Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mentira agendada

Edição de Marinilda Carvalho

A primeira carta desta edição merece atenção. Um repórter é acusado por um assessor de imprensa de uma prefeitura petista de distorcer informações sobre contratação de parentes. Procurado pelo Observatório, o repórter enviou prontamente sua defesa.

O tempo deve esquentar nas próximas semanas na cobertura da mídia sobre o PT e o nepotismo, que já vem rendendo algumas manchetes sensacionalistas. A notória má vontade da imprensa em relação ao partido e a reação invariavelmente arrogante dos petistas permitem a previsão de novas chuvas e trovoadas nesta relação sempre tumultuada.

Resta torcer para que o leitor consiga sair do conflito com alguma informação.

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PT & NEPOTISMO

A reprodução nacional de uma fala jamais pronunciada, na última semana, fez com que eu sentisse na pele, finalmente, o tal agendamento malicioso da imprensa. Estou desde o dia 1? na função de coordenador de comunicação social da prefeitura de Ponta Grossa (PR). Até então tinha dedicado minha vida a redação de jornal e a ministrar aulas na universidade. Entre outras disciplinas, a de Deontologia da Comunicação.

Na quarta-feira passada, um jornalista de nome Eledovino Basseto Jr. ligou para o prefeito de Ponta Grossa, o petista Péricles de Holleben Mello, e se apresentou como funcionário do Jornal do Brasil. Queria saber sobre a indicação da prima de Péricles, Ana Maria de Holleben (PT), para a presidência da Fundação Cultural de Ponta Grossa. Péricles explicou que a nomeação era consenso na equipe de governo e que os critérios eram absolutamente técnicos. Ana Maria foi presidente do principal sindicato estadual de professores por seis anos, um dos candidatos a vereador mais votados em 2000, professora por mais de 20 anos na rede pública de ensino, secretária municipal do PT e membro da Executiva Estadual do partido.

Participou da coordenação de campanha do hoje prefeito e ajudou a elaborar o plano de governo para a área de Cultura e Educação no município. O prefeito disse ao jornalista que explicaria os motivos da nomeação claramente para a direção nacional do PT. Basseto perguntou sobre a recomendação nacional do partido quanto à contratação de parentes. Péricles comentou, durante a resposta, que o artigo 12 fala sobre parentes até terceiro grau. Pelo código civil, prima é parente de quarto grau. Mesmo com o respaldo técnico, o prefeito de Ponta Grossa foi claro: de qualquer modo considera Ana Maria mais do que uma prima. "É como uma irmã". Péricles, enfim, foi claro. Jamais negaria parentesco. Apenas defenderia uma indicação respaldada pelo próprio diretório municipal do PT.

No entanto, no dia seguinte, o Jornal do Estado (publicado em Curitiba) estampava em manchete: "Para prefeito de Ponta Grossa, prima não é parente". A matéria estava assinada por Eledovino Basseto Jr. Ligamos para o jornal e pedimos que o erro fosse corrigido. Não foi. Jornalista e jornal estão sendo processados.

A frase foi reproduzida em larga escala: saiu na Veja, foi comentada em outros veículos de circulação nacional.

Agora: será coincidência que Basseto tenha sido assessor de Rafael Greca, hoje secretário estadual de Comunicação Social? Que Basseto tenha trabalhado na campanha de Cássio Taniguchi? Que trabalhe na prefeitura de Curitiba? Será que houve uma mudança de rumo na postura editorial do Jornal do Estado?

O jornal sequer deu atenção para um suposto surto de meningite em Ponta Grossa, que pautou toda a imprensa estadual, mas resolveu promover manchete do alegado nepotismo petista. A única coisa clara na sua postura editorial é a defesa dos interesses políticos do governo estadual, como qualquer análise qualitativa (ou até mesmo meramente quantitativa) pode mostrar.

E Basseto parece acostumado a se apresentar com credenciais ambíguas. Criou um pseudônimo para "cobrir" a megadesocupação de terras em Querência do Norte, feita a golpes de cassetete e matilha pela Secretaria Municipal de Segurança Pública, e mostrou, através de suas reportagens, um panorama limpo e tranqüilo.

De tudo isso, ainda quero fazer uma última pergunta retórica, totalmente ingênua: Por que a Veja não checa a informação antes de publicar? Alguém poderia dizer: mas o mérito da questão é outro. É empregar parentes. Pode até ser, mas nenhum dos órgãos de imprensa que se valeu da frase criada pelo sr. Basseto procurou o prefeito para perguntar sobre o assunto. O que se está tentando fazer, falando francamente, é uma folclorização de um prefeito filiado ao PT.

Victor Emanoel Folquening

"Resposta ao arrependido e aos mentirosos:
A matéria sobre a contratação de parentes por integrantes do PT foi pautada pela redação da Agência JB, para quem presto serviços como free-lance desde outubro de 2000. E já escrevi, até hoje, 153 matérias. Como sou free-lance, tenho autorização da agência para publicar meus textos também em outros veículos, como o Jornal do Estado, em Curitiba, onde sou repórter pela manhã, além da agência de notícias <www.guiaparaná.com.br>.

Na entrevista por telefone, o prefeito Péricles Mello elencou as inúmeras qualidades e falou da íntima relação com a prima Ana Maria, que para ele era como se fosse, de fato, uma irmã, mas acrescentou a curiosa informação de que "prima não é parente". Como não tenho problemas de audição, não pedi para repetir e abri a matéria com essa afirmação.

No dia seguinte, percebendo o tamanho da besteira, o prefeito ordenou que sua assessoria procurasse o Jornal do Estado pedindo retificação, o que foi feito, sim, pela Editoria de Política. A assessoria poderia ter feito o mesmo em relação ao JB, que também publicou a matéria, mas não o fez.

Como escrevi alguns dias depois, Péricles perdeu uma grande oportunidade de ser considerado sábio, já que qualquer um pode ser considerado inteligente, desde que fique quieto.

A falta de experiência do prefeito com a imprensa até justifica sua reação, ao convocar uma entrevista coletiva (para a qual não fui convidado), com o único objetivo de me chamar de mentiroso e anunciar um processo judicial.

Mas o fato de o prefeito e o secretário de Comunicação, Victor Folquening, mentirem repetidamente a vários veículos de comunicação é inadmissível, principalmente para quem se acha no direito de deter o monopólio da verdade e se intitular professor de Deontologia. Pobres dos seus alunos, Sr. Folquening!

Quando mentem, me acusando de ser funcionário da prefeitura de Curitiba e ter trabalhado na campanha eleitoral do prefeito Cassio Taniguchi, dão margem a uma reação jurídica, que está sendo preparada, incluindo como prova a carta desse cidadão ao Observatório.

Interessante, até, que o fato de eu ter prestado serviços ao então deputado federal Rafael Greca fosse motivo, pouco antes de começar a trabalhar para o Jornal do Estado e a Agência JB, para que o próprio PT me procurasse para conduzir sua campanha em Curitiba, devido ao bom trabalho de comunicação desenvolvido. Se eu tivesse trabalhado para o PT seria, então, considerado um jornalista isento?

Sobre a acusação descabida, também, de que eu teria criado um pseudônimo para escrever sobre os sem-terra trata-se, simplesmente, de uma fantasia, que vai substanciar meu pedido de providências à Justiça.

Por fim, quero reforçar que essa tentativa de intimidação não me assusta. Tenho convicção plena de que não agi de má-fé, ao contrário deste prefeito e seus asseclas, que são levianos e tentam reduzir a repercussão de uma declaração desastrada, atacando um jornalista que não tem nenhum interesse em prejudicá-lo. Como a Justiça vai me dar razão, assim como a opinião pública, estou absolutamente tranqüilo.

Eledovino Bassetto Junior, Curitiba, jornalista, com orgulho

Nota do OI: Procurada pelo Observatório, a Agência JB confirmou que o repórter Eledovino Basseto Jr. é seu colaborador. O Jornal do Brasil publicou a matéria citada sobre a Prefeitura de Ponta Grossa.

PROPAGANDA

Ultimamente vem sendo divulgada uma mensagem que me deixa intrigado. Ela aparece na TV Globo, GloboSat e GNT. Mostra um menino, andando num chão molhado, observando grandes painéis fotográficos pendurados e balançando ao vento. Os painéis mostram personagens importantes do século passado, tais como Madre Tereza de Calcutá, Lennon, Einstein etc. No final o garoto pára e dois olhos o fitam. Em seguida aparece a foto completa de Hitler sorrindo, aparentado olhar para o garoto. Ao se deparar com a foto, o rosto do menino se ilumina num grande sorriso de alegria, abrindo os braços. Ouve-se uma voz transmitindo a mensagem que seria a liberdade de escolha dos ídolos.

No meu entender a ênfase dada à foto de Hitler, a espontaneidade do sorriso do menino (parece geneticamente predisposto) é uma clara propaganda hitlerista. A mensagem é um primor, a voz em off, idem. Infelizmente, a ênfase dada ao carrasco desvirtua a idéia do direito de escolha. Ou foi um ato de "inocente útil" ou foi intencional. Um dado importante: esta mensagem começou a ser divulgada inicialmente após as 24 horas. Ontem [terça, 30/1] já foi mostrada no intervalo do jornal da 19 horas (TV Globo). Hoje, dia 31, mostraram-na durante o Jornal Nacional, das 20h.

Dow Friedman

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