Saturday, 14 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Oportunidades para jornalistas

TRABALHO & MERCADO

Luciano Martins Costa (*)

Uma tendência recente entre algumas das maiores assessorias de comunicação atuantes em São Paulo e no Rio revela um aspecto inquietante do mercado para os jornais diários: alguns clientes começam a solicitar a suas assessorias dossiês sobre temas abordados superficialmente pela imprensa e que afetam diretamente seus negócios.

Exemplos: uma empresa do setor de energia queria mais detalhes sobre as novas autoridades do setor, uma indústria exportadora precisava conhecer o perfil de executivos e técnicos do Ministério do Desenvolvimento. As duas assessorias contratadas moveram inicialmente seus profissionais na busca de material publicado que atendesse a demanda de seus clientes. Resultado: não havia nos arquivos reportagens com qualidade e densidade suficientes para uma análise séria. A solução, em ambos os casos, foi contratar jornalistas especializados para produzir os dossiês.

Ainda não é possível definir por quanto tempo essa oportunidade vai se manter, mas pode-se calcular que serão necessários muitos meses, por exemplo, para que o mercado entenda o espírito do novo governo e aprenda a analisar corretamente as decisões e declarações das autoridades. Mas é bastante claro que existe uma necessidade de mais agilidade por parte da imprensa, que os cadernos setoriais e reportagens especiais já não conseguem atender.

O problema é que, com o enxugamento progressivo das redações e o achatamento dos salários, os jornais diários perderam os profissionais qualificados a escrever rapidamente dossiês desse tipo. Além disso, não há perspectiva de os jornais diários voltarem a investir em produtos diferenciados e segmentados, em função da própria crise.

As empresas vão se resolver, portanto, com suas assessorias, que rapidamente deixam o velho modelo do press release e se transformam em agências integradoras, oferecendo uma gama mais variada de serviços. Muitas delas já se movem no sentido de oferecer assistência para as relações institucionais das empresas, de olho na perda de credibilidade e eficiência dos escritórios de lobby. Quem não se mover rapidamente corre o risco de encontrar o cliente almoçando com a concorrência, como aconteceu semana passada no restaurante Spot, em São Paulo, com um dos grandes do ranking.

Criativo e inovador

Mas, de uma forma ou de outra, as assessorias vão se ajeitar. Têm, em geral, estruturas ágeis, que vêm sendo reforçadas recentemente por profissionais dispensados pelas redações de jornais e revistas. O abacaxi está de fato é com a imprensa: perdendo progressivamente certas habilidades, como a da investigação, e impermeáveis aos movimentos do mercado, jornais e revistas se ressentem da falta de editores preocupados com os resultados do empreendimento e pagam o preço de décadas de descaso com o desenvolvimento de seus profissionais.

Um sintoma: há meses, numa reunião a que compareceram um procurador da República e o chefe do Serviço de Inteligência da Receita Federal, dezenas de jornalistas ? muitos deles atuando em jornais e revistas importantes ? foram informados de que as autoridades estão investigando todas as empresas que são clientes de alguns escritórios de advocacia suspeitos de estimular a sonegação de tributos. Não saiu uma linha de reportagem a partir desse filão, mas pelo menos uma assessoria de comunicação tratou de realizar um seminário interno sobre o tema, e se prepara para oferecer a alguns clientes um pacote chamado advise file. Nada mais do que algumas ponderações, com dados retirados dos registros oficiais, sobre o risco de contratar, por exemplo, um agente aduaneiro citado em reportagens policiais.

É claro que nem todas as assessorias estão preparadas para uma atuação desse tipo, que exige alta capacitação estratégica, mas muitas delas já dão sinais de estar percebendo essas novas oportunidades.

Para os jornalistas, o cenário pode revelar duas visões: a primeira, enfocada na mídia tradicional, é extremamente pessimista e indica a redução progressiva de boas oportunidades de trabalho e carreira; a segunda visão, mais criativa e inovadora, exige espírito empreendedor e boa dose de criatividade. Nessa direção, há razões para otimismo a partir de uma nova compreensão do papel do jornalista, que, mal ou bem, é profissionalmente educado para preservar valores e desconfiar de facilidades. Ou será que até isso já se perdeu?

(*) Jornalista