Tuesday, 15 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Palavras prévias

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ARMAZÉM LITERÁRIO

Autores, idéias e tudo o que cabe num livro

LITERATURA & TECNOLOGIA
Palavras prévias

Fábio Lucas

Apresentação de Literatura e comunicação na era da eletrônica, Cortez Editora, São Paulo, 2001

O processo industrial, que deslocou parte da população do campo para a cidade, tornou deserto o espaço agrário e esvaziou, de certa forma, o poder da cultura rural. Mas, no Brasil, essa cultura rural, que se manifestou nostalgicamente em parte do romance do Nordeste, teve uma ressurreição apoteótica, no âmbito da literatura, na obra de Guimarães Rosa.

Com o advento dos procedimentos eletrônicos de comunicação, fala-se em desurbanização pós-industrial. Organiza-se novo conceito de tempo, enquanto o "espaço urbano" se amofina como realidade geopolítica, em proveito dos nossos sistemas instantâneos de movimentação: deslocam-se rapidamente as pessoas nos remanejamentos funcionais da produção, do lazer e da geração de serviços.

Vivemos uma época de convite permanente às arenas e aos espetáculos. A lógica da indústria cultural tende a tudo transformar em show business, para usar o termo em inglês, que se tornou o idioma da massificação. Com a adoção da nova tecnologia importada (imposta), vieram os conteúdos do expansionismo das nações dominadoras. Tivemos a entronização da conduta utilitária como princípio ético e filosófico. Conforme Paul Virilio:

A instantaneidade da ubiqüidade resulta na utopia de interface única. Depois das distâncias as de espaço e de tempo, a distância-velocidade abole a noção de dimensão física. A velocidade torna-se subitamente uma grandeza primitiva aquém de toda medida, tanto de tempo como de lugar. (Paulo Virilio, O Espaço Crítico. Rio de Janeiro, Editora 34, 1993)

A superexposição a que são submetidos os artistas e escritores, sob o efeito da telepresença (reunião de antípodas via TV, debates internos etc.) e da transparência, está criando uma falsa noção de produto estético. Beneficia a improvisação e a oralidade, em detrimento de velhas conquistas da Humanidade: a árdua procura da perfeição formal. Como indaga angustiosamente Paulo Virilio: "Como viver verdadeiramente se o aqui não o é mais e se tudo é agora?" (ob. cit., p. 103). Segundo propostas reunidas por A.. Chauveau e P. Tétard, cogita-se agora da "história do presente". Criou-se na França, o Institut d?Histoire du Temps Présent. Não é sintomático isso? Consoante acentua o autor de O Espaço Crítico, vivemos sob a ameaça de uma "civilização do esquecimento", sociedade de um "ao vivo" (live coverage) sem passado nem futuro, "sociedade intensamente presente aqui e ali, ou seja, sociedade telepresente em todo o mundo" (ob. Cit., p. 103).

A nosso ver, a erosão da modernidade se caracteriza pela unificação do "eu" com a sociedade, por intermédio da proposta mercantil pela inserção da obra no mercado. Daí a dependência, em muitos casos, do artista em relação à mídia televisiva, cuja força suasória não está mais na retórica, mas na exposição de imagem, sem defini-la. Ou seja: a imagem se define pela exposição, sem nenhum esforço de conceituação. Ao longo dessa semiologia do não-verbal, chegaremos ao núcleo da entropia, o produto sem pé nem cabeça.

Pessimismo? Realismo? Nem um nem outro. Propomos uma nova busca de horizontes, a fim de que se reinstalem o sol da utopia e o sonho humanitário. A potencialidade aglutinadora estaria nos legítimos interesses nacionais e na criação literária referenciada a esse interesse.

Acreditamos, ainda, que as Letras serão a base da formação do novo homem, mais densa, humana e conclusiva. As imagens não se acumulam no cérebro, nem induzem o mergulho nas camadas mais profundas do saber. Com elas termina o processo acumulativo que nos trouxe, na civilização ocidental, da sabedoria grega à era eletrônica. As Letras não negam a velocidade da informação, nem a excluem. Propõem um roteiro diferente: as trilhas da reflexão e do prazer estético, profundo e duradouro.

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