Sunday, 08 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1304

Álvares da Silva

GLOBO EM CRISE

"Globo Cabo: o que agora sabemos ", copyright Jornal do Brasil, 24/03/02

"Não se pode deixar de elogiar a atitude das Organizações Globo, de publicar sua versão do que vem sendo chamado de ?capitalização da Globo Cabo?, no seu mais importante diário, O Globo, do Rio de Janeiro, em duas colunas de primeira página. Imaginamos que a mesma coisa tenha sido feita no Diário de São Paulo, novo órgão das Organizações que dá os primeiros passos (alguns dirão ?ainda engatinha?) na capital paulista. Para que o conhecimento fosse geral, ainda publicaram, humildemente, o extenso arrazoado na Folha de S. Paulo e não sei mais em quantos diários por este Brasil afora.

Não fosse por essa nobre e desprendida atitude, essa questão, de suma importância prática, ética, política e conceitual, poderia cair no esquecimento, como, aliás, já vinha acontecendo. Além do que, a publicação traz elementos novos, até agora desconhecidos do público e dos experts, como, por exemplo, que ninguém está dando ou emprestando nada ?à Globo?, ?muito menos para socorrê-la, que disso ela não precisa? (sic). Ou seja: revelam as Organizações Globo que o BNDES está comprometendo 284 milhões de reais de suas reservas numa empresa comercial privada que deles não tem a menor necessidade.

Fica claro, assim, que as Organizações são a parte mais do que inocente desse negócio. Nem sequer precisam desse dinheiro, certamente cederam à irresistível insistência do sócio e amigo estabelecimento de crédito. Fica esclarecido, definitivamente, que a operação é um capricho do BNDES, que não pode passar sem o excelente futebol da Globo Esporte (só as Organizações têm direitos) ou, talvez, tenha uma inabalável crença no futuro das Organizações sob o comando de economista de imponente nome e impecável currículo (se bem que já não é mais presidente das Organizações mas da Globopar, não me perguntem qual a diferença), muito embora, alhures, um alto funcionário do Banco tenha cometido a infâmia de afirmar que investiam mais essa quantia para não perder a que já tinham investido (e emprestado). São fatos a serem apurados e é necessário que o Banco se explique: futebol, lucro ou temor?

Com tanta gente precisando, com o próprio governo atrás dos trocados da CPMF, o Banco desperdiça fundos com quem não precisa nem está em perigo de afogamento. Não fossem as próprias Organizações a informar publicamente, ninguém acreditaria.

Verdade que, ?em dinheiro vivo, o Banco desembolsará apenas (sic) 39 milhões?. Como se vê, todo esse barulho por apenas (sic, sic) 39 milhões! O resto (apenas 245 milhões) é o perdão de uma dívida de apenas 125 milhões, representada por debêntures, mero papel pintado, somados a uma promessa de compra firme mas condicionada (subscrever em linguagem sofisticada) apenas até 120 milhões, caso o povo não compre. Quanto maior o fracasso do lançamento, mais o Banco comprará. Lógica dos grandes negócios. Como se vê, é tudo pouca coisa, tudo ?apenas?.

Tem muita razão o autor (do editorial, confidência, depoimento, confissão?) quando recusa o paralelo ?com operações típicas da década de 80. Naquele tempo, empresários cambaleantes eram acolhidos pelo banco, recebiam transfusões?. Em vez disso, afirma categoricamente: ?Ninguém emprestou ou deu nada à Globo?… ?Haverá, tão somente, uma injeção (sic) de recursos… pelos sócios, entre eles o BNDES. E por que fazê-la? Porque consideram um bom negócio reoxigenar financeiramente a empresa líder do mercado brasileiro de TV por assinatura?. Fica claro, portanto, que não é dinheiro dado nem emprestado; é dinheiro injetado, subcutâneo, mero oxigênio, coisa simples, seringa descartável, resolve-se na farmácia; nada a ver com as tendas de oxigênio dos hospitais da década de 80. A menos…

A menos que, depois de tudo arrumadinho pelo BNDES, nessa espécie de Proer (podemos chamá-lo de ProTV), passem adiante, vendam a Globo Cabo. Já houve essa insinuação, que deve ser repelida, com veemência, por tantos quanto acompanham a trajetória das Organizações. Ainda mais depois da afirmação categórica do presidente do Banco de que a Globo Cabo é um bom negócio.

As confidências publicadas pelas Organizações, valiosíssimas porque espontâneas, contêm outras informações inéditas, como por exemplo o nome da empresa ?Horizon?, quase desconhecido, indicada na peça confessional ?com concessão para explorar tevê por assinatura e internet em 35 municípios fluminenses, paulistas e amazonenses; recebeu 202 milhões do BNDES, quase tanto (sic) quanto a cifra de toda a operação com a Globo Cabo. E não há nada de mais nisso.?

Há sim, há muito ?de mais nisso?, caro; a vossa organização não é fabricante de banheiras ou de meias-calças, e se é líder do mercado, mais líder ainda será após essa operação, e está explicado por que, em página primeira. Mas isso fica para outro dia, porque, de repente, me vieram à cabeça dias saudosos, dias de estudante, o escândalo da Última Hora empolgando a imprensa e o Brasil. Mas Carlos Lacerda não há mais."

"Eleazar justifica BNDES na Globo Cabo", copyright Folha de S. Paulo, 24/03/02

"O presidente do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), Eleazar de Carvalho, 44, está disposto a falar, falar e falar exaustivamente até conseguir explicar a operação de injeção de R$ 284 milhões da instituição na Globo Cabo.

Carvalho não acha, no entanto, que terá muitas chances de sucesso. Segundo ele, os meios de comunicação, de uma forma geral, já consideraram a operação errada antes mesmo de sua estruturação ser concluída.

Carvalho afirma que o BNDES tem experiência na avaliação de empresas, e a Globo Cabo oferece condições de se tornar rentável dentro de alguns anos. De acordo com ele, o retorno para o investimento deve ocorrer dentro de cinco a sete anos. A premissa básica para isso é o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). ?A economia não precisa crescer a taxas de 8% ao ano para a empresa se tornar rentável?, diz o presidente do BNDES.

A BNDESpar, o braço do BNDES no mercado de ações, decidiu participar da operação de recapitalização de R$ 1 bilhão na Globo Cabo, junto com mais três outros sócios, as Organizações Globo, o Bradesco e a RBS, a rede de TV do Sul do país. De acordo com Carvalho, menos do que R$ 1 bilhão seria pouco.

O presidente do BNDES considera que todo esse barulho em torno da operação se deve ao fato de ser um ano eleitoral. Se fosse em outra época, nada disso aconteceria, argumenta.

Nesta entrevista, concedida por telefone na sexta-feira, um dia depois de anunciar o resultado da venda de ações da Vale do Rio Doce, Eleazar de Carvalho afirmou que a operação com a Globo Cabo só será aprovada pelo BNDES depois da oferta pública de ações, cuja data ainda não foi marcada. Disse que, se na oferta pública nenhum novo acionista se interessar pelas ações da empresa, o banco só irá participar da operação de recapitalização se o preço da ação for atraente.

Folha – Quando começou a ser estudada a operação de refinanciamento da Globo Cabo?

Eleazar de Carvalho – Em primeiro lugar, é bom deixar claro que não se trata de uma operação de refinanciamento, e sim de recapitalização. Bem, nós acompanhamos a empresa há muito tempo, como acionistas que somos. Eu diria que há uns seis meses os acionistas nos procuraram.

Folha – Quem?

Carvalho – O executivo principal, Mauro Molchansky, pela Globopar, e outros executivos da Bradespar, que também é acionista da empresa. Desde então, começamos a estudar como poderíamos viabilizar a empresa.

Folha – Como se chegou ao valor de R$ 1 bilhão?

Carvalho – Desde o início, nós sempre achamos que os R$ 800 milhões que se falava em novembro e dezembro era pouco. A gente achava que teria que ser mais. Gostaria de deixar bem claro uma coisa. Nunca houve um pedido de financiamento para o banco de qualquer valor que fosse. A empresa não precisa de financiamento. O que sempre se discutiu foi a idéia de uma recapitalização. Por isso, quando começamos a olhar os números, nós achávamos que seria necessário R$ 1 bilhão para recapitalizar a empresa. Fomos à empresa e olhamos os números e chegamos a esse valor.

Folha – O sr. foi à empresa?

Carvalho – Eu não, mas um bom time de técnicos foi conversar com a empresa.

Folha – E qual foi a conclusão dessa avaliação? A Globo Cabo é rentável? A BNDESpar vai fazer um bom negócio ao injetar R$ 284 milhões na empresa?

Carvalho – A operação está condicionada a uma série de eventos. Se todos esses eventos ocorrerem, a operação vai sair. Além disso, a operação dependerá da oferta púbica de ações. Dependendo da oferta pública, o banco irá entrar com mais ou menos dinheiro.

Folha – E se, na oferta pública, ninguém se interessar em comprar ações da Globo Cabo?

Carvalho – Se nenhum acionista de fora achar conveniente investir nas ações da Globo Cabo, nós iremos decidir participar ou não do negócio, dependendo do preço das ações. Se o mercado não quiser, o preço terá que se tornar atraente para tomarmos a decisão de entrar no negócio.

Folha – Mas como o BNDES chegou à conclusão de que o negócio pode ser rentável para o banco?

Carvalho – O banco tem mais de 20 anos de experiência nesse tipo de análise, nós usamos um método de avaliação consagrado internacionalmente. Dispomos de uma equipe competente para fazer esse trabalho.

Quando avaliamos uma empresa, nós usamos uma projeção realista. Ela não é otimista nem completamente pessimista. Depende muito dos cenários de crescimento da economia para os próximos anos. Nós temos participações em 141 empresas. O valor de mercado dessas empresas em setembro, portanto depois dos atentados nos EUA, era de R$ 15,5 bilhões. O valor contábil (quanto o banco investiu) é R$ 10 milhões. Portanto, os nossos resultados são bastante satisfatórios.

Folha – Mas o BNDES errou quando entrou na Globo Cabo. As projeções do banco com relação a esse mercado não se confirmaram.

Carvalho – Na época, a avaliação do BNDES foi correta. Hoje, você pode dizer que o negócio não deu o retorno esperado, mas o fato é que isso precisa ser feito dentro de um contexto.

Folha – O que garante que o BNDES não está, de novo, cometendo um outro erro?

Carvalho – Trata-se de um investimento de risco, e risco e retorno sempre andam juntos. Naquele momento, no passado, o mercado todo errou. Mas a ação, que hoje está em 50 centavos, já chegou a valer R$ 4, quando houve o boom das telecomunicações. Eu acho que as pessoas enxergavam essa empresa dentro desse contexto. Mas o passado eu não resolvo.

Minha preocupação agora é proteger o investimento que está lá. Nós achamos, com base nas avaliações que fizemos, que há uma perspectiva de rentabilidade, mas só o tempo vai dizer se fizemos um julgamento correto.

Folha – Em que bases o BNDES acredita no crescimento desse mercado de TV por assinatura?

Carvalho – No crescimento da economia. Esse mercado vai crescer dependendo do PIB. Essa é a premissa básica.

Folha – E qual a projeção do BNDES para o crescimento da economia para os próximos anos?

Carvalho – Nós somos impedidos pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a dar esse tipo de informação, mas o que posso dizer é que os nossos cálculos foram feitos com base nas estimativas de crescimento compatíveis com a média do mercado, inclusive do Banco Central. Para essa empresa ter retorno, não precisa ter um crescimento da economia de 8% ao ano.

Folha – Em quanto tempo o sr. acha que o BNDES pode ter retorno do investimento?

Carvalho – O investimento em ação é sempre de longo prazo. Trata-se de um investimento de cinco a sete anos de maturação. Isso não significa que a ação não pode ser vendida antes do prazo.

Folha – Até lá, a empresa irá continuar dando prejuízo?

Carvalho – Mesmo se der prejuízo, o preço da ação não será zero. Mas quem deve falar sobre projeções de resultados da empresa são os analistas.

Folha – Por que a Microsoft não entrou na operação?

Carvalho – Você é que está dizendo que a Microsoft não entrou na operação.

Folha – A Microsoft vai entrar?

Carvalho – Não tenho essa informação.

Folha – Por que o BNDES vetou operações semelhantes a outras empresas de comunicação?

Carvalho – Em primeiro lugar, quero dizer que a operação de cabo é diferente da operação de mídia. Uma empresa de cabo não produz conteúdo. Mas, de qualquer forma, o banco está aberto a qualquer tipo de proposta, desde que as empresas tenham governança corporativa, estejam enquadradas no nível 2 do novo mercado da Bovespa e tenham perspectiva de rentabilidade. O problema é que muitas propostas não se enquadram nesse perfil.

Folha – Como o sr. pretende convencer a opinião pública de que a operação da Globo Cabo é boa para o BNDES?

Carvalho – Vou falar sempre, exaustivamente, até conseguir me explicar. O problema é que eu sinto que os veículos de comunicação já assumiram, a priori, a posição de que a operação é errada. Portanto, independentemente do que eu falar, a cobertura será parcial. O problema é que essa operação está acontecendo agora, em época de eleições. Se fosse em qualquer outra época, não teria esse barulho todo.

Folha – O sr já comprou ações da Globo Cabo?

Carvalho – Nunca tive ações da Globo Cabo, mas eu tinha limitações, como chefe de um banco de investimento, para a compra de ações."