Sunday, 13 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

O crocodilo de Murdoch

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THE NEW YORK POST

Arnaldo Dines, de Nova York

Ao que parece, Rupert Murdoch é um grande admirador dos filmes da série Crocodile Dundee, estrelados por um compatriota seu, o ator australiano Paul Hogan. Para quem não se lembra, ou não conhece, os filmes mostravam as aventuras de um caçador de crocodilos transplantado das terras selvagens da Austrália para a selva de concreto de Nova York. Mas a preferência de Murdoch parece ser apenas pelos dois primeiros filmes, já que quase simultaneamente ao lançamento nos Estados Unidos da terceira produção da série, cuja ação se passa agora no mar de asfalto de Los Angeles, o magnata da mídia resolveu contra-atacar com o transplante do seu próprio Crocodile Dundee para Nova York. No caso, com a nomeação do jornalista australiano Col Allan para o cargo de editor chefe do jornal New York Post, o segundo maior jornal tablóide da cidade depois do New York Daily News.

A medida tomou de surpresa os meios jornalísticos locais, pois sob o comando da editora anterior, Xana Antunes, o New York Post vinha progredindo tanto em termos de circulação como de conteúdo. A circulação de 448.000 exemplares vendidos nos dias úteis da semana, medida em setembro de 2000, aumentou para 492.000, em março deste ano. E apesar de seguir a linha editorial típica de um tablóide popular, o jornal vinha incrementando sensivelmente a cobertura das áreas financeiras e de mídia, ambas com uma importância desproporcionalmente maior em Nova York do que em qualquer outra cidade. Mas mesmo com as melhorias, o NY Post continua no vermelho, apresentando prejuízos da ordem de até 30 milhões de dólares anuais, segundo analistas (os resultados financeiros não são revelados publicamente). Esta situação tende a se agravar com a recente introdução de um desconto de 50% no preço de capa, de 50 centavos para 25 centavos de dólar, como forma de combater a nova edição vespertina do New York Daily News, distribuída de graça para os usuários dos meios de transporte públicos da cidade.

Filhos ilegítimos

Este quadro deficitário forneceu ao papai Murdoch, ao menos oficialmente, a chance ideal para a troca da liderança editorial no jornal. Para isto, ele foi aparentemente incentivado por um de seus filhos, Lachlan Murdoch, um dos diretores da News Corporation, a empresa australiana controladora do império familiar, da qual fazem parte o estúdio e rede de televisão da Fox nos Estados Unidos, além de jornais e redes de televisão em quatro continentes. Foi o próprio Murdoch júnior quem assinou o comunicado à imprensa sobre as mudanças no New York Post.

Com a consumação oficial da mudança da chefia, a discussão nas redações da cidade se voltou para as limitações inerentes à colocação de um estrangeiro no comando de um jornal cujo enfoque principal é a cobertura localizada dos cinco distritos que compõem o município de Nova York: Manhattan, Brooklyn, Queens, Bronx e Staten Island. Mesmo considerando que Xana Antunes, a editora anterior, passou a infância na Escócia, ela já tinha ao menos adquirido uma bagagem jornalística substancial no próprio New York Post antes de assumir o cargo de editora-chefe. E em outros casos famosos de estrangeiros assumindo editorias de publicações americanas ? como os das inglesas Anna Wintour na revista Vogue e Tina Brown, primeiro na Vanity Fair, depois na New Yorker e agora finalmente na Talk ? a relevância é menor, pois são revistas quase que internacionais por seu conteúdo e (falta de) ideologia.

No caso de Col Allan, a sua única experiência local foram dois anos como correspondente em Nova York para os jornais da News Corporation. Mas mesmo este fator perde consideravelmente sua relevância, pois ocorreu há mais de 20 anos, entre 1978 e 1980. Naquele período, a sua maior façanha foi ter se envolvido em brigas de bar e de ter acabado na polícia, fato agora amplamente noticiado por todos os meios de comunicação da cidade como ponto de destaque no seu currículo.

Por outro lado, ele é reconhecido na Austrália como um editor competente, sendo um membro leal do grupo interno ligado à família Murdoch. Com 27 anos de serviços prestados à empresa, sua carreira tomou impulso quando, em 1992, foi nomeado editor do jornal The Daily Telegraph de Sydney, Austrália; em 1999, assumiu também a versão de domingo do jornal, The Sunday Telegraph. Em ambos as publicações seu estilo era nitidamente populista, beirando o grosseiro, destacando um talento nato para espremer ângulos explosivos de matérias monótonas por natureza, geralmente com o auxílio de manchetes apelativas. O exemplo mais famoso foi quando ele usou um estudo administrativo elaborado pelo governo australiano sobre o crescente número de crianças ilegítimas no país e deu como matéria de capa, com o título "A nation of bastards" (bastards com o sentido de filhos ilegítimos, em inglês).

Mostrar serviço

Todos esses fatos sobre Col Allan são discutivelmente relevantes, mas o problema deste debate focalizado apenas nos seus méritos profissionais e pessoais é que obscurece fatores mais importantes que contribuíram para a sua nomeação. Em primeiro lugar, aparece a intenção de Murdoch de alinhar o New York Post ainda mais com a direção conservadora da ainda nova administração republicana na Casa Branca. A questão seguinte são as eleições municipais em Nova York, no final deste ano, quando o apoio do New York Post será decisivo para as aspirações do candidato republicano Michael Bloomberg (dono da empresa de informação financeira Bloomberg) de se eleger para o cargo de prefeito da cidade.

Por último, e mais importante, Murdoch precisa do apoio da Federal Communications Commission (FCC) para poder manter a posse do próprio New York Post. Ocorre que as leis vigentes nos Estados Unidos proíbem que um jornal e uma estação de TV sejam de propriedade de um mesmo dono em uma mesma cidade. Só que em Nova York, além do New York Post, Murdoch é dono também do canal 5 (WNYN), uma estação retransmissora da Fox, e agora do canal 9 (WWOR), afiliado à rede UPN, comprado recentemente. É uma infração tripla, digna de cartão vermelho e expulsão de campo.

A única esperança de Murdoch para evitar a venda forçada do New York Post ou das estações de TV é o suporte do chairman republicano do FCC Michael Powell, filho do general Colin Powell, para um ataque frontal contra essa legislação. Recentemente, Powell aprovou o direito de propriedade de uma das grandes redes de TV (ABC, CBS, NBC e Fox) paralelamente ao de uma das menores (UPN e WB), como forma encontrada às pressas para legalizar e aprovar a compra da CBS pela Viacom, dona da UPN. Mas a questão de dupla propriedade de um jornal e canal de TV em uma mesma cidade é mais complexa, e Murdoch vai precisar do suporte dos republicanos no Congresso para conseguir mudanças de legislação.

Em função disso, nada melhor do que importar o seu fiel crocodile dundee para segurar as rédeas do New York Post, garantindo o apoio editorial ao candidato republicano à prefeitura em Nova York e, com isso, mostrar serviço à liderança republicana em Washington. Para o caso de os planos falharem, Mortimer Zuckerman, dono do New York Daily News e rival ferrenho de Murdoch, surpreendeu a cidade com o inusitado anúncio de uma proposta de compra do New York Post. Mesmo que remota, a oferta ao menos revela um aspecto peculiar do governo americano: no meio da obsessão com a regulamentação de novas tecnologias de comunicação, esqueceram-se das velhas tecnologias e ninguém se deu ao trabalho de legislar o número de jornais sob controle de um só proprietário em uma só cidade.

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