Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Mauro Santayana

ACM SOB SUSPEITA

“O off no jornalismo”, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 4/04/03

“O depoimento feito ao Senado pelos jornalistas do episódio do grampo na Bahia é perigoso precedente. Expor o informante, no caso ACM, como seu próprio delator é fato novo no jornalismo brasileiro.

A entrega da fita gravada pelos jornalistas à Comissão de Ética do Senado suscita algumas reflexões sobre o exercício do jornalismo. Alguns parlamentares comentavam ontem – e em defesa do que se convencionou denominar ?classe política? – a decisão do semanário (e não pessoalmente do repórter) de transformar o informante Antonio Carlos Magalhães no assunto da semana. Enfim, a pergunta de um deles é de singelíssima lógica: se o fato de Antonio Carlos Magalhães mandar gravar a conversa alheia constitui crime, não constituiria crime o repórter gravar o diálogo com o Senador da Bahia? Se Geddel pode processar Antonio Carlos, Antonio Carlos não poderia processar a revista? Afinal, o ato do jornalista foi por ele confessado – e Antonio Carlos, mesmo no texto gravado, nega a responsabilidade pelas escutas em pauta.

As relações entre políticos e jornalistas se tornaram muito peculiares a partir do regime militar, em que, diante da censura e da repressão, estabeleceu-se um acordo tácito, pelo qual a expressão inglesa off the record passou a integrar o léxico dos jornalistas políticos. A confiança entre alguns jornalistas e as suas fontes, que sempre existiu aqui e alhures (até hoje, 30 anos depois, o jornalista Bob Woodwards mantém em segredo o nome de seu informante no caso Watergate) passou a ser uma regra quase absoluta. Um dia, jovem e bisonha repórter, que não conhecia Tancredo Neves, procurou o então deputado e lhe pediu ?uma entrevista em off?. Tancredo, de forma cortês, mas séria, disse-lhe que não falava em ?off?, mas para ser publicado. Ditou algumas frases fortíssimas contra o regime militar e concluiu: ?tudo o que eu disse, você pode publicar, se você e seu patrão tiverem coragem para isso?.

Fernando Henrique Cardoso disse certa vez, a um conhecido ministro do governo de Portugal, que seguia sempre o conselho de Antonio Carlos, o de jamais dar informações ao jornalista que lhe pedisse dinheiro e nunca dar dinheiro ao jornalista que lhe pedisse informações. Como se vê, é esse o juízo que o paulista e o baiano fazem do jornalismo brasileiro. Ambos fariam um bom serviço à nação se divulgassem os nomes dos que lhes pediram dinheiro e documentassem a extorsão – se é que eles existem.

Mais ainda, deveriam esclarecer se acham que há jornalistas que pedem informações suscetíveis de receber dinheiro. Feitas estas observações, o episódio não deixará de trazer conseqüências ao exercício do trabalho dos jornalistas. Os políticos, de modo geral, serão mais cautelosos ao passar aos repórteres as informações de que dispõem. Alguns já estão encomendando, nos Estados Unidos, aparelhos miniaturados, que detectam quando um gravador está em funcionamento e acionam um discreto alarme. Pelo menos dois deles confidenciaram ao colunista essa providência.

A defesa de Antonio Carlos Magalhãatilde;es no Senado irá partir de um bom argumento de lógica jurídica. Antonio Carlos poderá ser julgado e eventualmente condenado pela Justiça por ter mandado ?grampear? seus adversários e sua ex-namorada, mas não poderá responder por esse ilícito diante da Comissão de Ética. Ele não estava no exercício do mandato parlamentar quando os fatos se deram – e a Comissão de Ética é, como indica a lógica, de ?ética parlamentar?. Se, no entanto, ele vier a ser condenado pela justiça comum, aí sim estará certificada a sua incompatibilidade com o exercício do mandato, e poderá ser cassado.

De qualquer forma, como nos encontramos em um tempo histórico em que tudo pode ocorrer, houve o episódio, e as relações de confiança entre as fontes e os jornalistas sofreram sério golpe. Não revelar as suas fontes é um direito assegurado aos jornalistas, da mesma forma que os advogados estão protegidos pelo segredo profissional. O depoimento feito ao Senado pelos jornalistas é perigoso precedente, por mais honrado e honesto tenha sido o repórter.

Não se trata de uma preocupação de ética mais profunda, mas de técnica jornalística. Apurar qualquer fato ficará agora mais difícil. Ao fim e ao cabo, o senador, ainda que tenha sido culpado, atuou como um informante – e os informantes devem sempre ser protegidos. A reportagem poderia ter denunciado o senador como culpado, e encontrar, por outros meios, as provas do delito. Mas expor o informante como seu próprio delator é fato novo no jornalismo brasileiro. (Mauro Santayana, jornalista, é colaborador do Jornal da Tarde e do Correio Braziliense. Foi secretário de redação do Última Hora (1959), correspondente do Jornal do Brasil na Tchecoslováquia (1968 a 1970) e na Alemanha (1970 a 1973) e diretor da sucursal da Folha de S. Paulo em Minas Gerais (1978 a 1982). Publicou, entre outros, ?Mar Negro? (2002).)”

“?Isso é que vai provar?”, copyright IstoÉ, 7/04/03

“Na quinta-feira 3, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) passou sete horas em seu gabinete, entre tenso e mal-humorado, assistindo à TV Senado que transmitia os depoimentos dos repórteres de ISTOÉ Luiz Cláudio Cunha e Weiller Diniz ao Conselho de Ética da Casa sobre a série de reportagens produzidas pela revista a respeito da rede de grampos telefônicos montada por uma quadrilha instalada na Secretaria de Segurança Pública da Bahia. Antônio Carlos Magalhães está sendo investigado pela Polícia Federal como o mandante do crime. Mas, para o Conselho de Ética, basta apurar o envolvimento do senador baiano com a quadrilha que

estará caracterizada a quebra do decoro. E o depoimento dos dois jornalistas, nesse caso, foi devastador. Eles apresentaram documentos que comprovam a participação direta de ACM nos grampos e uma gravação com oito minutos e 15 segundos de uma conversa entre Antônio Carlos e Luiz Cláudio Cunha. O repórter esclareceu que fez a gravação apenas para se proteger, no caso de ACM negar que lhe entregara um dossiê com degravações do grampo, publicado por ISTOÉ na edição 1741. Na gravação, quando o repórter fala da fita que originou o relatório, o senador confessa: ?Não prova na fita que eu mandei gravar, não. Ao contrário, porque não tem nenhuma prova de que foi gravado. E que foi gravado muito menos por mim. Agora, vocês botando isso é que vai provar.?

Depois dos testemunhos, dos documentos e da entrevista gravada apresentados pelos jornalistas, a maioria dos senadores do Conselho de Ética estava convencida de que o relatório final dessa primeira fase de sindicância do Conselho deve pedir a abertura de processo contra ACM. ?Os depoimentos acabaram envolvendo o senador Antônio Carlos Magalhães de forma contundente com o grampo. Ele está em situação extremamente delicada e vai ter que se explicar muito para tentar reverter o quadro atual, que é favorável à abertura de processo para a cassação de mandato?, disse o vice-presidente do Conselho, senador por Goiás Demóstenes Torres, que é do mesmo partido de ACM, o PFL. Para o relator Geraldo Mesquita (PSB-AC), não será necessária nenhuma nova prova cabal sobre o possível envolvimento de ACM no grampo. ?Nós já temos informações volumosas e substanciais. Falta apenas a defesa do senador para chegarmos a uma conclusão definitiva?, adianta Mesquita.

Negociação – A constatação do envolvimento do senador no megagrampo baiano – investigações posteriores mostraram que a escuta atingiu mais de 200 pessoas na Bahia e em outros quatro Estados, entre elas o líder do PT na Câmara, Nelson Pellegrino (BA), empresários, advogados, jornalistas e até a ex-amante de ACM – levou até mesmo o líder de seu partido, José Agripino (RN), a negociar em segredo com outros líderes uma punição mais branda do que a cassação do mandato. ?Se me perguntarem se há indícios do envolvimento dele, eu diria que sim. Como isso não quer dizer que ele foi o mandante, seria o caso de outra medida disciplinar contra o senador?, tenta contemporizar o líder. As outras punições previstas no Código de Ética do Parlamento são advertência e suspensão do mandato.

Quem também mudou de posição com os depoimentos do repórteres foi o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio Neto (AM). Ele sinalizou que seu partido está desembarcando do problema ACM: ?Depois de ouvir os jornalistas e a gravação da conversa telefônica, ficou nítida para mim a vinculação do senador Antônio Carlos ao grampo e evidente a quebra de decoro parlamentar. Ele foi o usufrutuário das escutas.? ACM distribuiu uma nota tímida negando mais uma vez sua participação. Indagado por um repórter de tevê sobre as declarações reveladas na gravação, quando diz ter ficado ?irritadíssimo? com a destruição dos CDs do grampo, ACM reagiu nervoso e gaguejando. O senador já aceitou o convite para depor, mas vai escolher dia e hora para comparecer ao Conselho de Ética. Ele agora vive o mesmo dilema de quando foi comprovado que violou o painel de votação do Senado: terá até a abertura formal do processo, numa segunda fase de investigação do Conselho de Ética, o que deverá ocorrer no prazo de um mês, para decidir se renuncia ou não ao mandato. Se não renunciar aí, caso condenado ficará oito anos sem direito de concorrer a qualquer cargo eletivo, perdendo até mesmo o poder político que detém na Bahia.

Se ACM não abrir mão do mandato, o processo será aberto e nessa segunda fase, o Conselho de Ética deverá ouvir todas as testemunhas do inquérito que corre na Polícia Federal. Dentre esses depoimentos, o que ele mais teme é o de sua ex-amante, a advogada Adriana Barreto. Tanto o senador Pedro Simon (PMDB-RS) como sua colega Heloisa Helena (PT-AL) deixaram claro na quinta-feira 3 que Adriana terá de ser ouvida. ?O Conselho de Ética tem que formar sua própria convicção, independentemente do trabalho da polícia.

O delegado procura provas materiais do crime. Nós nos preocupamos com a ética?, comentou Simon. A senadora Heloisa Helena (PT-AL) arremata: ?Ela é a única testemunha, além do jornalista Luiz Cláudio Cunha, que ouviu do senador ACM a confissão de que mandou fazer os grampos?, argumentou.

?É UMA ILICITUDE ?

ACM – Alô

LCC – Senador Antônio Carlos?

ACM – Alô

LCC – Luiz Cláudio Cunha

ACM – Oi, Luiz

LCC – Ó… seguinte… um fato novo aí, essa coisa da Época, acho que é mais cabeluda do que a gente imagina, porque agora pouco ligou pra cá um repórter da Tarde. O Noblat tá com essa informação da Época de que eles vão dar amanhã matéria dizendo que existe um grampo generalizado na Bahia e que as pessoas grampeadas foram o Waldir e o Geddel, entre outras pessoas lá da Bahia que eu não sei quem são, e fazendo carga pra cima do senhor… por isso…

ACM – Já lhe disse que tudo é mentira e isso já tá eficientemente provado, eu não vou criar…

LCC – Certo… sei, porque o seguinte, naquele…

ACM – Não adianta, eu não vou lhe autorizar a publicar…

LCC – Aquele material?

ACM – Não… não lhe autorizo

LCC – Mas por que o senhor não autoriza? Porque é a maneira da gente partir pra ofensiva…

ACM – Não é. Porque então eu vou dizer que teve gravação,

porra?! Ah!

LCC – Mas não é uma gravação que compromete o Geddel?

ACM – É isso, mas a gravação é ilicitude

LCC – Sim, mas maior ilicitude que isso é o fato que ele prova na fita que o senhor mandou gravar, não é uma coisa mais grave?

ACM – Ele não prova na fita que eu mandei gravar, não…

LCC – Não?

ACM – Ao contrário

LCC – Por quê?

ACM – Porque não tem nenhuma prova de que foi gravado… muito menos por mim…

LCC – Ah, é?

ACM – Ora!

LCC – Não, ó… agora o seguinte…

ACM – Agora, vocês botando isso é que vai provar

LCC – Não, mas é o seguinte, se a gente tiver algum pedaço daquele depoimento que o senhor me passou, a gente pode transcrever algum trecho comprometedor, alguma coisa mais grave…

ACM – Você pode fazer isso sem dizer que foi gravação, pô!

LCC – Não, mas é porque isso dá mais força pra denúncia, o senhor não acha?

ACM – Pode fazer. Agora, você perde a minha confiança total, e eu nego. Eu digo que não tem nada e que você não viu nada. Pronto!

LCC – Mas o seguinte, tudo bem que não tem mais o CD e tal, mas se tiver pelo menos uma fita, alguma coisa que a gente pudesse usar, o senhor não acha que…

ACM – Eu não tenho a fita, rapaz!

LCC – Sim, mas a gente não pode dar algum pedaço, alguma coisa que o senhor (…)

ACM – Não tem fita nenhuma (…)

LCC – Sei. Agora, como é que o senhor acha que eu posso tratar aquele material, senador?

ACM – Você pode tratar o material que na hora… na campanha…

LCC – Hum, hum…

ACM – … surgiram rumores que foram enviados pro governo federal através de fax… entendeu?

LCC – Mas aí eu digo que rumores de que foram enviados ao governo federal, por que área, por que setor? Eu posso dizer que….

ACM – Por parlamentares…

LCC – Sim

ACM – …que tiveram notícia através do próprio gabinete de Geddel…

LCC – Certo

ACM – …que Geddel falou pra todo mundo…

LCC – Certo, mas não pode citar em nenhum momento que aquilo é produto de gravação?

ACM – Não, não pode dizer que é produto de gravação

LCC – E eu posso em algum momento dizer que entre esses parlamentares e tal o senhor estava… é…fazia parte?

ACM – ?Acredita-se… acredita-se que entre esses parlamentares estivesse o senador… o ex-senador Antônio Carlos Magalhães? (…)

LCC – Quando aquele pessoal destruiu o material, eles deixaram garantido e seguro que não tinha lá material nenhum, mais nada?

ACM – Claro

LCC – Tá

ACM – Eu até queria. Fiquei irritado porque destruíram

LCC – É, não… tudo bem

ACM – Fiquei irritadíssimo porque destruíram. Porque aquilo não precisava destruir…

LCC – Pois é, pois é

ACM – …dizia que não tinha, pronto!

LCC – Porque se a gente tivesse aquilo era bom porque a gente partia pra ofensiva, né? Era um ataque…

ACM – Evidentemente pra mim era bom por causa do Fernando Henrique e outros. Entendeu?

LCC – … que aquilo que era devastador, aí, pra gente, era bom… Bom, qualquer coisa, eu dou uma ligadinha pro senhor aí?

ACM – Tá bom

LCC – Tá bom? um abraço… tchau, obrigado.”