únicos juízes da natureza confidencial ou não da informação, tudo dependerá da interpretação que fizerem do texto?.

Ao artigo 6, que autoriza os comandantes a embargarem a divulgação de informações susceptíveis de pôr em causa a segurança das operações, é contestado o âmbito ?igualmente muito vago? e o facto de não ser especificada ?a duração máxima do embargo? ? aspectos que ficam, em ambos os casos, sujeitos à discrição dos comandantes no terreno.

?Atentado ao direito de informar? é como a RSF classifica os artigos 40, 41 e 43, sobre a interdição de fotografar ou mostrar o rosto de prisioneiros de guerra ou de soldados mortos na frente. ?Compete ao jornalista, e não ao exército americano, julgar segundo a sua deontologia profissional quais as imagens de vítimas e de prisioneiros que podem ser divulgadas?, defende a organização.

Para justificar a sua posição, evoca as fotografias ?dos prisioneiros de rostos famélicos detidos nos campos de concentração da Bósnia?, durante a guerra na Jugoslávia, que diz mostrarem que ?tais fotos constituem uma informação à qual a opinião [pública] deve ter acesso?.

As condições de trabalho dos jornalistas não incorporados nas unidades militares também geram inquietação juntos dos Repórteres sem Fronteiras. A organização diz que ?as autoridades americanas não lhes deram quaisquer garantias? e lembra que o Pentágono ?avisou várias vezes os jornalistas quanto aos riscos em que incorrem?. E cita o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleisher, em 28 de Fevereiro: ?Quando o exército vos disser alguma coisa, recomendo vivamente aos jornalistas que levem isso em conta. É no seu interesse próprio e no das suas famílias.?

A organização ? que defende os jornalistas presos e a liberdade de imprensa em todo o mundo ? termina o seu comunicado a lembrar que em Janeiro publicou um relatório onde denunciou os atentados à liberdade de imprensa no Iraque."

 

FOGO AMIGO

"?Media? dos países pró-Bush com dificuldades de posicionamento", copyright Público, 22/3/03

"Os jornais e televisões próximos dos governos britânico, espanhol e italiano, fortes apoiantes da política norte-americana para o Iraque, têm vindo a sentir os efeitos do descontentamento de opiniões públicas maciçamente opostas ao conflito. E as suas audiências estavam já, pelo menos até ao início da guerra, a ressentir-se desse dilema, como alertava esta semana o jornal francês ?Le Monde?.

Veja-se o caso do Reino Unido, onde os responsáveis dos quatro títulos britânicos do grupo News Corp têm de lidar com a situação esquizofrénica de respeitar as posições belicistas do proprietário, o magnata Rupert Murdoch, sem virar costas à fatia pacifista dos seus leitores, em particular os jovens e as mulheres. Próximo de George W. Bush, Murdoch colocou os seus jornais ? que representam 40 por cento das tiragens da imprensa naquele país ? ao serviço da política iraquiana de Tony Blair desde o início da crise, de acordo com o diário francês. Os orçamentos das redacções dispararam para a cobertura do assunto enquanto todas as despesas não relacionadas com a situação no Golfo Pérsico foram cortadas. Mas este investimento considerável não se mostrou rentável nos quiosques. Em Fevereiro, por exemplo, o tablóide ?Sun? vendeu menos 60 mil exemplares do que no mês anterior.

Em contrapartida, mesmo que não registem muitos progressos, os jornais de tendência pacifista, concorrentes do grupo, parecem sair-se melhor. Por isso, pragmático e sentindo que o apoio à guerra se arrisca a prejudicar as operações comerciais que visam conquistar jovens e mulheres como leitores, Rupert Murdoch deu algumas ?nuances? à sua campanha. O facto de o ?Times? ter contratado dois cronistas ?pacifistas?, o escritor John Le Carré e a feminista Germaine Greer, atesta esta tendência.

Já em Itália, à falta de uma tomada de posição tão explícita do governo, e face ao peso moral e político do Vaticano e a uma opinião fortemente mobilizada contra a guerra, a imprensa tem-se mostrado muito crítica em relação a Bush. Os títulos próximos do centro e esquerda, em particular, escolheram militar pela paz. Os de direita não participam neste concerto, como se antecipassem uma escolha atlantista do chefe de governo, Silvio Berlusconi.

E aconteceu o caso curioso de uma entrevista da mulher do primeiro-ministro, Veronica Lario, em que esta tomava a defesa dos pacifistas ?que acordam as consciências e merecem o respeito? ter sido bastante destacada pela imprensa, ao passo que era praticamente ignorada pelas TV, controladas em grande parte pelo marido.

Em Espanha, o fosso já registado entre os telespectadores e a estação pública TVE nos últimos tempos acentuou-se com a questão iraquiana. As manifestações de 15 de Março pela paz, maciçamente participadas em Espanha, foram transmitidas em directo por todos os canais privados, mas a TVE só se lhes referiu no jornal nocturno. Uma tal opção parece começar a ter impacto nas audiências, com os noticiários dos canais públicos a perderem espectadores a cada nova edição."