Friday, 11 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

O que Bambam tem a ver com a Abert do B

BIG BROTHER BRASIL

Luiz Martins (*)

Por dever de ofício tive de acompanhar o início, o meio e o desfecho desse grande pastiche que foi o Big Brother à brasileira. E constato com um certo enfado que a grande vitoriosa ? e não faltou mobilização e empenho dela ? foi a Rede Globo, tanto em audiência quanto em faturamento ? aliás, uma coisa gera mecanicamente a outra.

Aparentemente, o vencedor foi o Kleber, este brasileiro típico, tipo-ideal de malandro-virador-esperto, um brincalhão, pícaro, gozador, que escapa do paredão umas quantas vezes e colhe os louros do percurso de um rapaz latino-americano que vendia cocos à fama, com o agendamento instantâneo, online, da notícia em toda a mídia brasileira, aparição imediata no Programa do Jô e contratos à vista. É a azáfama dos que vivem o show business, a ginástica para estar em tantos talk shows, quem sabe uma passadinha pela Ilha de Caras, o descanso merecido e reverso da perseguição dos paparazzi e dos repórteres fofoqueiros das revistas do coração.

Garotada do parquinho

Comparações geralmente são infames, mas não resisto a uma. Este bamba, digo, Bambam, alcançará muito mais do que os 15 minutos de glória formatados por Andy Wahrol. Conquistou a simpatia dos telespectadores com seu ar de moço puro que rebola, e individualmente faturou mais do que os três americanos que dividiram o último Prêmio Nobel de Economia (Stiglitz, Akerlof e Spence). Cada integrante do trio laureado embolsou 300 mil dólares, enquanto o nosso popularizado Kleber botou a mão em muito mais do que os 500 mil reais em espécie. Além do cachê e dos presentes, ele é o mais novo ungido nessa classe clerical dos brasileiros ricos e famosos, que tanto serve de alimento do Big Brother, digo da mídia, como dele se alimenta, num comensalismo oportunista próprio das simbioses estudadas para os simuladões de cursinhos. Tal receita de robustecimento parece que vai longe, pois já se anunciam oito edições de programas semelhantes, fora os rescaldos: reencontros da turma, roupas sujas que ainda rendem um caldo em algum expediente para manter o assunto na entressafra.

Kleber personificou bem o ilusionismo, esta peça que a mídia prega tão bem, de que o telespectador podia estar lá e que também teria as suas chances. Conseguiu vencer até o love ? tipo "lá fora é outra coisa" ? da magistral parelha interétnica tão bem desempenhada por Serginho/Vanessa. Nem tudo o amor vence e tampouco se confirmou o mito da "democracia racial" tão decantada pelos intérpretes maiores de nossa índole outrora lusitana ? Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.

Kleber foi escolhido para perpetuar a velha fórmula teleológica de que o herói-vencedor, além do carisma e das características para tal, deve também surpreender, pois o óbvio não é boa companhia dos desfechos literários. É sempre bom uma dosagem de estranhamento, segredo básico da catarse. Ficaria tudo muito careta se a dupla Vanessa/Serginho viajasse com os 500 mil reais para a lua-de-mel dourada em Fernando de Noronha. Para Kleber e todos os confrades de confinamento consentido, é aproveitar enquanto os spots não migram para a próxima atração, pois a mídia tem memória curta, a audiência logo se cansa, embora os modelitos sejam os básicos. Ora uma no martelo, ora outra na bigorna, digo, ora mais para Supla, ora mais para Kleber, ora mais para a Casa dos Artistas, ora mais para o Big da Globo.

Em meio a tais folguedos, sérias disputas de gente grande se desenrolavam na realidade dos negócios televisivos, bem distantes dos bastidores e confessionários dos reality shows. Foi a cisão ocorrida na mãe de todas as casas dos artistas, a poderosa Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), com a saída em bloco do SBT, da Record e da Rede TV! para formar uma agremiação paralela, uma espécie de Abert do B para melhor enfrentar a hegemonia da Globo. Perto das jogadas desses grandes mestres, as intrigas e as rasteiras da moçada dos reality shows são tiradas líricas de garotada de parquinho. É brinquedo não, o mundo da telinha. Haja entretenimento, pois a concorrência está mais acirrada.

(*) Coordenador do projeto integrado de pesquisa e extensão SOS-Imprensa, da Faculdade de Comunicação da UnB