Saturday, 27 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

O condomínio e o governador Roriz

DIÁRIOS ASSOCIADOS

Ricardo Noblat (*)

O advogado Luiz Roberto Barroso conseguiu da Justiça um prazo de mais 30 dias para que eu possa me defender no processo de expulsão do Condomínio Acionário dos Diários Associados [veja remissão abaixo]. A expulsão foi pedida por quatro condôminos. Eles alegam que "partidarizei" a linha editorial do Correio Braziliense enquanto dirigi sua Redação, de fevereiro de 1994 a outubro último.

Dizem que o jornal foi posto a serviço do PT do ex-governador Cristovam Buarque e que moveu intensa campanha contra o atual governador Joaquim Roriz. Tal postura teria causado prejuízos materiais, financeiros e morais ao jornal. Se a expulsão não for aprovada, eles consideram que o Condomínio acabará extinto por causa de minha ação "desagregadora".

Temos, pois, que se trata de um processo político. De cunho nitidamente político. O governador Joaquim Roriz repetiu ao longo dos últimos quatro anos que transformei o Correio num pasquim do PT. Quatro condôminos propõem minha expulsão do Condomínio sob o mesmo pretexto. Sei que há no Condomínio outras pessoas que pensam da mesma forma.

O Condomínio foi criado por Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, para ser dono e administrar o império de comunicação montado por ele. Chateaubriand escolheu 22 executivos do grupo e a eles doou parte de suas ações em jornais, emissoras de rádio e televisão. Quando um condômino morre, outro é eleito pelos demais para substitui-lo.

Fui eleito condômino em abril de 1999 por indicação do jornalista Paulo Cabral de Araújo, presidente à época do Correio e do próprio Condomínio. Fui eleito por unanimidade. Votaram no meu nome inclusive os quatro condôminos que agora dizem no processo de expulsão que jamais comunguei dos ideais de Chateaubriand.

Os ideais listados por Chateaubriand ao criar o Condomínio foram os seguintes: "bem servir"; estimular o "debate dos magnos problemas nacionais" e assegurar "a continuidade da organização". Deixei o Correio no dia em que Paulo Cabral o deixou ? 1? de novembro de 2002. Ele renunciou a seus cargos forçado por uma moção de desconfiança assinada por 13 condôminos.

Estou em Salvador desde então. Fui atraído pela proposta de ajudar a reformar o jornal A Tarde, da família Simões Filho. Trabalho em Salvador de segunda a sexta e passo os fins de semana com minha família, em Brasília. O trabalho está sendo gratificante. Passar a maioria dos meus dias separado da minha família não está sendo gratificante. Menos ainda aos 53 anos de idade.

Pensei que me deixariam em paz quando retomasse o jornalismo distante das atribulações da vida política brasiliense e isolado dentro do Condomínio para o qual fui eleito. O jornalista Paulo Cabral, que me apoiava no Correio e no Condomínio, está sem funções, em casa. Não parece disposto a participar mais das atividades do grupo Associados.

O filho dele, João Cabral de Araújo, diretor-executivo do Correio até meados do ano passado, deixou o jornal e renunciou à condição de condômino. Cogitei fazer o mesmo. Mas os bens imóveis dos condôminos, inclusive os meus, estão bloqueados pela Justiça por causa de uma briga do Condomínio com o filho de Chateaubriand, Gilberto.

Gilberto é condômino. E entende que seus direitos foram lesados quando em setembro de 1997 o Condomínio recebeu da União mais de 240 milhões de reais a título de indenização pela desapropriação irregular da TV Rádio Clube de Pernambuco. O Condomínio decidiu que o dinheiro deveria ser reinvestido nas empresas. Gilberto queria receber a parte dele em dinheiro.

Se eu sair do Condomínio ou se me expulsarem, meus bens continuarão bloqueados. E perderei o direito à defesa coletiva bancada pelo Condomínio.

Não tem a mínima graça deixar agora o Condomínio e tentar desbloquear meus bens pagando do meu próprio bolso as custas da defesa. Minha única fonte de renda é o salário pago por A Tarde. E também não tem graça deixar o Condomínio quando me acusam de ter "partidarizado" o Correio Braziliense. Não aceito que me acusem por algo que não fiz.

Abuso de poder

A memória coletiva é curta, curtíssima. Quem consultar a coleção do Correio Braziliense entre 1994 e 2002 verá que o PT e o governador Cristovam Buarque foram alvos de centenas de reportagens que os deixaram em apuros. O PT se disse várias vezes vítima de "uma campanha orquestrada" pelo Correio. O governador Joaquim Roriz valeu-se do mesmo mote.

Jornal serve para afligir os satisfeitos e satisfazer os aflitos.

A frase não é minha. Não sei de quem é. Mas gosto dela.

O Correio empenhou-se em fazer jornalismo honesto nos quase nove anos em que dirigi sua redação. Deixou de ser o jornal "chapa branca" que envergonhava Brasília. Aumentou sua circulação paga em 64%. Ganhou mais de 160 prêmios de jornalismo ? inclusive o Prêmio Esso de Jornalismo em 2000 com a série de reportagens sobre o caso do ex-senador Luiz Estevão.

Foi o único jornal brasileiro até hoje a admitir em manchete de capa ter errado. A manchete "O Correio errrou" ganhou em 2000 o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa e o Prêmio Cláudio Abramo de Jornalismo. Tudo isso só foi possível graças ao talento dos jornalistas que ainda trabalham lá. E ao apoio que tiveram da direção do jornal.

Estranho que condôminos insatisfeitos com a linha editorial do Correio tenham deixado passar os quase nove anos em que dirigi a redação e mais os cinco meses do meu afastamento para só agora quererem cassar o direito patrimonial que eles mesmo me deram. Estranho que procedam assim no momento em que o governador Roriz corre o risco de perder o mandato.

Foram reportagens publicadas pelo Correio na última semana em que eu lá estava que desataram a investigação de supostos atos irregulares cometidos por auxiliares do governador às vésperas do segundo turno das eleições de 2002. Tudo indica que houve abuso de poder econômico e que Roriz se beneficiou dele para derrotar o candidato Geraldo Magela, do PT.

Acho que a situação do governador em nada mudará se o Condomínio me expulsar ou não. Mas se eu for expulso, o governador poderá dizer que até meus companheiros de organização lhe deram razão quando me acusava de ter "partidarizado" a linha editorial do jornal. Em resumo: contra minha vontade, querem me devolver à arena política brasiliense. E atingir minha reputação.

Prefiro ficar em Salvador. Por lá, depois que A Tarde denunciou o escândalo do grampo, só tenho a temer o que disser ao telefone.

(*) Jornalista, diretor de Redação de A Tarde

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